A responsabilidade feminina nas eleições presidenciais. Por Betty Milan

A RESPONSABILIDADE FEMININA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

 Por Betty Milan

  O voto é um ato político e, além de não votar contra os próprios direitos,  as mulheres não podem votar contra a sociedade, dando o seu voto  a qualquer candidato expressamente contrário  à interrupção voluntária da gravidez. 

 ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S. PAULO, 
EDIÇÃO DE 2 DE AGOSTO DE 2018

O aborto  é um sofrimento para qualquer mulher. Mas, para as que são pobres, ele pode ser mortal.  No tempo em que eu trabalhava no Hospital das Clínicas, ele era feito sem anestesia. Geralmente em quem havia tentado abortar em casa  e chegava  em estado grave no pronto socorro. Ouvi um colega dizer que a mulher  não devia  mesmo ser anestesiada para aprender a não engravidar  de novo. Como se, naquela época,  a  consciência da necessidade da contracepção e os meios para fazê-la estivessem ao alcance de todas.

A interrupção voluntária da gestação, aprovada há quase meio século, na França, é imperativa quando a mãe não quer ou não pode   assumir a criança. Dar a luz para abandonar o filho ?   Me lembro de uma consulente que escreveu para o meu consultório sentimental em estado de absoluto desespero. Mãe de dois delinquentes e novamente grávida contra a sua vontade.

A consulente, que não tinha recursos,  me perguntava o que fazer e eu respondi que, se o aborto fosse legal, eu  recomendaria.

Como não legalizar o aborto, num país  como o Brasil,  onde tantas  mulheres não têm como educar os filhos  e precisam abandoná-los ? A legalização também se impõe por razões sociais e, seja qual for o credo de quem vota, isso  tem que ser levado em conta. O voto é um ato político e, além de não votar contra os próprios direitos,  as mulheres não podem votar contra a sociedade, dando o seu voto  a qualquer candidato expressamente contrário  à interrupção voluntária da gravidez.  Isso significa deixar que o aborto em condições adequadas seja o privilégio das ricas e as pobres continuem destinadas a introduzir uma agulha de tricô no útero, correndo o risco de ter septicemia e morrer.

A luta pelo direito da interrupção voluntária da gravidez, no Brasil,  é  de todas as mulheres. Inclusive, por incrível que pareça,  das que são contra o aborto por motivos religiosos.

A questão terá que ser resolvida como foi na França, por um ministro da saúde que saiba convencer a assembleia  nacional da necessidade da legalização. Vale lembrar como Simone Veil, ministro da saúde de Giscard d’Estaing, procedeu em 1974.

Mulher nenhuma faz aborto com alegria. Basta ouvir as grávidas que são obrigadas a passar por ele. Mas, para certas mulheres, o aborto é a única saída e, quando é assim, a família e a sociedade também são as beneficiárias.

Veil começou o seu discurso histórico dizendo aos membros da assembleia que não falaria enquanto parlamentar, mas enquanto mulher. Acrescentou que  faria isso com um profundo sentimento de  humildade diante da complexidade do problema, porém com a  certeza da importância de uma mudança na legislação. O poder público, disse ela, não pode  negligenciar a sua responsabilidade,  mantendo o status quo. Trata-se de uma forma de laxismo.  Ninguém ignora que não há como impedir o aborto clandestino e nem como punir todas as  mulheres que o praticam.  A proibição, na realidade,  não vigora e manter a legislação atual é uma forma de impostura.

Mulher nenhuma faz aborto com alegria. Basta ouvir as grávidas que são obrigadas a passar por ele. Mas, para certas mulheres, o aborto é a única saída e, quando é assim, a família e a sociedade também são as beneficiárias. A lei hoje favorece o abandono das crianças, ou seja, a delinquência.  Obriga a investir mais e mais na segurança, em detrimento da saúde e da educação.

Não se pode, em sã consciência, defender a vida dos seres humanos, expondo à morte os que estão vivos. 

 

Quem alega que o embrião é portador de todas as virtualidades do ser humano e, por isso, não pode ser eliminado, não leva em conta que ele é apenas uma promessa de ser humano.

Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde, boa parte  das concepções se interrompe espontaneamente nas primeiras semanas da gestação. Por que privilegiar o embrião, em detrimento da mulher que o concebeu, quando a gravidez indesejada pode ser tão nefasta para ela quanto para a sociedade ?

A apologia da vida, neste caso,  é contrária aos vivos. Ao pensar no voto,  é  necessário se perguntar  que presidenciável  pode escolher um ministro da saúde capaz de tomar, como exemplo, Simone Veil, que hoje repousa no Panthéon, pela luta na qual se engajou, depois de ter escapado dos campos da morte. Como disse Macron, Simone Veil se opôs veementemente ao demônio da resignação ou da indiferença,   foi um  « mestre da esperança ».

A luta pelo direito da interrupção voluntária da gravidez, no Brasil,  é  de todas as mulheres. Inclusive, por incrível que pareça,  das que são contra o aborto por motivos religiosos. Se o papa Francisco pudesse, ele reconsideraria a posição da Igreja, pois ela é contrária às pobres que, para não dar a luz a um filho impossível, são obrigadas a  provocar um aborto perigoso.

Não se pode, em sã consciência, defender a vida dos seres humanos, expondo à morte os que estão vivos.

_______________________

Betty Milan – Escritora e psicanalista

Site : http://www.bettymilan.com.br/

Blog : http://www.abcdavida.com.br/home-abc/

Facebook : https://www.facebook.com/BettyMilanEscritora

1 thought on “A responsabilidade feminina nas eleições presidenciais. Por Betty Milan

  1. Por que não fuzilar todos os delinquentes e todos que cometeram crimes em benefício dos que estão vivos, da sociedade? Por que não fuzilar todas as pessoas que são a favor do aborto em benefício dos que estão vivos e da sociedade? Por que não exterminar dois terços da população mundial para frear o aquecimento global e eliminar a fome e diversas doenças?

    Sabe qual é a resposta para todas essas questões? Que as leis de um mundo civilizado são criadas a partir da perspectiva da vítima, e não do algoz. Se fossem criadas a partir do algoz, seria perfeitamente justificável uma lei que permitisse matar o vizinho que ouve música alta às 3 da manhã, já que ela causa incômodo para a pessoa e pode causar problemas de saúde, prejudicar seu desempenho no trabalho, etc. Se quisermos forçar a barra, podemos até falar que é inevitável que alguns dos sujeitos que são obrigados a ouvir a música alta do vizinho acabem, por causa do estresse, causando acidentes que levem à morte muitas pessoas. Logo, nada mais razoável para a sociedade que ela aceite o assassinato de vizinhos barulhentos por um bem maior.

    No caso do aborto, quem argumenta a favor quer que a lei seja feita pela perspectiva do algoz. Quais são os motivos das mulheres que querem liberar o aborto e torná-lo “escolha única da mulher”? Que a criança pode causar prejuízos financeiros para a mãe? Que a criança pode acrescentar obrigações a uma mulher que não gostaria de assumi-las? Que ela possa abandonar a criança e a criança possivelmente se torne um delinquente? – Aliás, estranho que a possibilidade do feto morrer naturalmente é argumento pró-aborto, mas a probabilidade gigantesca de que um filho de uma mulher que não pode abortar não se tornar um delinquente não é.

    Não passam de argumentos semelhantes ao do sujeito que acha que pode tirar a vida do vizinho pelos males que eventualmente a música alta que ele ouve possam lhe causar.

    Na verdade, a questão de quem defende a mudança da lei atual sobre o aborto é um problema das pessoas que colocam o direito de ter relações sexuais por prazer e sem ter que arcar com nenhuma responsabilidade sobre o direito à vida.

    É fácil legislar sobre uma causa na qual você não pode mais ser vítima, apenas algoz. Que tal também suspender a vacinação contra a poliomielite, já que somos todos adultos e a vacina só custa do nosso dinheiro? Qual o problema se algumas crianças ficarem com deficiência por causa disso? E se fosse meus filhos e netos? Não acredito que alguém que lute pelo direito de matar seus próprios filhos e netos voluntariamente antes que eles nasçam se incomode com essa questão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter