Volta às aulas
Um sintoma da importância adquirida pelos economistas no Brasil de uns tempos para cá é a quantidade de colegas de profissão desempenhando cargos políticos, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Meu lado corporativista poderia até celebrar, não fossem estes economistas-políticos (não todos, mas a maioria) capazes de abandonar tão prontamente os fundamentos da nossa ciência, se é que algum dia chegaram a dominá-los. Na verdade, manifestações recentes de figurões da categoria sugerem que os mesmos teriam certa dificuldade para serem aprovados no curso de economia monetária.
Assim, houve quem afirmasse aos brados ignorar os motivos econômicos que levaram o BC à decisão de desacelerar o ritmo de queda da Selic. No entanto, como um bom aluno de graduação poderia lembrar, sabe-se que as mudanças nas taxas de juros não produzem impactos imediatos no restante da economia. Ainda que os mecanismos de transmissão não sejam inteiramente conhecidos, é fato notório que as alterações das taxas reais de juros só começam a afetar a demanda após certo período, hoje estimado em cerca de dois trimestres, e que o pico deste efeito se materializa ainda mais tarde.
Uma imagem comum para descrever este fenômeno é da água quente que demora no cano até chegar ao chuveiro. Se esta defasagem for ignorada, o incauto banhista corre sérios riscos de se queimar caso continue a ajustar a torneira enquanto observa apenas o fluxo corrente da água, desconhecendo o que já vem cano abaixo. Isto dito, houve queda da taxa real de juros de mais de 4,5 pontos percentuais de outubro de 2005 em diante, dos quais cerca de 2,5 pontos ao longo do segundo semestre de 2006, cujo impacto certamente ainda não se manifestou. Ou seja: há um bocado de água quente no cano e não me parece ser má idéia esperar para ver como fica a temperatura da água antes de abrir ainda mais a torneira.
Trata-se, enfim, de fenômeno conhecido por qualquer estudioso do assunto (ou qualquer um que já tenha tomado banho), mas aparentemente desconsiderado por pessoas que, em sua própria e modesta opinião, se julgam extremamente capazes.
Ainda na categoria de político-economista, houve também quem classificasse de “ignorante” a diretoria do BC, ao mesmo tempo em que cometia uma série de equívocos de corar um terceiranista da faculdade de Economia. Não tenho espaço para comentar todos, mas, entre os mais gritantes, destaco os seguintes.
Esse economista, por exemplo, não acredita que os juros reais caíram, porque a inflação teria caído junto. Para chegar a esta conclusão, o ilustre político deflacionou a taxa de juros pela inflação passada ao invés da inflação esperada, o que é errado, pois a inflação relevante para fins de determinação da demanda é a esperada. De fato, ao escolher entre aplicar dinheiro ou gastá-lo, as pessoas comparam consumir hoje com consumir amanhã. Sabendo a taxa de juros, sabem quanto dinheiro terão amanhã, mas não o poder de compra desta moeda. Se acharem que os preços subirão mais rápido, gastam hoje; se mais devagar, amanhã. Caso errem a previsão de inflação, haverá conseqüências, mas a decisão de consumo ou poupança já foi tomada. Isto é básico, mas foi solenemente ignorado.
O mesmo político anotou o que considera uma ironia, que preços de exportação cresçam, mas a economia não se beneficie disto, supostamente por conta da política monetária. Esta afirmação sozinha contém dois erros. Primeiro esquece que, num regime de câmbio flutuante, preços de exportação mais altos necessariamente apreciam o câmbio e, portanto, reduzem o impulso de demanda que vem das exportações (líquidas das importações), independente da política monetária.
Segundo, isto abre espaço para quedas adicionais da taxa de juros, ao permitir uma taxa mais baixa de inflação e, num segundo momento, um ritmo mais forte de crescimento da demanda doméstica, como, aliás, observado em 2006. De novo, nada que não conste dos manuais da disciplina (ou dos dados do IBGE), de novo relegados ao mais abjeto esquecimento.
Não há, pois, como alimentar sentimentos corporativistas. Afirmações como as acima deveriam levar seus autores de volta à universidade; apenas não como professores.
(Publicado 7/Mar/07)