O avesso do avesso do avesso. Coluna Carlos Brickmann

O AVESSO DO AVESSO DO AVESSO

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 3 DE NOVEMBRO DE 2019

Caio Coppola, da rádio Jovem Pan, diz que Bolsonaro não devia se exibir como leão, no famoso vídeo – pois quem faz tudo para defender os filhotes não é o leão, mas a leoa. E dizer que os irmãos 000 não têm noção e só criam problemas para o pai é fácil, é óbvio – mas talvez seja errado. Digamos que Bolsonaro, que fundou o clã, que chegou a presidente, seja o chefe dos zeros à esquerda. Isso muda a perspectiva e o transforma em estrategista – um mau estrategista, mas não um idiota. Se fosse idiota não chegaria ao Planalto.

Nenhuma certeza é possível. Mas imaginemos que ideias como fechar o Supremo ou ameaçar com o Ato Institucional nº 5, de nefanda memória, não saiam da cabeça do embaixador que foi sem nunca ter sido; que ele seja o lançador de balões de ensaio, para que o pai, chefe do clã, veja a repercussão que alcançam. Nos dois casos, as ideias foram descartadas, depois que houve reação negativa a elas. Mas vá que de repente uma das sugestões autoritárias seja bem aceita? Bolsonaro teria o campo aberto para tentar implantá-la.

É terrível imaginar que um presidente da República democraticamente eleito planeje guinadas autoritárias e use seus filhos para testá-las. Mas não podemos esquecer que Bolsonaro já defendeu o Ato 5 (“só morreram uns 300”), sustenta que não houve ditadura e já disse que o grande erro dos generais-presidentes foi não ter matado muito mais gente. Se o pai dita o que o filho espalha, Bolsonaro mantém hoje as ideias de sempre. Tem lógica.

 O tempo passa

E o general Augusto Heleno? Era elogiado por seus companheiros pelo trabalho no Haiti, no Comando Militar da Amazônia, por sua ponderação. É triste vê-lo sugerir que Eduardo Bolsonaro, ao defender o Ato 5, deveria ver como realizar a ideia. Um ministro estreitamente ligado ao presidente, que exerceu altos cargos nas Forças Armadas, que recebeu tantos elogios de seus pares, não deveria aceitar facilmente ideias autoritárias de civis mimados.

 O filho e el hijo

Eduardo Bolsonaro não se limita a divulgar ideias autoritárias. Já criticou até uma obra de arte na ONU, por sugerir que as armas se calem. E procurou ridicularizar Estanislao Fernández, filho do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández. Estanislao é transformista, veste-se de mulher, emula o personagem Pikachu. Eduardo postou uma foto sua, cercado de armas, ao lado de Estanislao, de drag queen, para mostrar o contraste entre os filhos de cada presidente. Estanislao enviou ao Brasil uma mensagem de paz, “Irmãos brasileiros, estamos juntos nessa luta. Os amo”.

Poderia ter sido grosseiro, sugerindo que a mira das armas fosse limada. Mas manteve a compostura.

 Expondo o BNDES

A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o BNDES não teve êxito? Não faz mal: se o presidente Bolsonaro quiser mesmo abrir a caixa-preta do BNDES, seu velho objetivo, basta abrir primeiro o livro Caixa Preta do BNDES, do jornalista Claudio Tognolli e do pesquisador Bernardino Coelho da Silva (Editora Matrix, já nas livrarias).

 O livro mostra como o Brasil, via BNDES, mandou bilhões para Cuba, Venezuela, Angola e a JBS dos Estados Unidos; e como uma empresa privada, a Tecsis, à medida que perdeu mercado e dinheiro, teve grandes mudanças acionárias, com as empresas privadas retirando seu capital e o BNDES se transformando no principal acionista. Traduzindo, o lucro é privado e o prejuízo é estatal, socializado.

 Plim-plim

Bola fora da Rede Globo: engoliu sem discussão a falsa notícia de que um dos suspeitos do assassínio da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio, tinha ido ao condomínio onde morava Jair Bolsonaro e sido autorizado por ele a entrar – isso poucas horas antes da execução do crime. A informação era do porteiro do condomínio, mas não combinava com a gravação de áudio e vídeo da movimentação do suspeito. Além do mais, Bolsonaro não estava no Rio, mas em Brasília. Finalmente, a falsa informação era velha e já tinha sido descartada pelas autoridades. A Globo errou.

Mas o presidente Jair Bolsonaro também errou feio na resposta, ameaçando não renovar a concessão de TV da Globo, e acusando-a de ter errado deliberadamente (e como ter certeza disso?) A concessão não deve ser uma arma política, para ajudar amigos e prejudicar quem não é amigo. É assim, mas não devia ser.

Tribunal, não

Muita gente escreveu a este colunista perguntando se o presidente não poderia processar a Globo pela divulgação da notícia falsa. Poder processar, pode; todos podem abrir processo contra todos, desde que a Justiça os aceite. Mas a Globo tem uma defesa difícil de vencer: divulgou a notícia apontando o porteiro como fonte da informação. Ou seja, não acusou o presidente de ter recebido uma pessoa suspeita, mas informou que o porteiro do condomínio tinha dado essa informação. Que o porteiro deu essa informação, deu. Por que? Deve haver investigação, claro. Mas isso ajuda a Globo a se defender.

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2 thoughts on “O avesso do avesso do avesso. Coluna Carlos Brickmann

  1. Discordo de você, querido Carlinhos. A Rede Globo citou, na mesma reportagem, a narrativa do porteiro e o fato, comprovado, do capitão estar em Brasília naquele dia. Creio que é vital que tudo isso seja melhor avaliado, mas não concordo que a Globo errou. Precisamos ser justos com nossa Imprensa, antes que esse grupo que está no Planalto feche nossos jornais e TVs, como o indigitado Trump já fez lá nos States.

  2. “Se fosse idiota não chegaria ao Planalto”. Sei não. Sem querer tematizar a ideia de que o coisa-ruim seja um idiota, o fato é que candidaturas vencedoras, mesmo que improváveis à priori, têm sempre algo em comum: são planejadas e conduzidas bem longe de onde mais fazem sucesso, o coração carente do eleitor. Fosse o contrário, e Lula seria realmente um socialista reformista durante seus oito anos, e não um distribuidor de verbas públicas a amigos privados corruptos. Fosse o contrário, e FHC seria um social-democrata reformista durante seus oito anos, e não um privatizador que contemplou, com precinhos de banana, vorazes multinacionais d’além-mar. Fosse o contrário, e Bolsonaro não seria – fazer o quê, né? – o único cavalo-de-troia que sobrou inteiro para carregar e desovar Paulo Guedes dentro da máquina que controla a economia nacional. O Mercado, essa entidade sacrossanta que manda e desmanda, queria Guedes, e Bolsonaro foi aquilo que estava à disposição pra fazer o serviço.

    Bolsonaro ser ou não um idiota é questão ociosa. Basta olhar, e principalmente ouvir o sujeito, e a gente já sabe. Idiotice maior ainda, de fato, é a de quem articulou sua candidatura. Em nome de um projeto ultraliberal, comprometeu um país que queria apenas um pouco de inteligência e decência. Guedes fará, como já está fazendo (trabalhadores a meio caminho da aposentadoria que o digam), aquilo que lhe foi encomendado. Resta saber o que faremos com o louco. Será que o Mercado sabe?

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