barbooosa e a dor-de-cotovelo. Por Alexandre Schwartsman
barbooosa e a dor-de-cotovelo
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
… como barbooosa não diferencia entre a taxa real e a taxa nominal de juros, erro primário para quem pretende opinar sobre o assunto, ele não percebe que: (a) a taxa real de juros praticamente não subiu nos meses finais do período Pombini; e (b) que ela subiu um ponto percentual entre maio e novembro de 2016 de 7,6% para 8,6%)…
nelson barbooosa jamais perde uma oportunidade de perder uma oportunidade. Ainda sofrendo fortes dores nos cotovelos por conta da comparação entre os resultados desastrosos de sua política econômica e o sucesso obtido por Ilan Goldfajn na luta contra a inflação, resolveu investir contra este.
Segundo barbooosa, Ilan foi o único banqueiro central no Brasil que não elevou a taxa de juros, porque: (1) Alexandre Pombini (de triste memória) já teria feito o trabalho por ele; e (2) porque não pretendia correr riscos do lado inflacionário (sim, o argumento é mesmo esquisito dado que quem não quer correr riscos com a inflação subiria a taxa de juros, mas vindo de barbooosa não dá para esperar nada diferente).
barbooosa afirma que “a inflação acelerou a partir de 2013 e ganhou força em 2015, fruto de choque adverso nos preços de energia e depreciação cambial, em um contexto de baixa taxa de desemprego”. Para começar, a inflação começou a se acelerar muito antes disto, atingindo 6,5% já em 2011. A desaceleração aparente de 2012 só ocorreu por força do controle artificial dos preços administrados, cuja variação caiu de 6,2% para 3,7% no período, enquanto a inflação de preços livres ficou praticamente estável: 6,5% contra 6,6% no ano anterior.
Diga-se, aliás, de passagem que em nenhum ano da administração Dilma Rousseff a inflação de preços livres chegou abaixo de 6,5%. Só não estourou o limite superior da meta de inflação (também 6,5%) por força da mão pesada do governo nos preços administrados (medidas que, a propósito, jamais foram criticadas por barbooosa). O tal “choque adverso nos preços de energia” nada mais foi do que a correção de um erro colossal de política econômica (a MP 579) acerca do qual barbooosa ficou caracteristicamente mudo.
Calado fica também barbooosa sobre o comportamento da inflação de serviços, que permaneceu teimosamente acima de 8% ao ano em todos os anos da administração Rousseff, fenômeno que colide frontalmente como sua visão de elevação temporária da inflação por força da depreciação cambial.
Falando no assunto, não custa lembrar que, da mesma que o ocorrido com preços administrados, a explosão do câmbio resultou de sua compressão artificial no período Pombini, durante o qual o BC, acovardado para subir juros, vendeu mais de US$ 100 bilhões no mercado futuro na tentativa de conter a inflação por meio do dólar barato, posição que se tornou insustentável e colaborou para a estilingada de 2015-16, política que, vejam só, não suscitou nenhum comentário de barbooosa.
A zero de jogo, portanto, o diagnóstico de barbooosa sobre o processo inflacionário não passa no teste dos dados, que negam todas as suas teses.
Isto dito, no que se refere à gestão da política monetária, sugiro ao leitor o exame dos gráficos abaixo, que mostram a Selic real (isto é, deduzida da expectativa de inflação para os 12 meses seguintes) contra o desvio da inflação esperada nos 12 meses seguintes com relação à meta de inflação. A boa prática de política monetária requer que a taxa real de juros suba quando a inflação esperada ultrapassa a meta e vice-versa. A tradução deste princípio requer que, em geral, a reação de juros seja positivamente inclinada no gráfico (quanto maior o desvio da inflação, maior a taxa de juros e vice-versa).
O primeiro gráfico, de cima, mostra o ocorrido quando Pombini, o homem que, segundo barbooosa, fez o ajuste de juros, enquanto o gráfico abaixo resume a gestão de política monetária sob Ilan Goldfajn.
O que se observa no período Pombini é que a reação de juros se parece com o Papa-Léguas. Em vários momentos o que se observa é redução da taxa real de juros, mesmo quando a inflação esperada se desviava ainda mais da meta. Em contraste, no período Ilan o que se observa é redução da taxa real de juros quando a inflação esperada começa a se aproximar da meta.
Aliás, como barbooosa não diferencia entre a taxa real e a taxa nominal de juros, erro primário para quem pretende opinar sobre o assunto, ele não percebe que: (a) a taxa real de juros praticamente não subiu nos meses finais do período Pombini; e (b) que ela subiu um ponto percentual entre maio e novembro de 2016 de 7,6% para 8,6%), ou seja, que, ao contrário de sua afirmação inicial, Ilan subiu sim a taxa de juros, no caso a taxa real de juros, que é a relevante para a determinação da dinâmica inflacionária.
Querem ver? O gráfico abaixo mostra a diferença entre a expectativa de inflação 12 meses à frente e a meta (para capturar os efeitos da redução da meta para este ano). No caso, uso duas medidas: a pesquisa Focus, do BC, alimentada pelas projeções dos analistas econômicos e a inflação implícita 12 meses à frente, isto é, a diferença entre a taxa nominal de um ano e a taxa dos papéis indexados ao IPCA.
Há problemas técnicos com ambas as medidas, mas a história que contam é bastante parecida: o BC perdeu o controle das expectativas de inflação no período Pombini e o retomou quando Ilan e sua equipe tomaram o leme da instituição. Note-se também que, quando a nova diretoria assumiu, não faltou quem pedisse a elevação da meta para 2017, medida que teria desancorado as expectativas e requerido novas rodadas de elevação da taxa de juros. Podemos colocar na conta deles a firmeza de propósito para evitar o canto das sereias de ocasião.
Argumenta-se que as expectativas superestimam a verdadeira inflação: o gráfico abaixo sugere que não. Na maior parte do tempo as duas medidas subestimaram a inflação 12 meses à frente. A superestimação até agora foi um fenômeno restrito entre o final de 2015 e meados de 2017. No período mais recente (no caso até fevereiro de 2018, para comparar com a inflação nos 12 meses até fevereiro de 2019), ambas as medidas oscilaram próximas à inflação observada.
Aproveitando o gancho, uma observação final sobre a (pobre) análise de barbooosa. Avaliar a política monetária como engenheiro de obra feita (ex-post, no jargão da profissão) não é apenas fácil, como errado.
As decisões de política monetária são feitas sob incerteza. Não há taxa de juros que afete a inflação que já ocorreu; por conta, aliás, das defasagens de política monetária, qualquer banco central neste quadrante da galáxia tem que definir a taxa de juros com base na inflação esperada.
Como mostrado, o BC sob Ilan tipicamente seguiu este princípio e, não por outro motivo, conseguiu ancorar as expectativas próximas à meta; Pombini ignorou o princípio, desancorou as expectativas e colheu inflação sistematicamente acima da meta.
É tão errado julgar uma política pelos seus resultados ex-post quanto lamentar ter saído na chuva quando se tomou a decisão consciente de fazê-lo sabendo dos riscos que estava correndo. Claramente barboosa não assistiu as aulas de decisão sob incerteza.
A ideia que há assimetria (nas palavras de barbooosa “Errar a Selic para cima é mais tolerado do que errá-la para baixo, pois a população tem maior aversão à inflação do que ao desemprego, e o mercado financeiro não se incomoda em receber uma taxa de juro mais alta, mesmo que errada”) na decisão de taxa de juros ignora este simples princípio, o que, diga-se, não constitui surpresa alguma vindo de quem veio.
Houve, sim, assimetria, mas para reduzir a Selic quando não era possível, na administração Rousseff, mas barbooosa mais uma vez se cala face a um erro óbvio. Isto também não me causa qualquer surpresa.
Em outras palavras, não satisfeito com seu próprio insucesso na elaboração e implementação da Nova Matriz, barbooosa segue em sua cruzada para reabilitar o conjunto mais catastrófico de política econômica que se tem notícia desde o Plano Collor. Que seja julgado por isto.
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