A ordem é cumprir ordens. Coluna Carlos Brickmann
A ORDEM É CUMPRIR ORDENS
COLUNA CARLOS BRICKMANN
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 12 DE JUNHO DE 2019
O ministro Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol podem superar os problemas ou ser superados por eles. Mas a publicação, pelo Intercept, de diálogos entre Moro e procuradores, coloca todo o Governo em má situação. A reforma da Previdência vai passar pelo Congresso, sem ser muito desfigurada. Mas outras iniciativas do Governo (como a Lei Anticrime, do ministro Sergio Moro) só passam se o Centrão, com seus duzentos e poucos votos, concordar. E negociar com o Centrão exige não só muito tempo como sólidos e abundantes argumentos, de dar enjoo ao ministro Paulo Guedes.
Mesmo antes das informações publicadas pelo Intercept (que devem ser verdadeiras, já que nem Moro nem Dallagnol as desmentiram), o Centrão já havia mostrado sua força. O COAF, que passaria ao comando de Moro, ficou na Economia; as emendas parlamentares, que o Governo podia ignorar numa boa, são agora obrigatórias. A medida provisória que garante R$ 248 bilhões a mais ao Governo para que suas atividades não sejam paralisadas só passou pelas comissões no último dia, mesmo com Bolsonaro avisando que teria de parar de pagar aposentadorias e pensões. E não há em Brasília quem acredite que a facilidade para posse e porte de armas, as medidas que aumentam o risco e as consequências de acidentes de trânsito e a Lei Anticrime passem sem onerosas discussões com o Centrão.
Mesmo que as conversas transcritas não indiquem culpa, já serviram para colocar o Governo em dificuldades.
A regra do jogo
Que ninguém se iluda, pensando que as transcrições já divulgadas do Intercept tenham esgotado o assunto. Em reportagens desse tipo, publica-se apenas parte das informações disponíveis. Aguarda-se a reação de quem foi atingido. Aí vem a segunda parte, buscando desmoralizar os desmentidos. E pode haver uma terceira parte, por que não? A simples iniciativa petista de divulgar essa reportagem pouco antes de um julgamento que poderia libertar Lula (ou até anular suas condenações, objetivo que buscam) já criou todo um tumulto.
Se Moro e Dallagnol pisarem em falso, poderão sofrer muito mais.
Culpado ou inocente?
Este colunista ouviu advogados de várias tendências. Há quem diga que nas conversas não há nada anormal; há quem diga que o juiz não poderia ter contato tão próximo com um dos lados do julgamento. Se a questão chegar ao STF, considerando-se que vários ministros discordam das posições de Moro, pode ocorrer a suprema inversão: Lula livre e Moro punido – a menos que haja forte mobilização popular em favor do ministro e contra Lula.
Questão de opinião
Pelas conversas até agora divulgadas, provavelmente a questão de quem é o culpado será resolvida por interpretação, da qual muitos irão divergir. Só que isso também depende do que acontecerá de agora em diante. Desmerecer Glenn Greenwald por ser homossexual, casado com um parlamentar do PSOL, é um erro, e não apenas por achar que a opção sexual o desqualifica.
Júlio César, o grande general romano, dizia-se “mulher de todos os maridos e marido de todas as mulheres”. Alcibíades, o general ateniense que, ao mudar de lado, ajudou a definir a vitória de Esparta na Guerra do Peloponeso, foi amante de Sócrates. Greenwald sabe como divulgar as coisas: trabalhou com Edward Snowden, hoje asilado na Rússia, que divulgou informações a respeito dos programas de monitoramento de opinião do Governo americano, é próximo de Julian Assange, conhece o jogo. Querer expulsá-lo é burrice, é levar para o mundo inteiro uma questão que hoje fica por aqui. Que tentem vencê-lo no campo das ideias. É a única vitória definitiva.
Sabe mais
Greenwald, há muito tempo no Brasil, sabe também que Bolsonaro, sem base parlamentar própria, é quase um refém do Centrão. Derrotar Bolsonaro, popular, com uma legião de fãs que beiram o fanatismo, é impossível. Mas é possível prejudicar muito o seu Governo entregando-o amarrado ao Centrão.
Qual é a fonte?
Aqui está uma questão intrigante: de onde saíram as transcrições? Dizem que Moro e Dallagnol tiveram os telefones interceptados (“hackeados”), mas o aplicativo Telegram afirma que não houve violação do sigilo. O Telegram tem sede em Dubai e seu principal acionista é russo. Pode estar mentindo. E pode não estar.
É bom lembrar que, sempre que se aproxima a reforma da Previdência, que incomoda altos funcionários, acontece alguma coisa que a impede. Da última vez, foi a divulgação da conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer (a propósito, vale ler Traidores da Pátria, livro de Cláudio Tognolli, pela Editora Matrix, sobre os irmãos Batista). Digamos que algum alto funcionário insatisfeito tenha tido acesso às mensagens e se tenha interessado em utilizá-las para dinamitar o atual projeto de reforma. Nada é impossível. Só que agora não vai funcionar: o Centrão, coordenado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está comprometido com ela.
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Esse hacker Glenn de tal, daqui à pouco vai espionar a Bolsa de Valores, a ANAC, etc. Isso não é contra a segurança nacional, ou é folclore tupiniquim ?
A aprovação definitiva dessa bendita Reforma da Previdência, ainda que destrua as expectativas de aposentadoria de legiões de coitados com 20 anos de carteira assinada, terá certamente um grandíssimo mérito: acabar de vez com essa ideia de que tudo que acontece no Brasil decorre dos interesses de funcionários públicos privilegiados, que tudo podem e tudo fazem. Em poucas palavras, isso é uma miragem. Delírio coletivo. Advém de nossa capacidade – e desejo – de acreditar em óvnis, e aponta para nosso desconhecimento de como as entranhas da burocracia de Estado funciona, com suas idiossincrasias, limites de ação, heterogeneidades e conflitos intrínsecos. Acreditar nesse suposto superpoder implica crer que alguns funcionários bem pagos espalhados pelo país podem, num estalo de dedos, destruir carreiras de ex-juízes superstars, abalar procuradores tornados ídolos, moer Presidentes da República, embaralhar as posições de Ministros do STF, libertar presidiários moribundos, desfazer a letra da lei, mudar eleições, manipular decisões no primeiro escalão; enfim, fazer e refazer um novo e bem moldado Brasil a cada nova investida do legítimo interesse público contra seus interesses – esses, indevidos. Não demora muito, e alguém inda dirá que a Selic é decidida por eles – o Banco Central é só uma fachada. Mas, afinal, por que tudo isso? Lutar pela mamata dos outros? Gente assim tão importante na máquina do governo não está ali há meses. Frequenta o poder há décadas e provavelmente já tem tempo de sobra para requerer sua aposentadoria milionária, garantida por lei, e descansar em paz sob a sombra das palmeiras que ornamentam os jardins de suas mansões. Por que se preocupariam tanto com a Previdência dos outros? Será que o corporativismo dessa turma chegou a esse ponto, e esses superbarnabés agora se dão ao luxo de pôr todas as suas engrenagens em marcha apenas para provar que constituem uma linhagem tão especial que precisa permanecer pela eternidade? Em suma, crer que há no funcionalismo federal gente com tanto poder é bobagem. No conjunto – não apenas alguns -, é claro que funcionários públicos não querem reforma alguma, mas o problema, o problema deles, é outro: simplesmente não têm tanto poder assim! Chega de criar fantasmas. Funcionário público que fuçou – e vazou! – comunicação entre Ministro de Estado e Procurador da República, se existir, está com os dias contados. Os tempos são outros, gente! Ninguém precisa mais de agentes duplos escondidos sob as frestas. Hoje, todo cuidado é pouco porque os instrumentos já não são os mesmos de antigamente, quando a Gerra Fria deu a todos o direito de desconfiar do vizinho e bolar teorias conspiratórias fantásticas. Hackeados, todos nós já fomos um dia, saibamos ou não. Quem não se cuida com seus celulares, computadores e congêneres, está exposto à luz – e à sombra – da tecnologia. E quem se cuida, também.
E, sim, podem ser boas ou ruins (e as julgamos boas ou ruins segundo nossos interesses), mas coincidências existem.