Verdades e Mentiras. Por José Paulo Cavalcanti Filho
VERDADES E MENTIRAS
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
Na filosofia, temos verdades da razão, em que seus opostos são impossíveis. E, diferentes, verdades de fato, que admitem opostos. Como as de opinião. Comparando, pode-se dizer que as da razão acabam sendo necessárias. Ao contrário, por contingentes, das de fato. Por se referir não ao que é, mas ao que muda. Por oscilar, entre o ser e o não ser.
Esse caso do Intercept começa, e acaba, com gravações ilegais. E não comprováveis. Que podem trazer verdades, até. Ou, também, mentiras absolutas. O que faz lembrar o filósofo italiano Umberto Galimberti, para quem “o símbolo do herói moderno deveria ser Ulisses” (Il Gioco delle Opinioni). Não o brasileiro, Ulisses Guimarães, que conduziu a resistência democrática ao golpe de 1964. Ou o Ulisses de Joyce, que nem se chamava Ulisses. E eram dois. Com o romance relatando um dia (16.06.1904) nas vidas de Leopoldo Bloom e Stephen Dedalus, em Dublin. Para Galimberti, seria o Ulisses grego. Rei de Ítaca. Por sua invenção do cavalo de Tróia. Em cujo ventre soldados teriam se escondido, para abrir as portas da cidade. Porque esse Ulisses seria portador dos valores básicos que se espera das sociedades modernas, mentira e astúcia. Retraduzindo essas palavras, para dar-lhes mínimos de dignidade, astúcia passaria a ser a capacidade de encontrar o ponto de equilíbrio entre forças contrárias. E, mentir, habitar a distância que separa aparência e realidade. Com Ulisses, inaugura-se a dupla consciência da realidade e sua máscara.
… Mentir, no sentido de esconder a realidade, é a marca do Brasil de hoje. A das certezas inventadas. A da banalização da esperteza. A da mentira utilitária.
Na filosofia, temos verdades da razão, em que seus opostos são impossíveis. E, diferentes, verdades de fato, que admitem opostos. Como as de opinião. Comparando, pode-se dizer que as da razão acabam sendo necessárias. Ao contrário, por contingentes, das de fato. Por se referir não ao que é, mas ao que muda. Por oscilar, entre o ser e o não ser. Nem sempre é fácil separar as duas. Lewis Carrol, em carta a Mark MacDonald, dá bom conselho: “Não esteja tão certo de crer em tudo que lhe contam… Se você se esforçar para crer em tudo, vai acabar sendo incapaz de acreditar nas verdades mais simples”.
É um caminho. Mentir, no sentido de esconder a realidade, é a marca do Brasil de hoje. A das certezas inventadas. A da banalização da esperteza. A da mentira utilitária. Todos sabem que as gravações são ilegais. Que tudo pode ser mentira. E não estão nem aí. Só porque convém. A inquisição no Senado, semana passada, foi um espetáculo deprimente. Com falsos moralistas, processados, e réus, fingindo ser pessoas de bem.
[DONA ELZITA. Com essa mãe, que chorou seu filho, se vai um pedaço negro da história do Brasil. Perda imensa. Não a conheci. Mas, em palavras de Cortazar (Graffiti), “a mim também me dói”.]
__________________
José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
jp@jpc.com.br