Quadrilhas que fazem leis. Por Edmilson Siqueira
QUADRILHAS QUE FAZEM LEIS
Edmilson Siqueira
…Nesse cenário, já promíscuo por natureza, vicejou a classe política que, até hoje, comanda o Brasil diretamente do Congresso Nacional. Claro que não são os mesmos fisicamente, mas a maneira de encarar o poder, de nele se aboletar e dele usufruir não mudou nada…
A coisa toda começou com a atual Constituição, promulgada em 1988. Chamada de “Cidadã”, na retórica esquerdista da época, referendada pelo MDB de Ulysses Guimarães, o amontoado de artigos e parágrafos se imiscuía na vida do cidadão de modo a torná-la quase que totalmente dependente do Estado. Essa dependência, com inúmeras obrigações para o governo sem que ele tivesse condições de arrecadar o suficiente para sustentá-las, fez com que o déficit, até então administrável, começasse a se agigantar, obrigando à criação de novos impostos.
Ao mesmo tempo, para cuidar de tantas obrigações, o governo foi inchando suas folhas de pagamento, enquanto não só mantinha (por motivos político-partidários) as deficitárias estatais, como criava outras sempre que surgia uma oportunidade ou uma necessidade de distribuir mais cargos para aliados e apadrinhados. O mesmo círculo vicioso se aplicava nos governos estaduais e municipais.
Nesse cenário, já promíscuo por natureza, vicejou a classe política que, até hoje, comanda o Brasil diretamente do Congresso Nacional. Claro que não são os mesmos fisicamente, mas a maneira de encarar o poder, de nele se aboletar e dele usufruir não mudou nada.
Para se manter cada vez mais forte e ter cada vez maiores ganhos financeiros, a classe política brasileira sempre mandou às favas os discursos que convenceram cidadãos a nela votar, para, em tomando posse, tratar de arrumar sua vida, de sua família e de amigos partidários, de modo a criar um pequeno feudo subvencionado por verbas estatais. Emendas parlamentares, indicação de correligionários para cargos em ministérios e estatais, empregos públicos para filhos, esposas, amantes etc. eram os meios usados para enriquecimento pessoal e perpetuação no poder. Corrupção total, para ser claro e direto.
…o Brasil é um país onde as próprias quadrilhas instaladas no poder fizeram as leis que servirão para julgamento de qualquer membro dessas quadrilhas que seja apanhado em flagrante delito.
Mas, para não serem incomodados, precisavam de leis. Leis e mais leis que foram engordando os códigos todos, a Constituição, as Medidas Provisórias, transformando o Brasil, ao longo dos anos, em um país onde um gigantesco cipoal de leis prevê toda e qualquer situação, seja ela administrativa, civil ou criminal. E, claro, prevê essas situações todas de mais de uma maneira, dando margem a inúmeras interpretações que ficarão sempre a cargo de juízes apadrinhados por políticos e mancomunados com advogados que sempre vencem as ações seja qual for o crime atribuído as seus milionários políticos-clientes.
Ou seja: o Brasil é um país onde as próprias quadrilhas instaladas no poder fizeram as leis que servirão para julgamento de qualquer membro dessas quadrilhas que seja apanhado em flagrante delito.
A Lava Jato com suas investigações rigorosas e consequentes punições a partir da confirmação da sentença em segunda instância, quebrou essa farra de décadas. Mas a reação veio forte. Depois de assimilar algumas punições (Lula, Cunha…) as quadrilhas se organizaram novamente e, diante de um governo novo, com uma base pequena e tímida, elas resolveram botar as manguinhas de fora para dominar a situação novamente.
As manobras de cerceamento da liberdade de expressão de Dias Toffoli na presidência do STF, as tendências de acabar com a prisão após julgamento em segunda instância e a blitz que o Congresso está fazendo contra Sérgio Moro não só para não aprovar os projetos de lei de combate ao crime organizado, mas para tirá-lo mesmo do governo, são os atos mais notórios das quadrilhas para barrar o desenvolvimento da política de punição a criminosos de todos os matizes que cresceu, a duras penas, nos últimos anos.
Se Jair Bolsonaro não agir contra essas ações, se continuar se perdendo em fofocas de grupos que lutam por parcelas de poder, se continuar com ministros errantes, se persistir em qualificar de inimigo quem não é, e não perceber os inimigos no seu quintal, dificilmente terá moral para aprovar as duas reformas essenciais – a de Sérgio Moro e a da Previdência de Paulo Guedes – e seu governo não terá capacidade alguma de deslanchar positivamente.
Vai descambar para o caos econômico, para a dependência total do Congresso e para a farra do crime organizado, tanto o de colarinho branco quanto o de fuzil na mão passeando nas favelas. E Bolsonaro se transformará numa espécie de Sarney, talvez sem a corrupção daquele, mas, com certeza, com um governo tão pífio e inútil quanto o do imperador do Maranhão.
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Edmilson Siqueira é jornalista