Death of Dorian Gray. 'Lying on the floor was a dead man, in evening dress, with a knife in his heart ...'. Dorian Gray, dead, in front of his painting.,

As prisões mentais. Por Fernando Gabeira

AS PRISÕES MENTAIS

Por Fernando Gabeira

… Quando Haddad foi lançado, cresceu rapidamente exibindo a máscara de Lula. No segundo turno, a máscara envelheceu como o célebre retrato de Dorian Gray…

 PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO E NO SITE OFICIAL DO AUTOR – 
WWW.GABEIRA.COM.BR, EDIÇÃO DE 22 DE OUTUBRO DE 2018

Lula está preso, meu caro. Repito a frase de Cid Gomes que ecoou na rede, suprimindo a palavra babaca. Não por correção política. A palavra iguala a estupidez à vagina. Apenas para lembrar, com humildade, como certos sentimentos estão arraigados em nossa cultura e emergem de nosso subconsciente.

A líder da direita francesa, Marine Le Pen, afirmou que algumas frases de Bolsonaro são inaceitáveis na França. Mas não o foram no Brasil.

Humildade aqui significa reconhecer que mudanças culturais levam tempo para se consumar. Não são como uma ponte destruída pela chuva que se reergue rapidamente. Nem mesmo uma nova capital que pôde ser construída no Planalto. Às vezes, atravessam gerações.

Lula está preso. É natural que o PT não aceite isso. Mas a forma de recusar foi chocar-se diretamente com a Justiça, tentar dobrá-la com manifestações, apoio externo e uma inesgotável guerra de recursos legais.

Compreendo que isso era visto como uma forma de acumulação de forças. Mas, na verdade, também acumulou rejeição.

Quando Haddad foi lançado, cresceu rapidamente exibindo a máscara de Lula. No segundo turno, a máscara envelheceu como o célebre retrato de Dorian Gray.

Mas o período que se abre agora será de tanto trabalho, que talvez não tenhamos mais tempo para nos patrulharmos. São tempos complexos, que demandam mais humildade ainda.

… para detectar tendências, é preciso um oceano de dados e capacidade de análise. As pesquisas envelheceram, sem que muitos se dessem conta. Mas não apenas elas envelhecem, num mundo em que a inteligência artificial avança implacavelmente.

Num debate em São Paulo, depois do primeiro turno, confessei como o processo me surpreendeu. As pesquisas indicavam uma grande vontade de renovação. Quando os partidos se destinaram quase R$ 2 bilhões para a campanha, concluí que a renovação seria mínima.

Apesar de ter feito algumas campanhas no território digital, minha reflexão ainda se dava no quadro analógico. A renovação, cuja qualidade ainda é discutível, aconteceu. Com R$ 53 milhões, Meirelles teve menos votos do que o Cabo Daciolo, um exemplo de como os velhos parâmetros foram para o espaço.

As próprias pesquisas que tanto critiquei no passado porque achava que favoreciam Sérgio Cabral, hoje as vejo com nostalgia. Existe informação na pergunta clássica em quem você vai votar.

Mas, para detectar tendências, é preciso um oceano de dados e capacidade de análise. As pesquisas envelheceram, sem que muitos se dessem conta. Mas não apenas elas envelhecem, num mundo em que a inteligência artificial avança implacavelmente.

E é nesse mundo que teremos de navegar. A situação econômica internacional não é favorável como no passado. Nos artigos em que trato de alguns de seus aspectos, começo sempre com o paradoxo: os Estados Unidos, que lideraram uma ordem multilateral, decidiram abandoná-la. Será preciso mais do que nunca acertar os passos aqui dentro. Isso significa gastar menos, fazer reformas.

… A imagem do Brasil lá fora mudou. O próprio Bolsonaro começará seu mandato como um dos presidentes mais rejeitados pela imprensa planetária. Ele terá de moderar sua retórica. E quem faz oposição precisa tomar consciência da situação delicada em que o país entra.

Quando estava na Rússia, os primeiros protestos contra a reforma da Previdência foram abafados pelo oba-oba da Copa do Mundo. Soube que agora a popularidade de Putin caiu 20 pontos precisamente por causa dela. Em outras palavras, a vida não é nada fácil para quem precisa reformar o Estado e fazer um ajuste fiscal.

Nesse futuro tão nebuloso que nos espera, a tese do quanto pior melhor é atraente, no entanto, pode ser também um novo erro de avaliação.

Quando ficamos muito concentrados nos problemas internos, perdemos um pouco de vista nossa inserção internacional. A imagem do Brasil lá fora mudou. O próprio Bolsonaro começará seu mandato como um dos presidentes mais rejeitados pela imprensa planetária. Ele terá de moderar sua retórica. E quem faz oposição precisa tomar consciência da situação delicada em que o país entra.

A sobrevivência da democracia não está ameaçada. Mas algumas escoriações podem empurrá-la para o viés autoritário que hoje cresce no mundo.

As fake news, por exemplo, sempre existiram, mas hoje têm um peso maior, pelo alcance e velocidade. Utilizá-las sem escrúpulos e denunciá-las no adversário apenas confirma o pesadelo moderno da decadência da verdade.

É muito difícil chamar à razão a quem se considera o dono dela. Os intelectuais condenam as escolhas populares, mas, às vezes, não percebem a sede de sinceridade que há por baixo delas. Pena.

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Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, onde produz semanalmente reportagens sobre temas especiais, por ele próprio filmadas (no ar aos domingos, 18h30, e em reprises na programação). Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas.

 

 

1 thought on “As prisões mentais. Por Fernando Gabeira

  1. O William Wack, assim como o Gabeira, martela dizendo que o Bolsonaro tem péssimo conceito junto à imprensa internacional. Pergunto como o português da padaria que é meu amigo: e daí, porra? O que disse a imprensa internacional quando a Dilma comprou uma refinaria falida em Pasadena fazendo sumir centenas de milhões de dólares pra onde não se sabe? Será que não? Onde estava a imprensa internacional quando o Lula direcionava a riqueza nacional do BNDES pra obras falidas na Nicarágua, Venezuela, Peru, Cuba e países africanos dominados por ditadores? No que apita a imprensa internacional? Resposta: picas. Investidores estão cagando e andando pra mídia internacional, eles querem saber apenas se podem lucrar seja o presidente ou ditador de direita ou esquerda. Se democracia fosse critério, Cuba não estaria recebendo bilhões de euros dos espanhóis em investimentos em turismo. Jornalistas, desculpem, são como pulgas querendo direcionar o cachorro. O mundo rola. A caravana passa, aliás, os cães cagam e a caravana pisa.

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