Uma Constituição simples e Educação popular. Por José Paulo Cavalcanti Filho. “Diálogo” – Especial Eleições 2018
Uma Constituição simples e Educação popular
Por José Paulo Cavalcanti Filho
…No Brasil, amigo, a Constituição acaba sendo um repasto do corporativismo. De quem quer só tirar vantagem. O que nos levaria a entender que, melhor que uma nova, seria só promover pequenas alterações pontuais. Seja como for, e nisso concordamos, com o povo no centro do debate…
Parte 3 - Correspondência entre o autor e Carlos Brickmann, baseada inicialmente na coluna publicada – Baile de Máscaras VEJA MAIS, AQUI E AQUI
Carlinhos, caríssimo.
Parecido com você, minha resposta pode ser considerada uma não resposta. Na verdade, pretendo dar um passo atrás. Para referir a pouca relevância que tem, uma Constituição, na reforma de um país. Assim penso. E que digo em um exemplo.
Finda a Segunda Guerra, o general MacArthur teve a seu cargo cuidar do Japão. E decidiu, por sua cabeça de militar, impor ao país, devastado pela guerra, uma nova Constituição. O que fez pedindo a um amigo, professor de Harvard, que a redigisse. Mais tarde, numa consultoria para a UNESCO, tive que dar algumas aulas por lá. E tentei saber quem terá sido esse amigo. Sem sucesso. Não ficou memória do fato na universidade. O que digo apenas para você ver não ter sido algo que mereceu registro. Em frente.
De posse do papel, o general chegou em Tóquio e comunicou que o congresso japonês deveria aprovar aquele texto. O que foi feito. Uma Constituição esquisitíssima. A única, por exemplo, que proíbe o país de ter forças armadas. Polícia, sim. Mas só polícia. As forças armadas japonesas são só a polícia, amigo. Mantendo apenas aquele professor, em respeito ao país, a monarquia. Como funcionava até então.
Saltemos, agora, 70 anos no tempo. O Japão, inteiramente destruído, se converte na terceira economia do planeta. Maravilha. E quantos artigos da Constituição foram alterados? Resposta é nenhum. Nem mesmo um solitário artigo, amigo. O país tem hoje, a reger seus destinos, apenas aquele texto redigido num pequeno escritório de Harvard. Por um obscuro professor. Sob recomendação de um general. Sem a participação de ninguém eleito pelo povo. E sem mesmo um referendum.
A questão que se põe, então, é qual o papel da Constituição na formação do Japão. E a resposta é… nenhum. Ou, talvez, muito pouco. Mas, então, o que fica por traz dela? Uma espécie de cultura, amigo. Mais ampla e mais abrangente. Algo como um caldo de cultura que permeia as ações dos cidadãos. Educação. Caráter. Visão de nação. Determinação. Tudo mais importante que a letra de uma lei. Minha sensação é que o país acabaria se reerguendo com ou sem uma Constituição. Apesar de sua Constituição. Claro que o tema exigiria ser mais elaborado. Não cabe nos limites de correspondência entre velhos amigos. Mas é algo assim, abrangente. A ideia é essa.
No Brasil, amigo, a Constituição acaba sendo um repasto do corporativismo. De quem quer só tirar vantagem. O que nos levaria a entender que, melhor que uma nova, seria só promover pequenas alterações pontuais. Seja como for, e nisso concordamos, com o povo no centro do debate. Dando legitimidade ao texto, claro. Mas continuo com receio de que os constituintes seriam majoritariamente políticos tradicionais. Com toda a carga negativa que isso represente. Ou representantes de corporações. De todos os tipos. A consagrar vantagens. Em resumo, um risco grande. Enorme.
Para encerrar, amigo, junto duas pesquisas feitas aqui no Recife. Em Pernambuco, não se lê. No Recife, capital do estado, 71% da população não tem o hábito da leitura. Desses 29% que leem, 53% não sabem o que quer dizer a frase “ eu não tenho nenhum escrúpulo”. Só 13% da população, Carlinhos, está em condição de exercer a cidadania. De ser considerados, plenamente, cidadãos. O que prova, ao menos em minha maneira de ver, que mais que tudo, que constituintes e similares, penso não haver nada mais urgente, transformador, revolucionário e democrático que educação popular. Preparar todos e cada um para exercer a cidadania. É isso.
Abraços calorosos,
José Paulo.
_________________
José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
jp@jpc.com.br
José Paulo Cavalcanti Filho, brilhante como sempre.
Simpatizo com o senhor, só lhe desejo coisas boas, por isso, é com o coração apertado que lhe desejo que o novo presidente o nomeie ministro da Educação. Seria a saída do Brasil deste túnel escuro, sombrio, longo e cheio de obstáculos onde nos puseram.
Desculpe o mau jeito, mas pensando no Brasil e em nossos netos, peço a Deus que meu desejo se realize.
Um grande abraço,
Maria Helena