Hiperpolarização. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*
HIPERPOLARIZAÇÃO:
PERDA DA IDENTIDADE E AMEAÇA À UNIDADE NACIONAL
AYLÊ-SALASSIÊ FILGUEIRAS QUINTÃO
Tudo isso tende a acontecer onde as lideranças nacionais são frágeis ou corrompidas. Identidade nacional indica a condição social e o sentimento de pertencer a uma determinada cultura ou Nação, reconhecendo-se as suas virtudes, ritos e símbolos
O brasileiro está perdendo a autoestima. A vulgaridade dos discursos correntes, tanto dentro dos governos quanto da sociedade civil, ganhou tal dimensão que os brasileiros parecem estar caminhando na contramão da História. Não dá para confiar em ninguém. Até a mídia vem merecendo a desconfiança pública. São muitas falsidades, dissidências, diferenças, mágoas e ódio mesmo, hiperbolizados, cruzando os espaços das relações cotidianas.
Mantido esse ambiente de antagonismos radicais envolvendo, políticos, minorias e cidadãos, nada impede que, aí na frente, o País tenha de conviver com o problema da perda da identidade nacional e até com as ameaças de fragmentação: política e territorial. Um idioma único não vai assegurar a coesão, quando essa mesma língua dá sentido às grandes diferenças. Por esse motivo, argumenta-se que a identidade brasileira tende ao enfraquecimento gradual. Que os digam os humanistas hiperbólicos politicamente corretos.
… Em 1964, o antropólogo brazilianist norte-americano, Marvin Harris, identificou, no Brasil, 40 “tipos raciais”, cada um cultivando suas crenças e tradições. Doze anos depois, o IBGE, pesquisando “cores da pele”, registrou 136 tipos diferentes, autodeclaradas pela população.
O comportamento protagonizado pelas militâncias parece fundamentar-se nas desigualdades alarmantes apontadas pelo IBGE de que os 10% mais ricos do Brasil concentram 43,1% da renda do país; de que o desemprego afeta 25 milhões de brasileiros; que , fora dos 35 partidos atuantes, existem 73 outros pedindo registros no TST; ou de que, no Brasil, existem 237 mil fundações privadas (Fasfil) e organizações governamentais sem fins lucrativos (OnGs), 40 % na Amazônia, a maioria dependente de recursos do Estado.
Há quem defenda que o problema não se resume a essa materialidade. É cultural. Em 1964, o antropólogo brazilianist norte-americano, Marvin Harris, identificou, no Brasil, 40 “tipos raciais”, cada um cultivando suas crenças e tradições. Doze anos depois, o IBGE, pesquisando “cores da pele”, registrou 136 tipos diferentes, autodeclaradas pela população.
As ambiguidades proativas terminam por gerar desconfianças, disputas e questionamentos internos ou externas, entre grupos exclusivos, enfraquecendo as unidades e as instituições nacionais. Na medida em que se aprofundam arrogantemente reivindicações específicas e inconsequentes, desencadeiam uma divisão entre cidadãos, às vezes com efeitos fortemente fragmentários para a Nação. A Iugoslávia é um exemplo disso: politicamente unificada pelo regime (autoritário) de Tito, com sua morte, dividiu-se em sete pequenas repúblicas inspiradas em posturas ideológicas frágeis e culturas provinciais enraizadas.
Já tivemos por aqui também perto de 60 guerras emancipacionistas. Entre elas estão as das missões guaraníticas no Sul, aldeamentos indígenas organizados e administrados pelos padres, e que dividiu território colonial entre espanhóis e portugueses. A criação da República Rio-Grandense (Piratini), que se declarou independente do Brasil. A revolução pernambucana de 1817 e, logo depois, em 1824, a Confederação do Equador, de caráter separatista que começou em Pernambuco e se alastrou pelo Nordeste. A revolta da Cabanagem, na antiga Província do Grão-Pará, que reunia os atuais estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia. A revolução de 1932 comandada por São Paulo. Nesse diapasão identitário frágil eclodiram a Intentona comunista de 1935 e a conspiração integralista de 1937. Pesquisas não divulgadas mostram que de São Paulo para baixo há um forte sentimento emancipacionista, mesmo sem uma identidade cultural comum.
Tudo isso tende a acontecer onde as lideranças nacionais são frágeis ou corrompidas. Identidade nacional indica a condição social e o sentimento de pertencer a uma determinada cultura ou Nação, reconhecendo-se as suas virtudes, ritos e símbolos. O maior ou o menor comprometimento dos cidadãos com o seu país, vai depender da imersão na cultura nacional e à forma de interagir no mundo.
A multiculturalidade que alimenta o brasileiro, além de histórica, é um ideal que permeia e anima a vida social, contribuindo para construir uma nação democrática, humana, que também deve ser forte e soberana. Não se pode ignorar as pressões sobre um território enorme, uma terra fértil e pouco habitada. Afinal, o mundo avança em direção aos 10 bilhões de habitantes. Enquanto se discute abobrinhas com a França, o Vaticano reúne 250 bispos e padres amazônicos para discutir um processo de evangelização catequética na região.
Pela confusão ideológica em que se encontra, o brasileiro parece estar a serviço desses interesses exógenos. Vive digladiando entre si, agredindo leis e instituições, ignorando quase sempre o formato legítimo do Estado Nacional, iconografado claramente por uma “única” constituição, um “único” hino nacional, uma “única” bandeira, um “único” Exército, um “único” governo e instituições com legitimidade própria.
As comemorações do 7 de setembro no Brasil realizam-se como uma festa cívica e pedagógica, assim como o 14 juillet, na França, o 4 de julho, nos Estados Unidos, o 12 de junho, na Rússia. Todas remetem aos ideais fundacionais da Nação, no Brasil, sempre vilipendiados por inconsequentes ideologias e interesses estrangeiros, que se colocam supervenientes ao instinto da nacionalidade brasileira. Já tivemos essas comemorações com a Esplanada do Ministérios, em Brasília, dividida por um longo alambrado. Nunca, antes, se viu tamanho absurdo. Sem a perda das liberdades civis, os cidadãos precisam entender que a Nação não sobrevive dividida e sem a essência unificadora das raízes identitárias.
É preciso assumi-las sem os constrangimentos do politicamente correto.
Imagem abertura - foto de Angelica Dass
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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília