Psiquetipia (ou Psicotipia). Por José Paulo Cavalcanti Filho
PSIQUETIPIA (OU PSICOTIPIA)
Por José Paulo Cavalcanti Filho
… decidiu sem ouvir ninguém. Procurei uma palavra educada para definir esse gesto e a mais generosa, em benefício do ministro, é dizer que se trata de um escárnio.
Fernando Pessoa começa poema com esse título, acima, dizendo: “Símbolos. Tudo símbolos…/ Se calhar, tudo é símbolos…” Estou falando do ministro Marco Aurélio, claro. Nessa quarta, ele acordou com a cachorra. De manhã, atendeu ao PT – impedindo a venda de ativos da Petrobras (Decreto 9.355/218). E finzinho da tarde, na ADC 54, atendeu ao PCdoB – com “a suspensão de execução de penas” de criminosos ainda sem sentença final do Supremo. Beneficiando quase 170 mil presos (fonte, CNJ). E decidiu sem ouvir ninguém. Procurei uma palavra educada para definir esse gesto e a mais generosa, em benefício do ministro, é dizer que se trata de um escárnio.
… Se tivéssemos que escolher um símbolo, para a decisão do eminente ministro Marco Aurélio, qual seria? Recorro a versos de Ferreira Gullar (em Traduzir-se): “Uma parte de mim/ Pesa, pondera:/ Outra parte/ Delira”.
Aproveito para refletir sobre nosso Supremo. Ano passado, as Cortes Constitucionais da França e dos Estados Unidos julgaram, somente, 80 casos. Alemanha, 82. Inglaterra, 90. Israel, 156. E, sempre, em decisões colegiadas. No Brasil, temos um estoque de 92.399 casos pendentes. É insensato. Só o ministro Fachin julgou em 2017, por decisões monocráticas, 8.820 casos. Isso tem que ser revisto. E o acúmulo de trabalho faz com que tenhamos 11 Supremos, descoordenados e independentes. Tudo levando a que deva deixar de operar como instância revisora de decisões jurídicas. Para ser, assim se dá com todas as Cortes Constitucionais do planeta, só isso mesmo. Uma Corte Constitucional. Julgando como um tribunal – e, não, segundo a veneta de cada um. Marco Aurélio queria soltar Lula, é razoável supor. Sem nem se preocupar que, para conseguir seu intento, teria também que soltar chefes de milícias, traficantes, estupradores, assassinos, a lista é grande. Para ele, coisa sem importância. Deu em nada, felizmente. Deus é pai.
Sim, tudo bem, mas o que tem essas observações com nosso poema de Pessoa? Se tivéssemos que escolher um símbolo, para a decisão do eminente ministro Marco Aurélio, qual seria? Recorro a versos de Ferreira Gullar (em Traduzir-se): “Uma parte de mim/ Pesa, pondera:/ Outra parte/ Delira”. A parte que pondera vê interesses muito discutíveis, por trás dessa decisão. Por isso, em benefício dele, prefiro ficar com a parte delirante. E o símbolo que escolho anda longe de alguma “psiquetipia” ou “psicotipia”. Até porque essas palavras nem existem, nos dicionários. Para mim, se trata só de um caso de psiquiatria. Pobre do Supremo.
Pobre dos brasileiros.
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José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
jp@jpc.com.br