Revisitando o Megaleilão. Por Haroldo Lima
REVISITANDO O MEGALEILÃO
HAROLDO LIMA
…Diferentemente das licitações sob regime de concessão, nas licitações sob regime de partilha, o esforço principal não é para se aumentar o bônus, mas a parte da União na partilha, que será paga pelas três décadas do contrato. Se o bônus for muito elevado, essa parte será diminuída, com prejuízo para a União…
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO VALOR ECONÔMICO, EDIÇÃO DE 4,5,6 DE JANEIRO DE 2020
Setores acham que o regime de partilha da produção, vigorante no pré-sal brasileiro, prejudicou o leilão do excedente da cessão onerosa, de 6 de novembro passado. Querem aboli-lo. Seria um erro.
No megaleilão, o governo pretendia arrecadar R$ 106,5 bilhões, conseguiu R$ 69,96 bilhões; contava com parte significativa de dinheiro vindo do exterior, de onde menos de 10% virão; esperava uma corrida aos campos ofertados, só duas empresas concorreram, afora a Petrobras, e só dois campos foram arrematados.
O ministro Paulo Guedes disse que “tivemos dificuldade para, no final, vender de nós para nós mesmos”. (O Globo 17/11/2019). Segundo a Bloomberg, “desastre total é a melhor maneira de descrever a rodada desta manhã”. E nessa linha opinaram outros grandes periódicos estrangeiros.
A apreciação desastrosa acima não tem a ver com a dinâmica do leilão, no que tem grande expertise a ANP. Tem a ver com injunções externas.
Diferentemente das licitações sob regime de concessão, nas licitações sob regime de partilha, o esforço principal não é para se aumentar o bônus, mas a parte da União na partilha, que será paga pelas três décadas do contrato. Se o bônus for muito elevado, essa parte será diminuída, com prejuízo para a União.
… No mega leilão, a preocupação do governo federal foi a de resolver problemas de seus déficits fiscais e os bônus foram exageradamente elevados.
No leilão de Libra, de 21 de outubro de 2013, o bônus estabelecido, R$ 15 bilhões, foi grande, mas não extravagante. O esforço principal foi por assegurar uma boa participação da União no excedente em óleo, a parte da produção afora os custos ressarcidos. Estabeleceu-se 45,65% que, somados às parcelas do Imposto de Renda (25%) e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (9%), totalizavam cerca de 75%, que é o percentual da produção que fica para a União, em países que tiram bom proveito da produção do petróleo.
No mega leilão, a preocupação do governo federal foi a de resolver problemas de seus déficits fiscais e os bônus foram exageradamente elevados.
Em Búzios, estabeleceu-se um bônus de R$ 68 bilhões, mais de quatro vezes e meia o bônus de Libra, que já fora grande. Em compensação, enquanto em Libra, o percentual mínimo da União no excedente em óleo foi de 41,65%, em Búzios foi de 23%! Em Itapu – o outro bloco arrematado – foi de 18%.
Essas injunções externas deformaram o regime de partilha no megaleilão. Ele foi programado para viabilizar dinheiro a curto prazo, para resolver problemas fiscais. O megaleilão foi um leilão do Paulo Guedes.
Os altos bônus estipulados mostraram, por outro lado, insensibilidade ou desconhecimento para o que está ocorrendo no mundo, na frente energética.
A Bloomberg, há pouco, vaticinou a particularidade do momento, dizendo que, no ambiente energético mundial, “não vivemos uma época de mudanças, mas a mudança de uma época”. O horizonte de prevalecimento do combustível fóssil no planeta ficou pequeno, fala-se em 25/30 anos. Grandes investimentos nessa área estão sendo sopesados com a maior cautela.
…a Petrobras usou o seu direito de preferência para, de certa forma, burlar o interesse nacional de ampliar a exploração do pré-sal brasileiro.
Mas nunca um desastre ocorre por uma causa. A partcipação de operadora preferencial da Petrobras no certame também foi fator negativo no evento. Na verdade, nas árduas condições em que se dão as atividades petrolíferas no pré-sal, grandes petroleiras, às vezes, preferem ter a Petrobras como operadora, pelo menos por enquanto. Ademais, a única regalia que tem a Petrobras no pré-sal brasileiro, por ser brasileira, por ter descoberto o pré-sal e ser paraestatal brasileira é a preferência na escolha do bloco que quer operar.
Dita prerrogativa decorre de decisões tomadas em uma época em que o sentimento nacional estava em alta nas esferas oficiais. Hoje, ele está em baixa, mas não deve sucumbir, nem tampouco desaparecer a condição de operadora preferencial da Petrobras.
Contudo, a Petrobras usou o seu direito de preferência para, de certa forma, burlar o interesse nacional de ampliar a exploração do pré-sal brasileiro.
Para a 6ª Rodada sob regime de partilha, realizada no dia 7, a paraestatal indicara preferência para operar três blocos e só participou da licitação de um deles. Isto pode ter contribuído para que nessa rodada só um bloco tenha recebido ofertas, Aram.
Aprendendo com a experiência, faz-se necessário a regulação avançar no estabelecimento de mecanismos que coíbam procedimentos deste tipo no futuro.
Ao invés de se pretender acabar com o regime de partilha no pré-sal brasileiro, esforço deveria ser feito para aperfeiçoá-lo. A partilha não produz seus efeitos, por exemplo, se não houver uma fiscalização eficiente dos custos que serão ressarcidos. Sem fiscalização, esses custos podem subir bastante, diminuindo o excedente, do qual a parte da União é extraída. O fortalecimento da estatal criada para esse fim, a PPSA, é vital. E é estranho que não se vê falar muito nesse assunto.
Sem a partilha, a supervisão e controle pela União, eventualmente necessários em área tão prolífera, deixariam de existir. Os melhores frutos da produção não mais viriam para a União e as multinacionais seriam as mais beneficiadas. Isto, se ultrapassássemos outro problema sério, o da insegurança jurídica, o da instabilidade regulatória.
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* Haroldo Lima – é engenheiro, consultor na área de petróleo, ex-deputado federal, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, PC do B.