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A Amazônia é nossa. Nossa de quem, cara pálida? Port Aylê-Salassiê Quintão

A Amazônia é nossa. Nossa de quem, cara pálida ?

Aylê-Salassié F. Quintão*

Como questão, as queimadas na Amazônia apresentariam três variáveis independentes. Uma, em que o capital empreendedor torce para o fracasso brasileiro na repressão ao desmatamento na região, para poder explorar livremente a madeira, a borracha, a castanha, os minerais raros, a energia e até de espécies vegetais nativas. A fragilidade da fiscalização do Ibama é elevada.

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É difícil prever como o discurso de Jair Bolsonaro vai ser recebido, em setembro, na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, depois que os países líderes mundiais, reunidos no G7, cansaram dessa enchente de asneiras sobre a Amazônia. Já teve falas do Brasil em que delegações inteiras de países estrangeiros, em protesto, deixaram o plenário.

 Inseguras, as autoridades brasileiras vão se reunir na semana que vem com os chefes de Estado dos nove países da região para definir uma linha de atuação comum a ser anunciada, provavelmente, na abertura dos debates, que reunirá representantes de 193 países.

Este ano, dirigentes ambientalistas brasileiros, encastelados em algumas Ongs, vivendo do dinheiro público e doações internacionais, perderam-se no enfrentamento aos impulsos insultuosos do atual presidente do Brasil. No seu estilo, Bolsonaro negou veracidade as informações do INPE de que as queimadas teriam tido um aumentado de até 80% em agosto. Acusou o instituto de dramatizar a questão para obter mais recursos externos. O Presidente não conseguiu negar, entretanto, que a “Amazonia is burning”, conforme registros feitos pela mídia mundial.

Como questão, as queimadas na Amazônia apresentariam três variáveis independentes. Uma, em que o capital empreendedor torce para o fracasso brasileiro na repressão ao desmatamento na região, para poder explorar livremente a madeira, a borracha, a castanha, os minerais raros, a energia e até de espécies vegetais nativas. A fragilidade da fiscalização do Ibama é elevada. Outra corrente quer a região preservada por acreditar na contribuição do bioma para a estabilidade climática no planeta, e a elevam, unilateralmente, à condição de “bem comum da humanidade”.

Afinal, são quase 5 milhões de quilômetros quadrados de floresta em pé, 1/3 da água doce do planeta, 1/3 da diversidade biológica do mundo e uma quantidade altíssima de gás carbônico liberado na atmosfera sendo absorvido por ela.  Dentro da Amazônia Legal brasileira cabem 40 países europeus, a maioria com políticas de reposição florestal ambíguas.

A declaração recente do presidente da França, Emannuel Macron, de que o Brasil é uma espécie de “depositário fiel” desse patrimônio, não é uma simples resposta às declarações de Bolsonaro. É a reafirmação do pensamento de outro (ex) presidente francês, François Miterrand, feita  há vinte anos , quando diante de um quadro de queimadas similar ao de hoje , na esteira da Conferência Mundial de Meio Ambiente de 1992, no Rio de Janeiro, afirmou que a Amazônia não era muito bem um território brasileiro ou latino-americano, mas um  “patrimônio mundial da humanidade”.

Desde aquele momento tramita na ONU um documento específico institucionalizando a região como uma “Reserva da Biosfera”, categoria cientificamente genérica, amparada nos espaços da política, e regida hoje por um Estatuto, elaborado por um grupo de países ligados à UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação , a Cultura e o Meio Ambiente, com sede em Paris, e representação no Brasil.

O G7 – às vezes G8 ou G9 –corre por fora. Tenta agir como uma organização supranacional. É constituído pelos países mais industrializados, considerados, portanto, mais poderosos do mundo: EUA, Reino Unido, Japão, Alemanha, França, Itália, Canadá, e a União Europeia. Reúne-se, vez por outra, para indicar a direção do processo civilizatório. Comporta-se como se estivesse acima da soberania de todos os países e dos organismos internacionais comuns.  Ficam fora a Rússia, por causa da invasão da Criméia, e a China, pela recusa ao cumprimento de regras comerciais e por ser um grande poluidor.

Em relação ao Brasil, diante das queimadas e do desmatamento na Amazônia, o G7 instituiu há mais de vinte anos, um Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), compromissando-se a destinar US$ 20 bilhões, num determinado período (10 a 30 anos), para a recuperação de áreas desmatadas e o controle das queimadas. Estendia-se a outros países, mas o Brasil teve prioridade por deter 80% da Amazônia, e a questão do desmatamento ser considerada grave.

… o presidente do Brasil gera uma discussão insólita com os franceses que, por sua vez, agem como se fossem os controladores do G7. Com o espírito colonialista ainda vivo, questionam a soberania brasileira sobre a região. Bolsonaro recusa as doações estrangeiras condicionadas.

Para gerenciar o problema, foi criada uma Secretaria da Amazônia, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com o dinheiro do exterior fluindo, entretanto, por meio de um escritório do Banco Mundial, instalado em Brasília, e controlado por consultores estrangeiros. O pessoal de gestão era contratado via PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – que opera no mundo inteiro selecionando e contratando profissionais e empresas para administrar as doações públicas internacionais.

Formulou-se um Projeto de Zoneamento-Ecológico-Econômico (ZEE) para a Amazônia. Este se superpunha às prioridades dos governos estaduais. O aporte de recursos para o programa de combate ao desmatamento e às queimadas, bateu de frente com o chamado PREVFOGO, administrado, dentro do próprio MMA, pelo IBAMA. Outra parte do dinheiro foi espalhado para Ongs em toda a região, beneficiando centenas de pequenos projetos extrativistas, inclusive em áreas indígenas, tidos como sustentáveis . Chegou-se a defender o aporte de recursos para um Instituto de Biotecnologia na região.

O orçamento da Secretaria competia com o do ministério. Os maiores e mais regulares contribuintes eram a Alemanha, a Inglaterra, Japão e os EUA. Os franceses nem tanto, e o Brasil claudicava na sua contribuição. O Programa ganhou adesões de países como a Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda e até de empresas privadas multinacionais, na esteira dos tais negócios de “créditos de carbono”: poluía-se ou desmatava-se no país de origem e comprava, para imobilizar, partes da floresta tropical. Internamente, a questão começou a causar ciúmes políticos, de tal forma que chegou a ser estendido para o turismo municipal regional, para áreas de Mata Atlântica e outros, desviando-se da proposta original.

Era um apoio, de fato, meio estranho, embora os secretários fossem brasileiros natos e pessoas bem avaliadas por suas qualidades acadêmicas e experiências administrativas. O uso do dinheiro e as contradições geradas passaram a levantar a desconfiança dos países doadores e, ao mesmo tempo, dos governadores estaduais. Mudou o Governo, a Secretaria da Amazônia foi extinta, e suas responsabilidades incorporadas ao Ministério, com a criação do Fundo Amazônico. Caberia a ele captar, aplicar e fiscalizar a aplicação dos recursos externos na região. Estava sempre carente, e os doadores, não necessariamente, ligados ao G7 – Noruega, por exemplo – passaram a tergiversar na liberação dos recursos. A França não ficou a atrás.

Agora, no momento da liberação de recursos novos, por alguns países, para o combate às queimadas, o presidente do Brasil gera uma discussão insólita com os franceses que, por sua vez, agem como se fossem os controladores do G7. Com o espírito colonialista ainda vivo, questionam a soberania brasileira sobre a região. Bolsonaro recusa as doações estrangeiras condicionadas. Os governadores amazônicos querem. A discussão oculta e confunde o nacionalismo barato que vai na contramão de um projeto internacional de controle das mudanças climáticas, e que, em dado momento da história contemporânea,   pode surgir mesmo  com uma proposta de gestão mundial e unificada  do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), na expectativa, de alguns,  assumir a gestão e a proteção das águas, do ar e dos recursos naturais do planeta.

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Aylê-Salassié F. Quintão*Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília

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