O discurso e a prática. Por Edmilson Siqueira

O DISCURSO E A PRÁTICA

EDMILSON SIQUEIRA

Já o pessoal mais liberal, de centro-direita, preferiu ficar onde sempre esteve: o discurso foi bom, pena que está distante da prática. Como me encaixo nesse último grupo, passemos a algumas considerações. Bolsonaro fez sim um discurso que o aproxima de um estadista, para surpresa geral, diga-se, mostrando ao mundo como recebeu o Brasil há nove meses, os estragos que a esquerda provocou, escancarou a roubalheira…

Passados os primeiros momentos após o discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU, podemos fazer um pequeno balanço de sua repercussão. A divisão do Brasil nas últimas eleições ainda é o norte para elogios e críticas. Ou seja, aquele pessoal mais ligado à esquerda radical saiu metendo o pau até nos perdigotos que porventura se soltaram da boca presidencial durante o discurso. Já o pessoal mais à direita olaviana, se encheu de orgulho de ver seu capitão falando para o mundo. Para essa turma ele poderia recitar “Batatinha quando nasce” que ela até choraria de emoção.

Já o pessoal mais liberal, de centro-direita, preferiu ficar onde sempre esteve: o discurso foi bom, pena que está distante da prática.

Como me encaixo nesse último grupo, passemos a algumas considerações. Bolsonaro fez sim um discurso que o aproxima de um estadista, para surpresa geral, diga-se, mostrando ao mundo como recebeu o Brasil há nove meses, os estragos que a esquerda provocou, escancarou a roubalheira desenfreada (a maior do mundo em todos os tempos), denunciou métodos cubanos de escravizar enfermeiros como se fossem médicos, afirmou com todas as letras que a esquerda levou a Venezuela à desgraça, acusou a ONU de compactuar com ditaduras e tentou esvaziar algumas fantasias criadas em torno da Amazônia. Além disso, jogou na cara dos europeus que tanto “se importam” com a floresta dos outros, que eles pouco preservam e usam quase toda terra disponível para a agricultura, enquanto aqui ocupa-se pequena parcela, com a maior parte do território brasileiro – que é do tamanho de um continente – preservada. E soltou uma frase nos primeiros momentos que poderia fechar grandiosamente o discurso, caso fosse usada para encerrá-lo: “O Brasil esteve à beira do socialismo”.

Resultado de imagem para loboem pele de cordeiroOu seja: não está contra nem a favor, muito pelo contrário, quanto mais principalmente… Veremos como será seu comportamento após a pomposa posse, com direito a edição extra do Diário Oficial da União contendo praticamente apenas sua nomeação. Seu primeiro mês à frente da PGR mostrará se é um lobo em pele de cordeiro ou um cordeiro em pele de lobo…

 

Pois bem. Enquanto Bolsonaro falava na ONU, aqui no Brasil, o Congresso apertava o cerco contra aqueles que querem acabar com a farra da corrupção. Sim, leis estão sendo votadas no sentido de proteger ainda mais as quadrilhas todas que ainda estão soltas e, pior, sabe-se hoje, com o aval presidencial. Ora, a derrubada de inúmeros vetos do presidente à lei de abuso de autoridade demonstra, claramente, que o atual Congresso quer emparedar os juízes e promotores que se imbuíram da missão de passar o Brasil a limpo. Mesmo porque, a já estrita observância da lei em todas as suas minúcias, mesmo antes dessas normas de abuso, já era tarefa dificílima para autoridades honestas botarem no xadrez a bandidagem de colarinho branco. Só que, com hercúleo esforço, estavam conseguindo. Agora, já há juiz que não bloqueou a conta de um caloteiro do condomínio com medo de ser enquadrado num dos artigos da lei ressuscitada pelos deputados depois do veto de Bolsonaro.

O STF é cada vez mais uma parede a impedir avanços no combate à criminalidade, com alguns de seus membros inovando em interpretações da Constituição para soltar seus bandidos preferidos e criando processos do nada para censurar a todos.

Ao mesmo tempo, um novo Procurador Geral da República, escolhido por Bolsonaro, escolha essa que o colocou em confronto com o Ministério Público, tem vários discursos no paletó e escolhe cuidadosamente o que vai puxar do bolso de acordo com a plateia que enfrenta. Agradou ao presidente, agradou aos políticos, agradou ao PT e agradou, muito, a Renan Calheiros. Ele não pode ter dito a mesma coisa para todos, evidentemente. Sem contar que seu discurso sobre a Lava Jato deixa no ar uma enorme interrogação: já disse que ela é essencial, mas que cometeu abusos; já disse que vai ampliá-la, mas acusou de estrelismo seus principais membros. Ou seja: não está contra nem a favor, muito pelo contrário, quanto mais principalmente… Veremos como será seu comportamento após a pomposa posse, com direito a edição extra do Diário Oficial da União contendo praticamente apenas sua nomeação. Seu primeiro mês à frente da PGR mostrará se é um lobo em pele de cordeiro ou um cordeiro em pele de lobo. Particularmente, creio que tentará ser os dois e pode se dar muito mal. Ou pior, se dar bem e o Brasil se dar mal.

No campo político partidário, o forte discurso presidencial também não encontra eco. O partido ao qual Bolsonaro pertence, o PSL, está aos frangalhos. Sem identidade, sem força no Congresso, sem ministros pra chamar de seus, está na iminência de voltar a ser nanico, com a debandada de suas estrelas para outras siglas, levando os menos estrelados junto, resultado quase direto do esforço da família Bolsonaro em mandar autoritariamente no ajuntamento de políticos que se tornou o PSL.

Enquanto isso, a oposição faz seu papel, ridículo às vezes, mas com fartos flancos a explorar. Sorte do governo que o PT virou religião do interior do Nordeste e não faz quase nada além de orar pelo seu guia encarcerado em Curitiba e pregar por aí que um dia ele voltará para nos redimir de tudo.

Por fim, pode-se afirmar, com enorme possibilidade de acerto, que Bolsonaro mais ganhou do que perdeu com seu discurso na ONU. Só que falta, agora, que aquela disposição ao combate o acompanhe em seus atos por aqui. Por enquanto, com a economia andando a passos de tartaruga e a velha política do Congresso se sobrepondo à vontade do país, não haverá toque de clarim que transforme em céu de brigadeiros as nuvens negras que pairam sobre o Brasil.

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Edmilson Siqueira–  é jornalista

1 thought on “O discurso e a prática. Por Edmilson Siqueira

  1. Tenho um dever de gratidão para com o “Chumbo Gordo” por tê-lo apresentado a mim. Por onde andou esse tempo todo? Ou eu que sou tão ignorante (hipótese que não pede comprovação)? Enfim, o sr. ganhou um fã!

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