Sementes da desordem. Por Aylê-Salassiê Quintão
SEMENTES DA DESORDEM
“O povo assiste abestalhado!”
Aylê-Salassié F. Quintão
Em Brasília, barracos de madeira, de alumínio e até de papelão, construídos por famílias migrantes miseráveis, cheias de filhos menores, são, impiedosa e espalhafatosamente, derrubados pela fiscalização dos governos que, por outro lado, ignoram a existência de uma pista de avião clandestina, com 120 hangares, levantada, ardilosamente, em área pública nos arredores da Capital…
Em Brasília, barracos de madeira, de alumínio e até de papelão, construídos por famílias migrantes miseráveis, cheias de filhos menores, são, impiedosa e espalhafatosamente, derrubados pela fiscalização dos governos que, por outro lado, ignoram a existência de uma pista de avião clandestina, com 120 hangares, levantada, ardilosamente, em área pública nos arredores da Capital, e da qual fazem uso sistemático deputados, senadores, ministros e outras autoridades. Seus usuários parecem confiantes no desmonte da Lava Jato.
A vigilante grande imprensa está toda concentrada em Brasília, mas quem descobriu a trama foi uma pequena revista do interior da Bahia, intitulada “Crusoé”, acostumada a “chafurdar na lama”, e que registrou o desembarque da bancada baiana no Senado em uma dessas pistas. Foram flagrados descendo de um Learjet 45 os senadores Angelo Coronel (PSD), Jaques Wagner (PT) e Otto Alencar (PSD) e até o deputado Fernando Bezerra Filho (DEM-PE), momentos antes das apreensões pela Polícia Federal feitas em sua residência e no gabinete.
Os flagrantes do desembarque pirata dos políticos teriam ocorridos nos últimos dias 10 e 19 de setembro. Era um pequeno avião à jato, avaliado em R$ 12,5 milhões. Estaria registrado em nome de uma empresa do senador Coronel, que é também dono do Grupo Corel, conglomerado controlado offshore, com sede no Panamá. O esquema seria usado para fugir dos ataques verbais nos aviões de carreira, mesmo em primeira classe, e da possibilidade de agressões físicas nos aeroportos.
…O curioso é que só agora o governo do Distrito Federal e a Agência Nacional de Aviação Civil detectou a transgressão. O caso foi levado ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que se esquivou do julgamento, tomando, inclusive, a descarada iniciativa de recomendar ao GDF uma licitação dos hangares
O aeródromo clandestino teria sido construído sorrateiramente por iniciativa de um grupo de empresários e políticos espertos, e em exercício. Começou com doze hangares e, passados dois a três anos, subiu para 120. Tudo levantado de maneira camuflada em área pública. O senador Angelo Coronel reconhece que o aeroporto é mesmo irregular. Mesmo assim, defende, sem constrangimentos, que o combustível usado nesses voos piratas deveriam ser pagos pelo Congresso Nacional, com a verba parlamentar.
O curioso é que só agora o governo do Distrito Federal e a Agência Nacional de Aviação Civil detectou a transgressão. O caso foi levado ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que se esquivou do julgamento, tomando, inclusive, a descarada iniciativa de recomendar ao GDF uma licitação dos hangares. E já está sendo providenciado, com a venda de cada um a R$ 60 mil. Não se falou em punição, e o assunto foi oportunamente esquecido.
Ora, com a Comissão da Lava Jato, ou sem ela, como parece desejar um grande número de políticos e a maioria dos ministros Supremo Tribunal Federal, que nadam em mordomias, tratadas e aceitas pelos cidadãos brasileiros com ironia e cinismo, e não como crimes. As transgressões e as punições penais no Brasil já não assustam a mais a ninguém. Muito menos, agora, depois da rejeição dos 18 vetos do Congresso ao projeto de lei número Lei 13.869, do dia 5 de outubro último , batizada com o nome de “Lei de Abuso de Autoridade” – texto inventado pelo senador Renan Calheiros (MDB-Alagoas) – cujo propósito é o de conter supostos “excessos” de membros do Judiciário, procuradores e polícias.
É a democracia, esse mantra que abre as portas da cadeia e desmonta o País, ainda, aparentemente, em estado de barbárie “O povo assiste abestalhado!”
Voltada para constranger a autoridade pública, a lei chega no momento em que cresce a criminalidade das ruas, alimentada pelo desemprego; e o crime do colarinho branco se generaliza, banalizado pelos rituais jurídicos, formas mafiosamente inovadoras como a difusão de notícia falsas (fake news), grampeamentos privados da comunicação dentro do Estado, difusão ampla de conteúdos de processos sigilosos na Justiça, corrupção passiva e ativa e lavagem de dinheiro. É o paraíso.
Os vetos presidenciais suspensos por deputados e senadores, expõem os 17 mil juízes e os 5 mil procuradores brasileiros a julgamentos, até mesmo fora dos tribunais, pelos acusados e condenados criminalmente: criminosos contumazes e políticos corruptos, protegidos por mandatos: um coronelismo pós-moderno. Não é impossível, vide o caso da juíza no Rio de Janeiro e o de Celso Daniel.
Ganha com isso novas garantias de emprego a categoria dos advogados, que transita cinicamente pelas verdades e mentiras dos acusados – alguns presos – alimentando com informações, telefones celulares e até armas, os chefes de quadrilha e traficantes encarcerados. Terão agora mais proteção da lei para se aproximarem do mundo das transgressões. O sistema recursivo então, com essa história de não se poder mais condenar em “segunda instância”, vem aí para escancará-la. Como Nação, o Brasil está sendo gradualmente desorganizado, até mesmo por uma gestão pública inconsequente, quase irresponsável.
É a democracia, esse mantra que abre as portas da cadeia e desmonta o País, ainda, aparentemente, em estado de barbárie “O povo assiste abestalhado!”
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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília