A corrupção e a formação médica. Por Meraldo Zisman
A CORRUPÇÃO E A FORMAÇÃO MÉDICA
MERALDO ZISMAN
Fiz, dia desses, umas visitas internáuticas e fiquei chocado com o preço das mensalidades estratosféricas cobradas pelas escolas médicas particulares e soube – por ouvir dizer- que existem companhias turísticas especializadas em excursionar candidatos pretendentes a serem médicos pelos diversos locais deste subcontinente brasílico…
“Se eu fosse brasileiro, pensaria: ok, temos uma falha sistêmica, mas não acho que temos uma predisposição cultural para a corrupção. Há um sistema de monopólio econômico e decisório com pouca prestação de contas por parte do governo. É essa equação que precisa ser corrigida. Existem várias formas de fazê-lo: uma é fritando os peixes graúdos. É bom, mas não basta. Falta diagnosticar os sistemas corruptos e trabalhar com o setor privado para repará-los. E, finalmente, parar de só reclamar do que está errado e reconhecer o que está dando certo, para que sirva de exemplo”
(ROBERT KLITGAARD, um dos maiores especialistas em corrupção do mundo)”.
Para não sair da minha praia, que é a Medicina, os movimentos grevistas e confusos sobre a educação deveriam ser mais bem orientados e levar em conta, por exemplo, que o aumento do número de Escolas Médicas não resolverá o problema da assistência médica no Brasil. Digo isso por experiência própria, decorrente de mais de 60 anos de prática médica.
Graduei-me em Medicina em 1958. Não tendo as mínimas condições econômicas para cursar a então Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco, particular e naquele tempo paga, somente fiz vestibular para o curso de Medicina da Federal (como nós a chamávamos na época), pois era gratuita. Por sinal, ela nem federal era e sim dita federalizada. Estudei e muito ou como dizem os jovens de hoje: “ralei muito”
Com o advento, nos últimos anos, de universidades particulares em meu Estado de Pernambuco não saberia dizer o número de Escolas ou Faculdades de Medicina existentes.
Não sei onde foram buscar tantos professores capacitados para lecionar nesse número inflacionado de faculdades.
Fiz, dia desses, umas visitas internáuticas e fiquei chocado com o preço das mensalidades estratosféricas cobradas pelas escolas médicas particulares e soube – por ouvir dizer- que existem companhias turísticas especializadas em excursionar candidatos pretendentes a serem médicos pelos diversos locais deste subcontinente brasílico. Aproveitando os diferentes fusos horários, esses inúmeros vestibulares são estrategicamente marcados para evitar que suas datas coincidam.
Hoje não há mais dúvida de que inexistem leitos hospitalares suficientes para um atendimento humanizado, quanto mais para atender e ensinar os alunos dessas escolas médicas que teimam em existir, fazendo de conta que ensinam Medicina.
Voltando aos ditos cortes governamentais e outros penduricalhos midiáticos e pirotécnicos, pergunto: o que fazer com todas essas universidades particulares? Muitas das quais ocupando logradouros, avenidas, ruas residenciais, construídas ao Deus dará, embaralhando ainda mais o trânsito nas grandes e médias cidades brasileiras e criando verdadeiros enxames de comerciantes informais (camelôs) que vendem de tudo em volta dessas universidades. Inclusive drogas. Resta-me cantar “na contramão, aliviando o tráfego”.
…Os locais corretos para seu aprendizado são os hospitais, os ambulatórios, as salas de cirurgias, acompanhando tratamentos à beira do leito dos pacientes, além de um alunato bem orientado e supervisionado por professores com boa formação médica e didática. A instalação desse procedimento leva muito, muito tempo e exige muito dinheiro.
As tentativas e remendos dos assim graduados remetem-me a uma reportagem do Estadão (Estado de São Paulo) na página A.12/Metrópole/sexta-feira 23 de fevereiro de 2018 que mancheteia: RECÉM – FORMADOS FALHARAM EM DIAGNÓSTICOS BÁSICOS ( Cremesp – Conselho Regional Medicina de São Paulo) e segue:
“Observou-se o melhor resultado de novos médicos em 10 anos, mas a maioria não sabe analisar mamografias e falha no diagnóstico de diabetes”.
Apesar de tudo, segundo diz o Dr. Mario Scheffer, professor da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) em coluna ao lado dessa manchete:
“Passou a hora de se criar uma avaliação nacional… o exame do Cremesp é um instrumento confiável de avaliação do ensino médico, porém de alcance limitado, pois testa apenas os médicos que pretendem exercer a profissão no Estado de São Paulo…”
Discordo disso. Acredito, como professor de Medicina que testes de múltipla escolha e outras avaliações pouco confiáveis nunca poderão servir de régua (instrumento aferidor) para medir a capacidade profissional desses portadores de diploma de médico. Não através desse tipo de exame teórico”.
No meu tempo, a Medicina jamais seria considerada uma profissão que se pudesse ensinar apenas “com giz e cuspe” ou, agora, pela internet e outras novidades tecnológicas.
Os locais corretos para seu aprendizado são os hospitais, os ambulatórios, as salas de cirurgias, acompanhando tratamentos à beira do leito dos pacientes, além de um alunato bem orientado e supervisionado por professores com boa formação médica e didática. A instalação desse procedimento leva muito, muito tempo e exige muito dinheiro.
Em época em que tudo é medido pelo custo, gastos, desvios de verbas, corrupção, desonestidade, anomalias que grassam como maior frequência nos países subdesenvolvidos, são as Faculdades (Escolas) médicas as unidades mais dispendiosas da Universidade.
Nos países desenvolvidos as mais gastadoras são as de pesquisa básica: física e química.
Será que o problema é somente o dispêndio com as ditas Humanas?
Medicina e tudo mais que aprendemos, ensinamos, ou que denominamos de Cultura e Saber são de/para gente/pessoa. Mesmo as de agronomia ou veterinária.
(Releiam o que diz ROBERT KLITGAARD, se não me fiz compreender).
Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).