Dormindo com o inimigo. Coluna Carlos Brickmann
DORMINDO COM O INIMIGO
COLUNA CARLOS BRICKMANN
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 26 DE FEVEREIRO DE 2019
Já se sabe por que o presidente Bolsonaro não convidou os mais radicais partidos de oposição para discutir a reforma da Previdência. É que, em seu Governo, ele é situação e também oposição. Não precisa do PT e de seus penduricalhos: o próprio Governo faz o trabalho da oposição, incluindo a parte difícil, de atrapalhar seus próprios projetos e se desgastar sozinho.
A última do ministro da Educação, por exemplo, nem o mais esperto dos oposicionistas faria melhor: em nome do respeito aos símbolos da Pátria, ordenou que professores, funcionários das escolas e alunos, devidamente perfilados em frente à bandeira, cantem o Hino Nacional e leiam um texto, supostamente patriótico, que inclui o lema de campanha de Bolsonaro, o que é ilegal. E tudo seria filmado para exibição pública, sem que os pais fossem ouvidos. Uma advogada pertencente ao próprio partido do presidente, a campeã de votos Janaína Paschoal, sugeriu que o ministro da Educação arranje com urgência um assessor jurídico.
Não foi necessário: rapidamente, o ministro mudou as ordens. Não é mais preciso ler o lema da campanha do presidente, nem as crianças irão aparecer em vídeos sem autorização dos pais. Ah, agir sem pensar!
E para que? Por que banalizar um símbolo como o Hino Nacional? Já se ouve o hino em jogos de futebol. A torcida nem silêncio faz. Após ouvir a música-símbolo da união nacional, brigam, se machucam, se matam.
Aquele do Japonês
Este colunista nunca cantou hinos: era proibido, por estragar o conjunto. Mas conhecia as letras: “Japonês tem quatro filhos”, “e quando a Pátria amada precisar da macacada”, e o delicioso “eia, sus”, que vinha um pouco antes do Virundum. E pensar que a ideia era estimular o patriotismo!
Louvar o Senhor
Perfeito, até o ministro da Educação percebeu que tinha feito besteira. Mas a ideia original, de exigir que o lema da campanha presidencial fosse obrigatoriamente citado, forçava ateus ou seguidores de religiões não monoteístas a prestar homenagem ao Deus dos cultos abrâmicos, com origem em Abrahão: judeus, cristãos e muçulmanos. E talvez violasse até um dos Dez Mandamentos, “não usarás o nome de Deus em vão”.
Jogo fácil
E, não fossem os inimigos internos, até que a situação não estaria difícil: a oposição é comandada por Gleisi, algo com que sonha qualquer Governo do mundo. O ministro da Justiça é ídolo popular, o ministro da Economia tem amplo trânsito no mercado, o agronegócio disputa a liderança mundial com os Estados Unidos, o presidente Bolsonaro continua em lua de mel com o público. Diz a pesquisa da Confederação Nacional da Indústria que ele é bem avaliado por 57,5% da população (43,4% são favoráveis à reforma da Previdência). O Governo é ótimo ou bom para 38,9%; e ruim ou péssimo para 19%. Excelentes índices.
Mas o eleitor está atento: 56,8% acham que os filhos estão interferindo nas decisões de Bolsonaro.
Amadorismo, não
Embora o Governo tenha agências de publicidade escolhidas legalmente em concorrência, quis criar a campanha da reforma da Previdência com uma equipe interna da Secom, Secretaria de Comunicações. Não passou: o ministro da Economia, Paulo Guedes, a considerou “tosca”, e vetou-a. Foi tudo refeito por uma agência de verdade, a Artplan. Agora está em ordem.
Brumadinho no mar
A Assembleia paulista acaba de convocar os responsáveis pela operação da cava subaquática de Cubatão – um buraco abaixo do nível da água que armazena 2,4 bilhões de litros de materiais tóxicos. A cava, entre Cubatão e Santos, é operada pela VLI, cuja maior acionista é – adivinhe! – a Vale.
A cava tem 25 metros de profundidade e 400 de largura, ao lado de um manguezal. Ali estão os resíduos tóxicos de meio século de exploração do Polo Industrial de Cubatão. Até há pouco tempo os resíduos estavam no fundo do canal de Piaçaguera. Com a escavação da cratera, o canal foi dragado (para aumentar sua profundidade e permitir a passagem de navios maiores) e os resíduos amontoados num só lugar. Os planos são cobrir a cava com 1,5 metro de altura de material limpo, que taparia o material tóxico, até o final deste semestre. E o risco de contaminação seria afastado.
O grande risco
O problema é que não dá para combinar com o mar, nem exigir que as águas tenham bom comportamento. Que acontece com o material tóxico em caso de movimentos anormais da água, causados por exemplo por tempestade? É isso que a Assembleia estadual quer apurar agora. Porque um vazamento naquela região, dentro do mar, como será contido?
Pois é
Eduardo Bolsonaro defende o muro entre EUA e México. E daí?
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Mestre Carlinhos: traçar um paralelo entre crianças aprendendo a cantar o hino nacional numa escola e o comportamento de adultos semi debiloides durante a “execução” do hino em estádios de futebol me pareceu um “pouco demais”!
Abração!
Números são uma coisa curiosa. Produzidos segundo critérios matemáticos/estatísticos demonstráveis, não dá pra brigar com eles. Traduzem tudo. Congelam nossas emoções, é verdade, mas mesmo isso eles podem resumir, depurar, explicar. Por outro lado, números podem não revelar nada, e apenas ocultar e iludir: basta que sejam falsos ou produzidos só para dizer o que queremos que digam. É desonesto, mas sempre é possível fazer isso. Pesquisas de opinião são um bom exemplo. Os métodos da coleta dos dados e os critérios para avaliá-los podem transformar e distorcer tudo. Por isso mesmo, o mais importante, quando se analisam e comparam números desse tipo, é garantir que tais métodos e critérios sejam estáveis, permanentes. Só assim a comparação ganha alguma inteligibilidade e revela algo confiável. Vamos a um exemplo: as pesquisas de opinião cnt-sensus (sempre realizadas segundo os mesmos critérios) mostram algo diferente do que aqui é sugerido. Sempre segundo os mesmos métodos de coleta a análise, Bolsonaro aparece como o presidente que tem a menor aprovação em seus primeiros momentos como governante, se comparado com FHC, Lula e mesmo com Dilma. Somando-se as respostas de ‘bom’ e ‘ótimo’, FHC somou 57%, Lula somou 56,6%, Dilma somou 49,1% enquanto o atual presidente soma 39,8%. (E, cá entre nós, rasgar seda para ‘nosso Alfredo Stroessner’ não melhorará muito esse número.) Vendo por esse ângulo, a tal lua-de-mel de Bolsonaro com seu país não parece assim tão especial. Ademais, sejamos claros: dizer que P.Guedes tem ‘bom trânsito no mercado’, e que Moro ‘é ídolo popular’, pouco significa. Guedes pode ser aplaudido em jantares com granfinos (que pensam mais no país que em seus negócios, claro…), mas será que, como ministro da economia, ele seria bem recebido no chão de uma fábrica? Entre trabalhadores com mais de vinte e menos de trinta anos de contribuição ao inss, seria ele aplaudido – ou vaiado? Quanto a Moro, a facilidade com que parece entortar suas convicções (aparentemente vergando lentamente sob o peso de Onyx e seus parças de governo…) tende a desfazer essa idolatria.
Em resumo: otimismo só é bom no começo. Mais um pouco, e ele acaba. Um pouco depois, ele vira o contrário.
PS – Ah, sim. Ricardo Vélez Rodríguez é realmente ótimo. Será melhor ainda quando for demitido, junto com o resto.
Carlinhos, na minha época, tenho 72 anos, nos cantávamos a tal “japonês tem wuatro filhos” e emendavamos depois da “macacada” um “puta-merda, que cagada”.
Era só risada depois.