O Grito de Brumadinho. Coluna Mário Marinho

O Grito de Brumadinho

COLUNA MÁRIO MARINHO

A imagem acima está no museu Yad Vachen, o Museu do Holocausto da cidade de Jerusalém, Israel.

É o museu construído pelos judeus a partir de 1953 para preservar a memória dos horrores do nazismo.

A imagem representa uma mãe a gritar por seu filho, uma das milhares de vitimas de  campos de concentração nazista.

É impressionante porque a imagem não tem rosto e sim uma imensa boca aberta, escancarada, num grito que ecoou no absurdo silêncio da Segunda Guerra Mundial.

Por isso, o título da escultura é O Grito do Silêncio.

Vendo pela TV as imagens do impressionante, pavoroso e terrível assassinato coletivo que se cometeu na cidade de Brumadinho, Minas Gerais, imagino uma mãe se esgoelando nesse inútil grito nas bucólicas paisagens das montanhas de Minas Gerais.

O mesmo inútil grito que não se ouviu – apesar de seu som cortante – no desastre de Mariana.

E o mesmo grito que ainda se ouvirá – só não se sabe quando ou onde.

É um absurdo o desdém, o pouco caso, a falta de respeito com que é tratado o cidadão brasileiro por seus dirigentes.

Não chegam as roubalheiras, a corrupção, os desmandos com o nosso pobre e suado dinheirinho.

Não bastam os desvios de montões de dinheiros que poderiam e deveriam ser empregados no melhor atendimento aos menos validos, na saúde e na educação como um todo; na segurança pois, potencialmente, somos 210 milhões de vitimas prontas para perder a vida por um mísero par de tênis ou um aparelho de celular de terceira linha.

Nada disso basta à sanha devoradora de nossos políticos.

Mas, também aí estão empresários com seus bem fornidos bolsos a comprar licença para construir, para destruir e até para matar, como o caso de Brumadinho.

No dia 11 de dezembro do ano passado, reuniu-se em Belo Horizonte a Câmara de Atividades Minerárias do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais) para analisar o pedido da Vale de ampliar em 88% a sua capacidade de extração de minério na mina do Córrego do Feijão.

Por oito votos a um e uma abstenção, o Conselho aprovou as licenças prévia, de instalação e de operação.

Para apressar a licença de funcionamento, a mina, considerada Classe 6, de nível de perigo maior, foi rebaixada para nível 4, onde as licenças são concedidas com menor nível de exigência.

Ou seja: se a barragem não tivesse vindo abaixo no dia 26 de janeiro, como aconteceu, viria a qualquer momento quando as atividades da Vale na área seriam ampliadas em 88%.

Apenas um voto foi discordante: o do Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc) que constatou uma série de inconsistências no processo de licenciamento. E em seu voto registrou: …a solicitação não tem qualquer fundamento e beira a insanidade.

O representante do Ibama simplesmente se omitiu e se absteve de votar. Ora, se ele, como representante do Ibama resolveu se abster é porque viu erros, falhas, impropriedades na solicitação. Então, por que não votou contra? Por que não botou a boca no trombone?

Em 11 de dezembro, quando da inexplicável decisão, o Secretário do Meio Ambiente do então governador Fernando Pimentel (PT), que deixou o estado de Minas Gerais à míngua, era o advogado Germano Luiz Gomes Vieira.

Veio a eleição e Pimentel foi escorraçado pelo voto do povo ao atual governador, Romeu Zema, eleito pelo partido Novo.

E quem é o Secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais no governo do Novo? O mesmíssimo Germano Luiz Gomes Vieira.

Nada mudou?

O grito que ouço daquela mulher se esgoelando, não é no sentido de que todos sejam presos, açoitados em público ou, quem sabe?, até fuzilados.

O grito é para que haja justiça. Se houver culpados, que eles sejam identificados e punidos conforme manda a lei – mas que a lei seja cumprida.

Não adiantam prisões que apenas funcionam como forma de calar a boca do público, até que o esquecimento vença. Não adiantam multas milionárias que nunca serão pagas e, se forem, ficarão nos cofres públicos das mesmas autoridades que fornecem as licenças de funcionamento.

E que deveriam fiscalizar e nunca fiscalizam.

As vidas perdidas nunca mais voltarão. A natureza nunca mais será a mesma.

Será que em algum lugar existe alguma consciência pesada?

 

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FOTO SOFIA MARINHO

Mário Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS
 NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

2 thoughts on “O Grito de Brumadinho. Coluna Mário Marinho

  1. Considerado Marinho: li o seu grito mineiro. Gostei muito. Também dei o meu grito no blog que faço no Portal R7, onde faço crônicas. Tem um acervo lá, e faz parte dele a história da dona do Gato que Ri. Se você tiver interesse, é o blog “arquivovivor/r7/percivaldesouza”.
    Abraço, Percival.

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