Outra cor, o mesmo sabor. Coluna Carlos Brickmann
OUTRA COR, O MESMO SABOR
COLUNA CARLOS BRICKMANN
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 24 DE OUTUBRO DE 2018
Ah, velhos sabores da infância! As grandes fábricas de doces em lata produziam marmelada comum e marmelada branca. E, para os indecisos, a lata 2×1, metade comum, metade branca. Ambas iguais, sem gosto de nada, com a única diferença da cor. E havia gente que brigava por uma ou outra.
Pois é, briga-se por qualquer coisa. O filho de um candidato disse que, para fechar o Supremo, bastavam um cabo e um soldado. O Capitão do Time do outro candidato disse que todos os poderes do Supremo deveriam ser retirados. E um advogado, colega do candidato na defesa do Adorado Chefe, propôs o fechamento do Supremo. Curiosamente, a frase mais agressiva, dita por um dos candidatos, não repercutiu: ele propôs aumentar o número de ministros de 11 para 21, “para termos a maioria lá dentro”.
Respeito à Justiça? Quando o Capitão do Time de um candidato ganhou prisão domiciliar, o adversário disse que aquilo era um vexame. Seria preciso escalar “gente do nível de Sérgio Moro” para que o Supremo não envergonhasse a população. Já o outro candidato, para poder pedir instruções na cadeia ao Adorado Chefe, escalou-se como seu advogado, e garantiu que, se eleito, o governante não seria ele, mas o preso. E a decisão do Judiciário, que o prendeu e que seria o único caminho para libertá-lo?
Como diria um antigo ditador, “a lei, ora a lei!” E não é preciso dar nomes: como na lata de marmelada, a receita é a mesma. Só muda a cor.
Detalhe saboroso
Nos velhos tempos, dizia-se que, para aumentar os lucros, os produtores usavam muito chuchu em vez de marmelo. Hoje, chuchu faz (ou fez) parte da política. Mas tanto faz: os fregueses brigam mesmo é por causa da cor.
E como brigam!
A Toluna, empresa que funde pesquisa, análise das informações e tecnologia para oferecer percepções de tendências a seus clientes, estudou o ambiente eleitoral brasileiro. Concluiu que 40% dos eleitores enfrentaram conflitos familiares por causa da eleição. Pior: 33% dos pesquisados acham de verdade que vale a pena brigar com amigos e parentes por política.
O maior índice de desentendimentos ocorreu entre primos: 35%. Logo em seguida, com tios: 31%. E com os pais, 29%. Ainda bem que quase não houve brigas corporais: em geral, a discussão foi “de leve a moderada”.
O estudo, na íntegra, está em http://tolu.na/l/Fx92Rwm
Apoio, mas restrito
Só agora, poucos dias antes do segundo turno, Marina Silva definiu sua posição: dá “apoio crítico” a Fernando Haddad.
Voto, mas restrito
Comentário do jornalista Mário Marinho, do site Chumbo Gordo, sobre a decisão da candidata da Rede: “Com o apoio de Marina, Haddad vai de 21% nas intenções de voto a 21% nas intenções de voto”
Baixo nível
Quem pensa que a campanha presidencial é de baixo nível ainda não viu até onde mergulhou a luta pelo Governo paulista. Um vídeo largamente espalhado pela Internet mostra alguém parecido com João Doria, candidato do PSDB e líder nas intenções de voto, envolvido numa orgia com cinco mulheres nuas – tudo explícito, tipo pornô. Besteira: Doria nunca foi citado como participante desse tipo de evento. E tem hoje 60 anos, idade em que não é comum tanta disposição para enfrentar cinco mulheres juntas.
O adversário de Doria, Márcio França, garante não ser o responsável pelo vídeo. Doria disse que era montagem – nem precisaria, já que algo de tão baixo nível nem merece desmentido. E, com a tecnologia disponível, é fácil transformar um ator de filme pornô numa figura parecida com a de qualquer um de nós, inclusive a do candidato ao Governo de São Paulo.
Falha total
E há outro problema num vídeo desse tipo: quem o divulgou não sabe em que país vive. Provar que um político é capaz de façanhas sexuais pode perfeitamente multiplicar sua popularidade. Não é possível esquecer Bernardo Cabral: depois do livro de Zélia Cardoso de Mello, em que ele é acusado de tê-la abandonado sem aviso em Paris, ele se elegeu senador.
A falta que ele nos faz
Um dos mais produtivos intelectuais brasileiros, Jacó Guinzburg, morreu aos 97 anos, no último sábado. Guinsburg, ensaísta, tradutor de primeira linha, editor, dedicou sua vida à difusão da cultura. Sua editora, a Perspectiva, editou Umberto Eco, Roman Jakobson, Augusto e Haroldo de Campos, Franz Rosenzweig. Ele escreveu na imprensa sobre literatura, brasileira e internacional, fez crítica teatral em revistas da comunidade judaica. E deu-nos a honra de colaborar com o site Chumbo Gordo (www.chumbogordo.com.br), editado por este colunista e por Marli Gonçalves, escrevendo sobre temas da atualidade. Uma grande perda.
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Ou seja, ninguém briga por causa do chuchu! Os que reclamarem dessa polarização raivosa em que o Brasil se meteu que aprendam a lição: melhor seria ter votado no chuchu, que unificaria o país em duradoura placidez e longuíssimo torpor. Resta saber se ele sobrevive até a próxima eleição. De fato, resta saber se nós sobrevivemos até a próxima eleição…
(PS. É piada, mas há quem diga que, depois do vídeo do fake Doria, Lula já assumiu ser o ator. No PT, claro, ninguém ousa duvidar. Viva o glorioso!)
(PS2. Guinzburg realmente fará falta. Muita. É um ano triste, este. Depois De Philip Roth e Alberto Dines, perdemos mais um inigualável. O mundo, essa coisa que já foi sólida um dia, está ficando cheio de buracos, irreparáveis. Caminhar está cada vez mais difícil.)