Ensaio geral? Por José Horta Manzano
…Todos vão ficar sabendo que o desprezo pelo presidente é tamanho, que nem brucutus no asfalto assustam mais ninguém…
Este blogueiro, embora fosse bem jovem, já estava em idade de ouvir o zum-zum-zum que correu a cidade na manhã de 1° de abril de 1964. Ouvir e escutar é uma coisa; entender é outra. Acho que, tirando os galardoados que tinham dado as ordens, ninguém entendia direito o que estava acontecendo. Nem mesmo – e principalmente – os que conduziam os brucutus.
Foi no fim da manhã que a voz correu e chegou até nós, povinho ignaro e sem importância. Falava-se em golpe de Estado. Como é que é? De novo? Mais um? Quem foi desta vez? (Sem ser corriqueiro, golpe de Estado não era algo que espantasse naqueles tempos.)
Numa época sem internet, sem redes sociais, com rádio transmitindo em cadeia única e com as raras tevês tocando música, as notícias se arrastavam a passo de tartaruga. Para nós, adolescentes, a novidade não fedia nem cheirava. A vida continuou, a escola pra quem estudava, o trabalho pra quem trabalhava.
Para os mais velhos, especialmente para os que se lembravam dos bombardeios sofridos pela cidade na Revolução de 1924, restou o temor de ver de novo gente sendo esmagada por bombas largadas por aeroplanos. Fora isso, como todos tinham na memória recente os movimentos de 1924, 1930, 1932, 1935, 1945 e 1955, esse não passava de um a mais.
Não foi senão algum tempo depois que nos ensinaram que aquilo não tinha sido um golpe de Estado, mas uma Revolução. Sei que, hoje em dia, pôr na mesma frase as expressões “31 de março” e “Revolução” causa frisson. Mas, na época, ninguém se abalou. Assim foi.
É claro que, “golpe” ou “revolução”, os acontecimentos da madrugada de 1° de abril de 1964 não surgiram do nada, resultado do mau humor de dois ou três generais que houvessem comido salada de pepino à meia-noite. O movimento estava fermentando fazia semanas, meses talvez. Naquela noite, amadureceu e estourou. Só que, como todo levante que se preze, germinou em silêncio, no escurinho dos quartéis, em conciliábulos para meia dúzia de iniciados. Para os demais, boca de siri.
Neste 2021, o capitão que imagina nos governar, sentindo que perde rapidamente o pouco apoio que tinha, determinou que manobras militares ostensivas se realizassem em Brasília, ao vivo e em cores, bem no dia em que o Congresso deve votar uma matéria ultrassensível. Todos interpretaram a exigência presidencial como expediente intimidatório sobre os parlamentares – e sobre a população. Uma espécie de “Quem manda no meu exército sou eu”.
Jair Bolsonaro ainda usava calça curta em 1964. Há de ser por isso que não se dá conta de uma verdade elementar: golpe de Estado não se anuncia de véspera, especialmente pondo brucutus no asfalto. Ele está assumindo um tremendo risco. Sem necessidade, está apostando no tudo ou nada antes da hora. Há dois caminhos possíveis. Só dois, não vejo mais nenhum.
Se os parlamentares se intimidarem com os canhões e votarem como deseja o capitão, ele vai conseguir alguns pontos. Não será o vencedor da guerra, mas terá ganhado uma batalha, o que lhe permitirá continuar no páreo.
Já se os parlamentares não ligarem a mínima para os canhões e derrubarem a medida tão desejada pelo capitão, este último terá perdido a moral. Todos vão ficar sabendo que o desprezo pelo presidente é tamanho, que nem brucutus no asfalto assustam mais ninguém.
Em matéria de golpe de Estado, não há ensaio nem ameaça – só a ação definitiva conta. E ela tem de ser única, imprevista, radical e certeira. Não há segunda chance.
____________________________________________________________
JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
__________________________________________________________________________
Meu caro. Anote aí os números da tragédia. O dia que começou com desfile de sucatas amassadas e de motor fundido pilotadas (e aplaudidas) por milicos semi-sencientes de todas as patentes e fardas, acabou terminando com 229 representantes do povo votando em favor do obscurantismo criminoso do capitão. Note bem: duzentas e vinte e nove excelências que receberam nossos votos votaram contra nós! E o pior: dentre elas, nada menos que 15 deputados do PSDB! Isso mesmo. Quinze excelências peessedebistas votaram em favor dos delírios psicóticos e golpistas do capitão!!! E querem que acreditemos que serão a terceira via. Como diria Hugh Laurie, na ótima “You Don’t Know My Mind”, when you see me laughing, I’m laughing just to keep from crying…
E depois essas miniaturas pervertidas de social-democratas não entendem por que razão é Lula da Silva, e não seu boneco de cera traidor, que assume a dianteira na corrida desnorteada de esfarrapados morais rumo ao abismo que teremos em 2022…