O monstro da burocracia. Por José Paulo Cavalcanti Filho
O MONSTRO DA BUROCRACIA
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
É preciso repensar a gestão pública no Brasil. A própria forma de administrar nossos recursos. O que não tem a ver diretamente com ideologias. Só que isso esbarra no descompromisso endêmico das corporações para com o indeterminado cidadão comum. Numa cultura cartorial que vem desde a colonização. Está no sangue…
Os estados utilizaram, entre 2001 e 2018, apenas 49,4% dos recursos federais (FUNPEN) disponíveis para construir penitenciárias. Enquanto presos continuam se amontoando, uns sobre os outros, como se fossem bichos. Ou lixo. Em Pernambuco, só um exemplo, a Barreto Campelo, com 400 vagas, hospeda mais de 1.700 almas penadas. Culpa da burocracia. Um pecado que nem é recente.
Ministério da Justiça, 1985. “Sinto o tempo como uma dor enorme”, escreveu Pessoa (no Desassossego). Quis saber por que os financiamentos da Caixa Econômica, para construir presídios, não conseguiam ser assinados. O DEPEN descobriu serem necessários 68 carimbos, antes de aprovar cada projeto. Comentei esse estudo com o Embaixador do Japão, que me visitava. Ele disse que, no seu país, eram necessários apenas três. Primeiro, é um bom projeto? Segundo, o preço está certo? Terceiro, há demanda social para ele? Tentei imaginar um quarto que fosse necessário e não consegui. Três carimbos, no Japão. E 68, no Brasil. Fui ao Presidente da Caixa e relatei o diálogo. Prometeu resolver. Um mês depois, me procurou. A cultura da instituição não aceitava grandes simplificações. Resumindo, permaneceram 25. E a via crucis continuou, apenas um pouquinho menor.
… Talvez a máquina estatal seja mesmo invencível.
Anos depois, em reunião do CNPQ (Silvio Meira é testemunha), uma diretoria do Ministério da Ciência e Tecnologia pedia para triplicar o número de funcionários, sob pena de retardar o exame dos projetos. Lembrei daquela história e perguntei quantos carimbos eles exigiam, por processo. A resposta foi 24. Sugeri, então, escolher apenas oito questões. As mais importantes. Não seria preciso contratar ninguém. E a velocidade, no exame dos casos, aumentaria. Palavras ao vento. Que nem o presidente do órgão, nem seus funcionários, admitiram sequer discutir o assunto. Difícil de acreditar.
É preciso repensar a gestão pública no Brasil. A própria forma de administrar nossos recursos. O que não tem a ver diretamente com ideologias. Só que isso esbarra no descompromisso endêmico das corporações para com o indeterminado cidadão comum. Numa cultura cartorial que vem desde a colonização. Está no sangue. Talvez a máquina estatal seja mesmo invencível. Como o Leviatã de Hobbes, evocando o terrível monstro marinho da Bíblia. Ou quem sabe não. É hora de tirar a prova. Se esse governo tiver disposição para tanto. Vamos rezar.