Memória. De Jornalista a Jornaleiro. Coluna Mário Marinho

Memória

De Jornalista a Jornaleiro

COLUNA MÁRIO MARINHO

Foram dias complicados aqueles dias do começo do mês de dezembro de 1968.

O Brasil vivia sob forte e rígida ditadura militar. Apesar disso, pipocavam aqui e ali protestos contra o regime.

Os militares reagiam com a cassação de mandatos de políticos e endurecimento na repressão aos protestos.

Uma dessas repressões foi a invasão do campus da Universidade de Brasília.

Em represália, o jovem deputado e jornalista carioca Márcio Moreira Alves foi à tribuna da Câmara e fez violento discurso contra as Forças Armadas.

Em um determinado trecho do discurso conclamou os brasileiros a não comparecerem à marcha militar do dia 7 de setembro. Mais: apelou para que as moças de família não namorassem oficiais do Exército.

O Exército pediu a cassação do deputado.

O ministério da Justiça solicitou ao STF o julgamento do deputado.

O Supremo solicitou à Câmara licença para o julgamento como mandava a Constituição.

Surpreendentemente, no dia 12 de dezembro, a Câmara, que tinha maioria governista da Arena (na ocasião, havia só dois partidos: Arena governista e MDB oposicionista) negou o pedido.

O general Syzeno Sarmento, comandante do I Exército, colocou a tropa de prontidão.

No dia 13 de dezembro o Estadão circulou com o editorial “Instituições em Frangalho” que desagradou os militares.

Forças policiais convocadas por autoridades governamentais foram até o prédio do Estadão para impedir o jornal de circular.

Houve, por parte de jornalistas e demais funcionários do Estadão, resistência.

Para evitar que os caminhões de entrega recebessem os exemplares do jornal, uma perua da Polícia Federal estacionou na garagem, obstruindo entrada e saída de caminhões.

Mas, enquanto se tentava algum tipo de negociação, jornais foram saindo pelos fundos do prédio e enviados às bancas. Segundo o Departamento de Circulação do Estadão, dezenas de milhares de exemplares foram entregues.

Naquela época, o Jornal da Tarde era realmente um vespertino e ia para as bancas às 15 horas.

Eu cheguei à redação por volta das 13 horas. O jornal já estava fechado e sendo impresso.

A manchete era, obviamente, sobre a apreensão do Estadão por parte da Polícia.

Assim que o JT começou a ser distribuído, a Polícia chegou.

A redação foi avisada que a Polícia estava impedindo a saída do jornal. Todo mundo desceu. E repetiram-se quase as mesmas cenas da manhã com o Estadão.

Enquanto jornalista e diretores conversavam com policiais, os exemplares do Jornal da Tarde começaram a sair pelos fundos do prédio.

Além disso, uma janela se abriu da oficina para a rua Martins Fontes, por onde também pacotes de jornais eram entregues.

A frota dos carros de reportagem do JT/Estadão era formada por veículos particulares sem nenhuma identificação visual com a empresa.

Assim, esses motoristas se postaram na Martins Fontes, enchiam o carro de exemplares e saiam entregando em bancas de jornal. Claro que sem nenhuma metodologia.

Foi aí que nós jornalistas começamos a fazer o trabalho de jornaleiros.

Pegávamos pacotes pela saída Martins Fontes e saíamos entregando ao povo.

Lembro-me de ter provocado um pequeno congestionamento na Consolação esquina de rua Martins Fontes. À moda dos antigos jornaleiros de rua, eu ia apregoando e me esgoelando: “Pega que a polícia está prendendo o jornal. Pega logo!”

E os motoristas paravam pra saber o que estava acontecendo. Formava-se o congestionamento.

Até a polícia descobrir o que estava acontecendo, eu fiz pelo menos umas três viagens.

Também segundo o Departamento de Circulação, alguns milhares de exemplares do Jornal da Tarde chegaram às ruas.

Naquele mesmo 13 de dezembro, à noite, foi anunciado em cadeia nacional de rádio e televisão o texto do famigerado Ato Institucional 5, o AI5, que fechou o Congresso, acabou com o Habeas Corpus, com a liberdade de ir e vir e deu plenos poderes ao presidente da República, general Arthur da Costa e Silva.

A Ditadura entrou em sua fase mais dura com prisões sem que tivessem qualquer amparo legal, tortura, mortes.

Um negro período da história brasileira.


veja MEMÓRIAS I, CLICANDO AQUI

e MEMÓRIAS II, CLICANDO AQUI

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FOTO SOFIA MARINHO

Mário Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS
 NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

1 thought on “Memória. De Jornalista a Jornaleiro. Coluna Mário Marinho

  1. Nesta época eu era professor de Economia Política, Contabilidade e Análise de Balanços, ou seja um prato cheio para o Regime. Púnhamos panfletos no telhado da AEC embebidos em Álcool e à medida que ia evaporando os panfletos voavam ao vento livremente.
    Eles batiam com força e levavam osa professores para o DOPS onde não sabíamos quando sairíamos.

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