A atual Constituição brasileira. Por Manoel Gonçalves Ferreira Filho
A ATUAL CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO
– Governo dos juízes e partido único –
Não sei se todos – políticos, juristas, jornalistas – estão cegos ou eu enlouqueci.
Discutem-se sobre ações do Executivo, debatem-se decisões do Legislativo, preocupam-se com a democracia, com financiamento de partidos, mas não veem que nada disto importa. O Brasil não é uma democracia, nem o Executivo, nem o Legislativo governam, quem governa é o Judiciário. Não há verdadeiros partidos senão o Ministério Público.
Quem governa é quem diz a última palavra. Na democracia, seria o povo, ou a sua maioria. No Brasil, quem diz a última palavra sobre tudo é o Judiciário. E não se esconda isto com o pretexto de que ele cumpre a lei, ou a Constituição, ele faz a lei e faz a Constituição como quer e quando quer.
A demonstração é fácil.
Todas as ações governamentais dependem de “autorização judicial”. O mais inexperiente dos juízes, recém-saído da Faculdade, pode bloquear qualquer ação administrativa, não só na sua jurisdição, mas em todo o país. Sempre pode para tanto invocar ou inventar um princípio. Com isto, é o senhor das prioridades em políticas públicas, inexiste a livre escolha para cargos de livre nomeação. Interfere nas mais comezinhas decisões do dia a dia.
… Que adianta, por exemplo, a Constituição dar garantias a um eleito pelo povo, se uma penada pode excluí-lo sem filigranas nem com devido processo legal? Está ele à mercê de um despacho monocrático que virá a ser confirmado ou não quando os senhores do poder o quiserem.
Sozinho ele pode sustar uma lei que a representação popular votou e o chefe do executivo sancionou. Não foi ele escolhido para governar, eles, bem ou mal, o foram.
E isto não é próprio apenas dos que se iniciam na carreira. Outros, em escalão mais alto o fazem e o confessam.
Que adianta, por exemplo, a Constituição dar garantias a um eleito pelo povo, se uma penada pode excluí-lo sem filigranas nem com devido processo legal? Está ele à mercê de um despacho monocrático que virá a ser confirmado ou não quando os senhores do poder o quiserem.
… Perdoem-me pela minha parcela de culpa no que ocorre. Durante 45 anos ensinei direito constitucional no Largo de São Francisco – não ensinei o que denuncio – mas fracassei porque não tive êxito.
Que é da separação dos poderes?
Sua finalidade – está num livro chamado o Espírito das Leis – é prevenir o abuso, porque quem tem poder vai até onde encontra limites.
Este governo dos juízes goza de um forte apoio partidário. Aliás, do apoio do único partido organizado e influente que temos. Um verdadeiro partido único. É O Ministério Público. É este, antes guardião da lei, hoje um auxiliar de governante, seguindo o seu próprio critério do que é ou não é bom para a comunidade. É ele que abre caminho, o mais das vezes, para o governo dos juízes.
Entretanto, nem sempre depende deles para também governar. Pode pela pressão e a ameaça de recorrer ao apoio dos juízes todo-poderosos, impor a autoridades temerosas, até a alimentação que deve ser oferecida na merenda escolar.
Perdoem-me pela minha parcela de culpa no que ocorre. Durante 45 anos ensinei direito constitucional no Largo de São Francisco – não ensinei o que denuncio – mas fracassei porque não tive êxito.
SP 22/12/19
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho – Especialista em Direito Constitucional. Jurista, advogado, político e e foi professor titular da Universidade de São Paulo, na PUC, vice-governador do Estado de São Paulo e senador.
Pedir desculpas pode ser muito bonito… mas o estrago quem é que conserta? Isso é o que interessa!!!