O bode do escândalo. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 21 DE JULHO DE 2021
Dizem que há muitos anos, numa região muito pobre, um lavrador vivia com a enorme família numa casa minúscula, quase em ruínas. Um dia, ele se queixou ao padre da aldeia da vida que levava: além de tudo, a família toda vivia reclamando das más condições e do pouco espaço da casa. Mas como mexer nisso, sem dinheiro? O padre o aconselhou: leve seu bode para dentro de casa e daqui a uma semana vamos conversar. O lavrador obedeceu. E na semana seguinte voltou dizendo que tudo estava muito pior: o espaço tinha diminuído, o bode destruía o que podia e ainda cheirava pior que as histórias de compra de vacinas. O padre lhe disse: tire o bode de dentro da casa. Dois dias depois, o lavrador agradeceu ao padre: sem o bode na sala, todo mundo estava mais feliz, se sentia melhor, e as queixas tinham virado elogios.
Essa história de o fundão eleitoral passar de R$ 2 bilhões (o que já é fora de propósito) para R$ 5,7 bilhões não é igualzinha a botar o bode na sala? O presidente veta R$ 5,7 bi, se acertam todos em algo como R$ 4 bi, e todos ficam felizes: Bolsonaro fatura o veto, Suas Excelências comem o dobro da já enorme verba de campanha, e haverá quem acredite que o presidente que come picanha de R$ 1.700,00 o quilo por nossa conta defendeu o Tesouro.
O gasto público na campanha eleitoral brasileiras já é o maior do mundo, isso antes do bode na sala. Como diria Dilma Rousseff, alcançada esta meta, dobramos a meta. E continuamos trabalhando para alimentar pançudos.
De ponta a ponta
Quando se trata de sugar mais dinheiro da população, ideologia deixa de ser importante: deputados que adoram Lula e deputados que amam Bolsonaro votaram juntos para triplicar as verbas de campanha. Farinha do mesmo saco. Condenarão a tunga, embora tenham votado por ela. Aceitarão com ar de sofrimento, em nome do interesse nacional, a falsa redução de verbas que representará, na verdade, o dobro daquilo que já mamam.
Senhor juiz: pare agora!
A única solução para a indecente situação do financiamento de campanha é o pedido já feito ao Supremo para que suspenda o escândalo. Espera-se que o ataque a nossos bolsos vá contra a lei. Ou a politicalha vai tomar o nosso.
Em poucas palavras
O Fundo Eleitoral é o dinheiro que Excelências tomam dos cidadãos para decidir quem ocupará os cargos que lhes permitirão continuar a tomá-lo.
Clima tempestuoso
Por sorte, boa parte dos ministros do Supremo cansou dos ataques diários de Bolsonaro e dos pigmeus armados que acreditam que o Mito seja mesmo um Fantasma imortal. O ótimo colunista Aziz Ahmed, do jornal O Povo, diz que, se algum parlamentar solicitar ao Supremo que ordene a Arthur Lira, o presidente da Câmara, que deixe de reter os pedidos de CPI que cumpram as exigências legais, será atendido.
Chegou a hora do pau nas rachadinhas.
Esquentando o confronto
Os principais países do Ocidente acabam de acusar a China de acobertar uma campanha mundial de ataques a computadores de outros países. Quem acusa: Estados Unidos, OTAN (aliança militar ocidental), Austrália, Japão, Reino Unido, Nova Zelândia e Canadá. A linguagem é dura, pouco comum nos meios diplomáticos: “O Ministério de Segurança do Estado da China tem estimulado um ecossistema de hackers criminosos que realizam atividades patrocinadas pelo Estado e também cometem crimes digitais para seu próprio lucro”. Diz o secretário de Estado americano Anthony Blinken: “Isso é uma grande ameaça para nossa economia e segurança nacional”.
O objetivo chinês, diz a aliança ocidental, é roubar segredos industriais e informações confidenciais em Aviação, Defesa, Educação, Produção Naval, Governo e Biomedicina, em países como Alemanha, EUA, Suíça, Arábia Saudita, Áustria, Camboja, Indonésia, Reino Unido, Noruega e Malásia.
O tamanho da encrenca
Foi por acusações parecidas que uma diretora da Huawei, a líder chinesa e mundial em telecomunicações, foi presa no Canadá a pedido dos EUA. Além de diretora importante, é filha do fundador e presidente da Huawei, a empresa que disputa com empresas ocidentais a implantação de redes 5G. Essas disputas dificilmente são limitadas: em geral, associam-se a embargos, bloqueio de bens de empresas e diretores, bloqueio de novas encomendas.
Boa notícia
O Governo paulista divulgou ontem decreto prevendo emissão zero de gases de efeito estufa (que, de acordo com estudos internacionais, provocam o aquecimento global) até 2050. Com isso, o governador João Doria alinha o Estado ao esforço mundial para evitar variações abruptas de clima, capazes de provocar tragédias como desertificação de áreas férteis e inundações.
São Paulo é a primeira entidade federativa do Brasil e da América Latina a se unir ao esforço dos países desenvolvidos para enfrentar a mudança de clima.
Cá entre nós, no Brasil, decreto que prevê redução de emissões até 2050 é dessas coisas que parecem feitas pra seduzir eleitor em 2022. E que, nos 28 anos que se seguirão, tenderão a se perder na memória já meio fraca de quem conseguiu chegar vivo a 2050. Doria já traiu Alckmin, que lhe estendeu a mão. Já traiu o eleitorado paulistano, que nele votou acreditando em sua promessa de ser prefeito por quatro anos. Traiu até mesmo o capitão, cujos testículos puxou a não mais poder para se eleger governador. E agora, caro colega eleitor, vai trair você, se acreditar nessa ilusão, que ele próprio não poderá, por morto que esteja, explicar por que não vingou em 2050.