Zero de Visão. Por Hélio Schwartsman
ZERO DE VISÃO
HELIO SCHWARTSMAN
Retirada de radares nas estradas vai na contramão do que fez a Suécia para reduzir mortes
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S.PAULO, COLUNA DO AUTOR, PG 2, 16 DE AGOSTO DE 2019
França, 2002. Chocado com um acidente automobilístico que matara cinco bombeiros, o então presidente Jacques Chirac aproveitou o tradicional discurso do Dia da Bastilha para declarar guerra às mortes no trânsito. A França detinha à época o título de país com as estradas mais perigosas da Europa. Seguiu-se um programa de instalação de radares de velocidade que contribuiu para poupar mais de 16 mil vidas entre 2003 e 2010.
O grito de guerra presidencial foi a forma como a França aderiu à mudança de paradigma sobre segurança no trânsito que vem ocorrendo em boa parte dos países desenvolvidos. A pioneira foi a Suécia, e lá a iniciativa ganhou o nome de Visão Zero, uma referência ao objetivo de zerar as mortes em acidentes automobilísticos.
A ideia dos suecos, lançada no final dos anos 90, é a de que é preciso abandonar a noção utilitarista de que existe um trade-off entre mobilidade e custos, orientado por um valor monetário que os técnicos atribuem à vida humana, e adotar o princípio de que qualquer morte no trânsito é eticamente inaceitável.
O Visão Zero admite que acidentes são inevitáveis, mas julga ser possível criar um ambiente em que eles não matem nem deixem feridos graves. Um dos pontos nevrálgicos do sistema é assegurar velocidades compatíveis com o perfil de cada via. Naquelas em que há conflitos entre pedestres e motoristas o limite deve ser de 30 km/h, já que mais do que isso é, na eventualidade de choque, garantia de ossos quebrados.
A meta do programa talvez seja inexequível, mas o fato é que, enquanto os suecos a perseguem, reduziram as mortes de 6 para cada 100 mil habitantes em 1997 para menos de três hoje. Por aqui, a taxa é de 23,4.
Brasil, 2019. Incomodado em ter de pagar multas por excesso de velocidade, o presidente Jair Bolsonaro mandou tirar todos os radares móveis de todas as rodovias federais.
É o Brasil aderindo ao Zero de Visão.
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Hélio Schwartsman – Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.