A Arte de viajar. Por José Paulo Cavalcanti Filho
A ARTE DE VIAJAR
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
… Viajar é mesmo bom, meus senhores. Fernando Pessoa (Soares, no Desassossego) escreveu: “Sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou”. O mesmo sentimento que nos toca, por vezes. Seja…
Lisboa é uma festa. Brasileiros passeiam por ela em bandos. Felizes. E fazendo barulho. Muito. Mais, talvez, do que deveriam. Sem mesmo perceber que, em cada cidade, existem duas. Uma feita por jardins, palácios, igrejas. A dos turistas. A de se ver. Carlos Pena Filho, o poeta do azul, até fala nela (em Olinda), ao lembrar: “Olinda é só para os olhos,/ Não se apalpa, é só desejo./ Ninguém diz: é lá que eu moro,/ Diz somente: é lá que eu vejo”. Sílvio Meira, gênio, faz observação interessante. A de haver dois tipos de museus. Os do passado, com história. E os do presente, que são os supermercados. Segundo Sílvio, basta entrar em um deles para saber como vive seu povo. Com toda razão. É que, por dentro das cidades dos cartões postais, vivem outras. Feitas dos que habitam suas ruas. Esta segunda cidade, perdão senhores, é bem mais encantadora. Porque é real. Tem alma. Tem calor humano.
Se andar pela Europa, e sobrar tempo, sugiro dar uma passada em Roma. Já sugerindo visitar a Biblioteca do Vaticano. Pena que, no lugar, sejam admitidos só pesquisadores. Com instalações suntuosas, em tudo se sente o peso das tradições. No setor de obras raras, em um bunker de concreto com portas de aço (dessas dos bancos), se pode ver o primeiro livro de culinária do Ocidente. Escrito por Apicius (dos três, o segundo), em 30 d.C. Consumindo 27 carneiros, para que fosse impresso. Ou a primeira capa da (divina) Comédia, de Dante. Feita por Botticelli. Bilhetes de da Vinci e Michelângelo, pintados sobre desenhos de igrejas e basílicas. E há, também, curiosidades. Como a de um hobbie secreto do Papa Paulo VI. Que era colecionar correspondências. Até do Brasil. Entre elas, carta da Princesa Isabel ao pai, Dom Pedro II, no dia em que libertou os escravos. Dando-lhe ciência da Lei Áurea e perguntando por sua saúde. Ou de Machado de Assis, Nabuco, Bandeira, Drummond. É que os padres, sabedores dessa ocupação tão trivial, acabavam providenciando tais autógrafos Só para lhe fazer feliz. Ser Papa tem lá suas vantagens.
Viajar é mesmo bom, meus senhores. Fernando Pessoa (Soares, no Desassossego) escreveu: “Sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou”. O mesmo sentimento que nos toca, por vezes. Seja.
No fim, só uma certeza. Viajar pode ser bom. Mas voltar é melhor. Muito melhor.
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José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
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