Resposta a Almotásim
Recebo muitas mensagens no meu e-mail de contato. Afora insultos ocasionais, a interação com os leitores enriquece meu trabalho e sugere novos tópicos para os artigos. Um tema, que tem aparecido com certa freqüência – de onde imagino que há uma fonte, o Almotásim, disseminando esta idéia equivocada – diz respeito à relação da taxa de juros a que o Brasil pode tomar recursos no mercado externo e a taxa de juros que prevalece no país. Por que, perguntam, se o Brasil pode emitir títulos de 10 anos no exterior com rendimentos em torno de 6% a.a., a taxa doméstica de juros é tão mais alta?
Antes de entrar no caso brasileiro, peço ao leitor que considere dois exemplos. Os EUA têm uma avaliação de risco de crédito algo melhor do que o Japão, e poderiam, portanto, emitir títulos denominados em ienes a taxas, no máximo, iguais àquelas pagas pelo Tesouro japonês. Tomando como referência um título de 10 anos, os EUA poderiam emitir um papel denominado em ienes a uma taxa ao redor de 1,6% ao ano enquanto a taxa dos Fed Funds (o equivalente à Selic) é de 5,25%.
Por outro lado, as taxas de juros de Alemanha e França, países com risco de crédito similar, são praticamente idênticas, desde a taxa de curtíssimo prazo àquela que baliza os títulos públicos de 10 anos.
Por que, quando tratamos de Japão e EUA as taxas diferem tanto, mais altas para o país com crédito melhor, enquanto no outro caso as taxas são idênticas? A resposta passa pelos regimes cambiais vigentes nestes países.
Alemanha e França escolheram um regime extremo de fixação de taxa de câmbio: a adoção da moeda única. Neste contexto, diferenças entre as taxas de juros que não sejam associadas a diferenças de percepção de risco de crédito não podem persistir. Se as taxas de juros fossem mais baixas na França que na Alemanha, especuladores tomariam recursos na França e os emprestariam na Alemanha, embolsando a diferença. Este processo – conhecido como “arbitragem” – faz as taxas de juros convergirem para o mesmo patamar.
Por que, então, a arbitragem não parece funcionar no caso EUA-Japão? Porque a taxa de câmbio entre estes países é flutuante: se alguém toma recursos no Japão para emprestar no EUA, faz com que o dólar se aprecie com relação ao seu nível de equilíbrio (pois o arbitrador vende ienes e compra dólares), gerando uma expectativa de que o dólar vá, à frente, se depreciar. Em tese, a arbitragem cessa quando a apreciação corrente chega a um ponto no qual a depreciação esperada corresponde exatamente à diferença entre as taxas de juros americanas e japonesas. Note-se que, neste caso, a arbitragem afeta a taxa de câmbio, mas não as taxas de juros.
Assim, se no Brasil a taxa de câmbio fosse fixa (como é entre Alemanha e França), a taxa de juros doméstica não poderia ser muito diferente da taxa de juros paga pelos títulos brasileiros no exterior, dado que o risco de crédito em ambos os casos é praticamente o mesmo. Como, porém, a taxa de câmbio é flutuante, não há nenhuma força de mercado que faça estas taxas de juros se igualarem, como no caso das taxas de juros americanas e japonesas.
Isto dito, um leitor mais insistente poderia questionar se o BC não poderia desempenhar este papel, trazendo a taxa de juros doméstica para o patamar das taxas a que o país toma recursos em dólares, reduzindo a Selic para algo em torno de 6% a.a.?
A resposta para esta questão é a mesma que o leitor receberia se perguntasse ao professor Bernanke por que não reduz a taxa dos Fed Funds para o mesmo nível das taxas japonesas: porque esta taxa não é consistente com a manutenção da inflação em patamares próximos às suas metas. Nem o Fed mantém a taxa dos Fed Funds acima da taxa hipotética a que os EUA poderiam se financiar no mercado japonês, nem o BC mantém a Selic acima das taxas pagas pelo Brasil em dólares por ignorância, sadismo ou má-fé, mas porque têm razões para crer que estas taxas domésticas são aquelas consistentes com os objetivos que seus mandatos lhes conferem, no caso com as metas de inflação.
Na verdade, quem formulou a pergunta inicial aparenta desconhecer que (1) uma taxa é em moeda estrangeira e outra em moeda local; e (2) que a taxa de câmbio no Brasil é flutuante, não fixa. Esclarecido o assunto, espero que os leitores levem a resposta a Almotásim.
(Publicado 27/Dez/06)
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