A torto e a direita. Por Marli Gonçalves
A TORTO E A DIREITA
MARLI GONÇALVES
A boca abre e dela só saem impropérios, ataques, frases incompletas, palavras comidas, plurais despedaçados, uma visão de mundo desconectada. Os olhos – ah, os olhos! – o olhar seco, não direto, dispersivo, escorregadio, a testa comprimida. Como se não tivesse compromisso com nada, ninguém, responsabilidade. Como se tudo fosse uma grande brincadeira. E não é.
A torto e a direito, direita, como se não houvesse amanhã, ontem, o presente. Se ninguém pergunta, ele responde, fala o que estava querendo falar, se é que se pode chamar de falar. Se perguntam ou pedem explicações, ele fecha a cara, interrompe a conversa, depois ataca quem perguntou. Se ninguém lhe dá atenção, sem problemas, ou ele ou seus filhos escrevem tuites atrapalhados, ou mesmo gravam os tais “lives” toscos, ao lado de uma entusiasmada tradutora de libras e agora sempre com um ministro vítima ao lado, que deve acenar a cabeça positivamente de dez em dez segundos.
O grande Ruy Castro propôs em sua crônica que a gente pode imaginar que se ele já faz tudo isso em público que imaginássemos em seu trono particular.
Só a ideia já dá para ter pesadelos seguidos por um mês. Eu já imaginei ele lá, sentado, com um espelho na frente, puxando o topete liso recém cortado e cultivado cuidadosamente (conte quantos barbeiros já o viram sentados em suas cadeiras desde que o rompante eleitoral ocorreu), ensaiando qual será a barbaridade que dirá ou fará no decorrer do dia. Adora “causar”; digo até que se daria bem no meio que parece detestar, LGBT, o povo que também adora causar, mas que antes de tudo o detesta com todas as forças.
No começo, era o folclore. O amadorismo em um cargo tão importante, já que nada de importante havia em seu currículo de dezenas de anos pela política, sempre muito ali por baixo do clero uns três palmos. Depois, o júbilo pela derrota do dragão PT, a sobrevivência à facada, a formação do governo que incluiu de cara o Posto Ipiranga, o Super Homem juiz, o astronauta. Nossa!, boquiabertos, começamos então a ver chegar os outros, a mulher que veste rosa, o diplomata que de diplomata mesmo não tem nada e que fala em soquinhos uma língua muito estranha, parece que aprendida lá fora com um guru, siderado, astrólogo que diz conhecer aspectos planetários e que a Terra é plana.
Mas ainda pensando nele no tal trono particular, veio a ideia de que a porta está aberta e ali entram os Filhos do Capitão, as caricaturas saídas dos quadrinhos de terror. Então, ensaiam. Papai isso, papai aquilo, papai me dá, papai deixa eu. Papai, essa imprensa está me tratando mal; papai, quero ir pros Estados Unidos. A primeira dama? Onde anda? O que faz? Quem lhe dá alguma atenção? Aliás, como é mesmo o nome dela? Sumida.
Mulher não dá palpite. Ministros, por ele, em todos os Poderes, esses deveriam ser todos terrivelmente evangélicos sabe-se lá para o quê. Tá oquei?
Tinha um vice que falava, mas anda quieto, calado. Tem até gente boa por ali, mas que parece tentar trabalhar por fora para não se queimar.
Obviamente também temos muitos generais aflitos. Pelo menos deveriam estar.
Mas está acabando a brincadeira e o nosso humor esgota. A coisa está tomando volume, ficando muito mais séria. As declarações já não são só as inofensivas, bobas, desembestadas. As afirmações, como a última, a torto e direito como sempre, de que é direita e assim fará enviesando tudo para esse lado, requer atenção.
Dizem que faz tudo isso só para juntar sua turma dos 30% que ainda lhe resta. Dai a gente pergunta se esses 30% não pensam, não entendem, só surgem para atacar, não compreendem nossas aflições nem argumentos e informações, por onde andam os 70% restantes? O que fazem? Quando se reunirão? Como se organizarão?
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Lançamento oficial 20 de agosto, terça-feira, a partir das 19 horas na Livraria da Vila, Alameda Lorena, São Paulo, SP. Já à venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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Prezada. Concordo com tudo. Que bom que tem gente na imprensa que não baba ovo pra esse energúmeno e sua (consanguínea ou simbólica) descendência raivosa. Vale relembrar, porém, que os 70% restantes da população, assim como aqueles 70% que invadiram as ruas e mandaram dona Dilma pra casa (azar dos netos), são como carvão seco: dependem da faísca, e faíscas são coisa rara atualmente. Repare que mesmo a ‘oposição’ parece ter-se esquecido de como girar a rodinha do isqueiro. Nosso problema, no entanto, é maior do que parece: além de tão estúpida quanto a situação, e provavelmente ainda mais suja que esta, essa ‘oposição’ (que reúne num time só desonestos e idiotas) não parece muito disposta a abrir o bico – seja por não saber o que dizer, seja exatamente por saber… mas não poder. Em suma: dependemos de nós mesmos. E, é claro, dependemos da imprensa. Que deus nos acuda!
Em tempo. Rir é melhor que chorar. Não resolve nada, mas pelo menos nos devolve um direito que o capitão ainda não nos subtraiu, o de rir dele. Chorar por causa do coisa-ruim, convenhamos, a gente já faz todo dia.
Quem ainda não conferiu, vale a pena conferir:
(https://gshow.globo.com/programas/zorra/2019/noticia/balanco-dos-seis-meses-traz-live-comemorativa-ao-1o-semestre-do-mandato-presidencial.ghtml)
obrigada!bj