Velhacos e doentes tem conduzido as décadas perdidas. Por Aylê-Salassié Quintão
… Ora, quem colocou o capitão na Presidência da República foi a sabedoria hermenêutica da Oposição, essa que gosta de trabalhar pouco e falar muito, confundindo a população com fluidos utópicos e mentiras escandalosas. Termina sempre avançando sobre os cofres públicos, como os velhacos que exploram politicamente as carências da população e a fragilidade do Estado, amparados pelos Triatoma bacalaureatus também corporativizados…
– Não é priguiça, é uma dor na “carcunda”, parpitação, uma cansera que num tem fim.
É por esse caminho que um grande número de candidatos a cargos políticos alimenta a expectativa de navegar tranquilos pelas eleições, tentando assegurar vagas nos Governos, e empregos para os aparentados e amigos. Uma nota de R$50,00 aqui, outra de R$100,00 ali, um óculos para o chefe da família, uma dentadura para a dona de casa e uma distribuição ampla de purgantes.
Esse comportamento anômalo já no início do século passado não desapareceu ainda. O interior de Minas e de São Paulo está cheio dos Jeca Tatu e o Nordeste desse tipo de gabiru. Por ali o homem brasileiro (o eleitor) é visto ainda, pelos políticos, como um caipira, abandonado, doente, atrasado nos costumes, quase analfabeto e carente.
Se vivesse hoje, Monteiro Lobato advertiria: O Brasil mudou muito.
Responderia: Não na velocidade e qualidade de vida exigidas pelas atuais gerações. A olhos vistos, agravaram-se os desequilíbrios sociais e regionais, o que retrata a presença ainda da batuta de uma variedade de interesses privados e de uma explícita permanência da troca histórica de favores entre as elites, cada uma, a seu tempo, alternando-se no Poder do Estado. Embora evite-se discutir a necessidade da competência da gestão da coisa pública, a omissão tem sido a responsável pelo sobrevivência regime republicano com essa cara acomodada que o vemos hoje.
Políticos focados ainda no gabiru e no Jeca Tatu, precisam estar, contudo, atentos à espiral do silêncio, aquele comportamento inesperado que elegeu Bolsonaro (e outros) Presidente da República, um capitão, aposentado precocemente por indisciplina das forças armadas, e que, usa uma linguagem pouco comum para um chefe de Estado, ofendendo diariamente seus desafetos imaginários, desprezando correligionários, mentindo numa provocação às desconfianças sobre as suas condições para dirigir o País. Tudo isso o desqualificaria. Mas a lei é clara quanto à soberania popular, ao exercício de votar e ser votado (CEF arts. 1º, parágrafo único, 14, caput), sobre os direitos do cidadão de ser candidato a qualquer cargo eletivo. E as incompatibilidades?! Cada um interpreta convenientemente, até no Supremo.
Ora, quem colocou o capitão na Presidência da República foi a sabedoria hermenêutica da Oposição, essa que gosta de trabalhar pouco e falar muito, confundindo a população com fluidos utópicos e mentiras escandalosas. Termina sempre avançando sobre os cofres públicos, como os velhacos que exploram politicamente as carências da população e a fragilidade do Estado, amparados pelos Triatoma bacalaureatus também corporativizados.
Na maior “cara de pau”, manipula-se a política e os partidos de cima para baixo; empurram o Estado, em rituais burocráticos e canalizam recursos supostamente abundantes, de um lado para o outro, seduzindo legisladores. Por meio dessa milícia, desqualificam as atividades judiciárias. Avançam e retrocedem em campos ideológicos que parecem desconhecer. Alguns não tem mais volta. Foi uma questão de “time”, de oportunidade. Os velhacos – e não propriamente o povo – são os responsáveis pelas nossas sucessivas décadas perdidas.
Nesse quadro é visível a dificuldade de alguns para governar. Os mais espertos entregam a gestão das políticas públicas aos ministros e assessores, supostos expertises. Os cargos de assessoria transformaram-se em empregos, sem concurso. O PT loteou a máquina do Estado com os tais DAs (militantes). Foi um desastre administrativo. Ora, a máquina tem sua própria dinâmica e alterá-la é complicado. Outros confundem a gestão pública com as administrações privadas de onde vieram. E há os que não foram gestores de nada, só sabem fazer política e, sobretudo, politicagem (barganhar). Tivemos vários chefes de Estado com esse perfil.
Ao falar sobre incompatibilidades, e particularizo o caso dos candidatos à Presidência da República, a lei precisa exigir dos candidatos o conhecimento da máquina pública e o seu funcionamento. Saber a função de um BNDES, de um Banco do Brasil, de uma Caixa Econômica, de uma Petrobras bem como ter condições de relacionar-se com os outros Poderes, sobretudo o Congresso. Visões estrábicas levam, aos seguidos desmantelamentos da do Estado quando, ao primeiro canto do galo, propõem-se reformas administrativas absurdas como a que fez Collor de Mello, reduzindo tudo a 11 ministérios; e, contrariamente, o governo Dilma que os elevou para 32. Bolsonaro reduziu para 22. Em qualquer dos casos, é impossível escapar da corrupção ativa e passiva, e da sabotagem mesmo do funcionalismo.
Para o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o eleitor – não só o gabiru e o Jeca Tatu – não tem noção dessas coisas. O cidadão quando vota não o faz pensando em um gestor competente, mas em um sujeito que se apresenta como fazedor de milagres para sonhos iguais aos seus e carismático o suficiente para assumir a chefia do Estado. O voto, de qualquer ângulo, parece ter um caráter milagreiro, já que ambos não conhecem os limites da máquina do Estado.
O número excessivo de partidos existentes no País é outro problema para uma reforma do sistema político brasileiro. “Não tem no mundo um país com 28 partidos no Congresso, porque não existem 28 posições ideológicas no espectro político. São agregados de interesses” – observa FHC, ponderando que o apoio a Bolsonaro mostra uma “sociedade inquieta” e assustada. Nossos políticos, por sua vez, são pessoas doentes, frustradas na vida privada. Diria que são mesmo os responsáveis pelas tais décadas perdidas. O Brasil continuará patinando e até retrocedendo na história, enquanto for governado por velhacos. A Lei precisa ser mais incisiva e a Justiça mais neutra para distinguir isso.
“Tens no sangue e nas tripas um jardim zológico da pior espécie. É essa bicharada que te faz papudo, feio e molengo e inerte. Só tens um remédio, o verdadeiro específico do amarelão”,
(Monteiro Lobato, em Urupês).
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília