O chamego do macaco. Por Josué Machado
O CHAMEGO DO MACACO
JOSUÉ MACHADO
…Provavelmente os safados, conhecedores da fragilidade delas, é que tomam a aleivosa iniciativa. Eles sabem que elas são mais sujeitas aos percalços da vida e por isso tiram proveito. Coisa terrível. O título e as sórdidas macaquices machas…
O jornal publicou notícia curiosa com o seguinte título em sua página de ciências:
“CHIMPANZÉ FÊMEA TROCA CARNE POR SEXO”.
O que significa trocar? Dar uma coisa por outra, permutar, sabemos todos.
Convém relevar a deselegante cacofonia “CACA” do “TROCACARNE” e ficar apenas no significado do título animalesco. Ele afirma que a pobre fêmea oferece carne por um pouco de carinho e amor, essencial para a vida.
Vai-se, porém, ao texto:
“Cientistas descobriram que trocar carne por sexo faz parte da vida social de um grupo de chimpanzés selvagens na floresta Taï, na Costa do Marfim. A venezuelana Cristina Gomes, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, Alemanha, explica que as fêmeas de chimpanzé, com dificuldades para conseguir carne sem ajuda, recorrem a essa forma primitiva de prostituição para aumentar a sua ingestão de calorias sem o risco associado à caça.
No estudo, publicado na revista ‘PLoS One’, os cientistas explicam que, apesar de a promiscuidade ser uma característica tanto dos machos quanto das fêmeas de chimpanzé, eles conseguem copular mais se aceitarem compartilhar a carne com o sexo oposto.”
Eis aí o texto desmentindo o título. O redator se descuidou e não atentou para o sentido do verbo “trocar”:
NÃO SÃO AS FÊMEAS QUE OFERECEM CARNE POR SEXO; ELAS OFERECEM SEXO POR CARNE.
Talvez pareça sutil para alguns, mas não é a mesma coisa.
Não seria mal então se o título anunciasse, com cacófato e tudo:
“CHIMPANZÉ MACHO TROCA CARNE POR SEXO”, se houvesse a certeza de que ele é que toma a iniciativa, o que parece mais provável, considerada a pérfida natureza macha.
De todo modo, o que se quis foi realçar os vestígios de prostituição primitiva, em cujo centro se encontra a fêmea.
Melhor seria, no entanto, com rigor e sem cacófato:
CHIMPANZÉ FÊMEA TROCA SEXO POR CARNE.
Esse título expressaria indiscutivelmente a verdade. Ainda mais se houvesse a certeza de que as gentis macacas é que se oferecem aos machos cabeludos para ganhar um bom naco de carne. O que é duvidoso, considerando a essência exploradora e vilanesca dos machos. Sempre.
Provavelmente os safados, conhecedores da fragilidade delas, é que tomam a aleivosa iniciativa. Eles sabem que elas são mais sujeitas aos percalços da vida e por isso tiram proveito. Coisa terrível. O título e as sórdidas macaquices machas.
Pelo jeito, no entanto, as macacas parecem não desgostar necessariamente da agradável transação vital para a espécie.
Sabedeus.
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Nota: Dizem até que o torpe Harvey Weinstein, o ex-produtor de filmes norte-americanos e assediador perverso, se inspirou nesses macacos; se sim, ultrapassou-os de longe em vilania.
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade