Ingênuos somos nós, que insistimos em ser os mesmos. Por Aylê-Salassiê Quintão
INGÊNUOS SOMOS NÓS, QUE INSISTIMOS EM SER OS MESMOS
Aylê-Salassiê Quintão
Uma explicação necessária aos amigos que questionaram a artigo “Bizarrices Perigosas”
A lei de Murphy é uma brincadeira séria: “Se algo tem de dar errado, então vai dar”. Não se trata do desejo de ninguém. É a natureza das coisas, a dialética da natureza.
Quando estava chegando a Brasília, em 1961-62, ouvi aquela notícia de que Jânio Quadros assinara decreto proibindo “brigas de galo”. Logo a seguir seriam nomeações para cargos públicos feitas pelo Presidente, por meio de ”bilhetinhos”. Agora, abro o Yahoo, e está lá: “ “Tomadas de três pinos e a urna eletrônica: são os novos “inimigos do Governo”, ou o Bolsonaro dando declarações de que “Meu filho – o palpiteiro – tem todas as condições de ser ministro”.
Entendo um país como um território soberano, reconhecido pela comunidade internacional, e que abriga uma população, configurada nas etnias, culturas, história, uma língua comum, uma Constituição, um sistema de Governo e práticas cotidianas moralmente aceitas por todos. Nesse cenário o chefe do Executivo é um estadista. Faço uma concessão, admitindo que, no caso de uma democracia parlamentar, o primeiro ministro seja o gestor das políticas públicas. Mas , na nossa República , o Presidente é chefe do Estado e, ao mesmo tempo, do Poder Executivo. Acumula funções de representação, mediação e de gestão dos interesses e carências da Nação.
…Não tem postura, nem formação suficiente para representar uma Nação. Ele foi eleito com 57 milhões de votos, mas não podemos esquecer que cerca de 80 milhões não votou nele: votou na Oposição, cancelou os votos, deixou os votos em branco, não compareceu às eleições. Também concordo que precisamos de ordem (para ter progresso); de estadistas, mas também de gente que saiba administrar uma coletividade
Desculpem. Devo ter algum problema ou carregar alguma culpa. Aprendi muitas coisas cobrindo todas as áreas de Governo: saúde, transportes, educação, índio, o Planalto, o Congresso, o Supremo. Com os militares tive problemas, embora tenha feito amizade com alguns, muito depois, já com eles na reserva. Alguns dos que corriam atrás de mim são meus vizinhos no Lago Norte. Mas, desfrutei da proximidade com pessoas altamente qualificadas – Mário Simonsen, Delfim Neto, Roberto Campos, Ernâne Galveas, Karlos Richbieter, Reis Veloso, Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, Jânio, Jango, Tancredo, Sarney, Itamar, Color, Ulysses e dezenas outros, que se destacavam também pela consciência e a responsabilidade que atribuíam aos cargos públicos para os quais tinham sido eleitos pela população, depois de campanhas acirradas.
Com alguns presidentes, líderes políticos, diplomatas nacionais e estrangeiros aprendi que há uma ordem, uma liturgia, uma referência, um simbologia e um ritual que legitimam cada sujeito que ocupa um cargo de ministro, presidente, governador, senador, etc.. Esses deixam de ser meros cidadãos contribuintes para integrarem o patronato da Nação. Para ser ministro, o Sergio Moro abandonou a carreira de juíz. Há todo o cerimonial e uma legislação aureolando, invisivelmente, a dignidade da função pública e do sujeito, quando no seu exercício. Durante a ocupação desses cargos, em tese, não tem mais “churrascadas”, “presidentes boêmios” ou “famílias intervindo nas decisões de Governo”. Frequências ou contatos públicos são todos monitorados. Eventos desse tipo são estranhos aos cargos, por isso noticiosos.
Então, se, comparativamente, tentamos, colocar Bolsonaro dentro desse perfil, vamos ver que ele se enquadraria em muito poucas coisas. Não tem postura, nem formação suficiente para representar uma Nação. Ele foi eleito com 57 milhões de votos, mas não podemos esquecer que cerca de 80 milhões não votou nele: votou na Oposição, cancelou os votos, deixou os votos em branco, não compareceu às eleições. Também concordo que precisamos de ordem (para ter progresso); de estadistas, mas também de gente que saiba administrar uma coletividade, sem resvalar nas visões de mundo dadas previamente pelas ideologias ou ideólogos. Não é fácil.
Para gerir a coisa pública votos não são tudo. Exige-se dos pleiteantes honestidade, competência, firmeza e coerência. Todos os candidatos a cargos de gestão de governo deveriam, no mínimo, serem submetidos, previamente, a exames de conhecimento, comportamentais e até psicológicos. Temos sido governados por egoístas, narcisistas, vacilantes e malucos. Ingênuos somos nós. Contemporizando, a única conclusão a que posso chegar – considero-a paliativa – é a de que o passado e meus preceptores na vida me ensinaram a chegar até aqui neste mundo, mas o mundo já não é o mesmo. É protótipo de uma mudança qualitativa, para o bem ou para o mal , que se processa rápido e que, infelizmente, não é dado a todos perceber de imediato. Posso até estar errado. Farei penitência. Se a igreja pode, eu também posso.
Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília.
Estadistas, postura, logo me vem a ideia o Grande Timoneiro Luiz Inácio e a pioneira, primeira mulher sapiens eleita presidenta.
Perfeita análise. Concordo plenamente. “Ingênuos somos nós”, insistimos em eleger gente tosca para cargos de tamanha importância. E não foi por falta de opção.