Bizarrices e caneladas. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*
Bizarrices e caneladas
Aylê-Salasssié Filgueiras Quintão*
As carências nacionais são grandes, e não serão resolvidas com bizarrices e caneladas ou medidas destinadas a atender interesses pontuais. As políticas públicas estão desorganizadas, com as fusões ministeriais. Algumas abandonadas…
O que vem por aí: “metralhas” ou “petralhas”? Com bullying ou sem ele, o certo é que sem plano de governo, sem habilidade no trato político, sem uma direção coerente e uma postura de estadista, o vacilante capitão Presidente não conseguirá aprovar, as reformas casuísticas da Previdência e da Justiça, como dificilmente chegará ao final do mandato.
As carências nacionais são grandes, e não serão resolvidas com bizarrices e caneladas ou medidas destinadas a atender interesses pontuais. As políticas públicas estão desorganizadas, com as fusões ministeriais. Algumas abandonadas. O desemprego sobe, os empresários vacilam ante as inconsistências da gestão da coisa pública. A ação parlamentar não parece ter interesse em dialogar: age, sistematicamente, no sentido de desconstruir e destruir, refletindo os interesses individuais ou partidários
Nos primeiros 100 dias de governo, Bolsonaro não ofereceu nada consistente em termos de projeto de Nação, nem de gestão de Estado. Viajou, fazendo acordos duvidosos, promovendo excentricidades discursivas ou dando pontapés desagradáveis e até altamente deselegantes, sobretudo partindo de um presidente da República. Governa como se estivesse tendo uma conversa com amigos e recrutas ao pé da churrasqueira.
Teremos golpe? Ninguém acredita. Mas o ambiente que está se formando parece propício a ascensão de mais um vice-presidente. “Não tenho vocação para Presidente”. Uma fala tão infeliz é recebida como uma auto declaração de indiferença. Gera desconfiança geral nos cidadãos, nos investidores e nas contrapartes estrangeiras. A base política desmorona-se e os aliados evadem. Dá a impressão de que governar é uma brincadeira. Bolsonaro dá mostras de não ter fôlego mesmo para os quatro anos de mandato. Como militar (da reserva), que diz ser sua vocação, já ficou no meio do caminho.
Nos primeiros 100 dias de governo, Bolsonaro não ofereceu nada consistente em termos de projeto de Nação, nem de gestão de Estado. Viajou, fazendo acordos duvidosos, promovendo excentricidades discursivas ou dando pontapés desagradáveis e até altamente deselegantes…
Ora, contados os dias, dos 130 anos de República, cinquenta o Brasil foi governado por vice-presidentes. Pelo menos, 11 deles ocuparam a chefia do Estado por mais de dois anos, para terminar mandados de presidentes impedidos por renúncia, cassação, golpe e até morte em pleno exercício do cargo.
Mas, a vida para os vices não é fácil. Sempre foram vistos de maneira emblemática. Tidos como uma pedra no sapato dos Presidentes e entraves ao processo de desenvolvimento e modernização. Não se aventuram a ter um plano próprio de governo para não assustar o chefe. Daí que, sem conhecer as intenções que os precedem, pegam tudo pela metade. No imaginário “bullyinesco”, tornam-se a caricatura de um urubu à espera da carniça. Quando chegam à Chefia do Estado estão destituídos, na imaginação popular, da liderança, da autoridade, do carisma do titular e da confiança do empresariado.
… Há quem acredite que Mourão não é mesmo de criar problemas. Mas, está cercado por um comitê de militares, eleitos ou nomeados democraticamente, cuja missão, insistentemente propagada, é fazer cumprir a Constituição…
Nunca é uma solução, senão mesmo uma “Pinguela”, como conceituou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nesses 130 anos, apenas dois vice-presidentes conseguiram dar uma volta por cima nas falsas virtudes do Poder: Floriano Peixoto (1891-1894) e Nilo Peçanha (1906-1909). Itamar Franco (1992-1995) deu institucionalidade ao Plano Cruzado, e desapareceu. Encontrei pessoalmente com ele andando nas ruas de Juiz de Fora.
O vice-presidente atual, general Hamilton Mourão, parece, portanto, à espreita. Expõe uma visão de mundo coerente, em palestras, entrevistas e audiências. Conhece bem o Brasil, e está presente em tempo integral na gestão do Estado. Como se num ensaio, nesses 100 dias do novo governo, já chegou à Presidência três ou quatro vezes, sem criar nenhum problema, ao contrário do próprio titular (et família).
Há quem acredite que Mourão não é mesmo de criar problemas. Mas, está cercado por um comitê de militares, eleitos ou nomeados democraticamente, cuja missão, insistentemente propagada, é fazer cumprir a Constituição. Essa mesmo que o Congresso muda, segundo as circunstâncias e interesses em causa; e o Supremo, seu guardião, interpreta ao bel prazer. O general Mourão já não poderá ser chamado de “golpista” . Mas, provavelmente, teria um governo com base na caserna. Tem legitimidade para isso: é general e foi eleito pelo voto direto.
Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília.