A galinha voadora
Se eu tivesse qualquer dúvida acerca do vigor do crescimento econômico recente esta teria se dissipado à luz das declarações recentes de líderes industriais que, mantendo longa tradição, já o classificaram como “vôo de galinha”, aparentemente desatentos aos 14 trimestres consecutivos de aumento da produção, o mais longo ciclo de expansão industrial dos últimos 15 anos. A obsessão galinácea costuma ser sintoma claro da exasperação quando a atividade econômica, a despeito da torcida contrária, começa a se expandir mais fortemente. Nesta hora os cérebros de galinha formulam complexos argumentos, cuja principal qualidade é jamais passarem pelo teste dos dados.
Tomemos como exemplo uma tese recente patrocinada pelas lideranças industriais, qual seja, que a economia brasileira está passando por um processo claro de “desindustrialização”, contra o qual é obrigação de todo patriota se opor. Afinal de contas, segue a cantilena, o crescimento industrial é cada vez mais resultado da expansão de uns poucos setores, com baixíssimo potencial de geração de emprego e sem dinamismo que dê sustentação aos investimentos. Será?
O primeiro argumento é falso. A inspeção mais cuidadosa dos dados revela que o crescimento industrial tem se tornado menos (e não mais) concentrado do que há pouco tempo. Eu e meu colega Cristiano Souza estimamos recentemente a relação entre a taxa de crescimento da indústria e o índice de difusão, isto é, a proporção dos segmentos industriais que apresentam taxas positivas de expansão.
Como esperado achamos forte relação positiva: quando o crescimento industrial acelera, mais setores crescem. O interessante, porém, foi achar que esta relação se tornou ainda mais positiva no período mais recente, ou seja, hoje uma mesma taxa de crescimento corresponde a uma proporção maior de setores em expansão que há poucos anos. As evidências, portanto, não apóiam a tese da maior concentração do crescimento, uma das pedras fundamentais do pensamento galináceo.
Quanto ao emprego, não é necessário nenhum grande esforço de pesquisa: os dados da Confederação Nacional da Indústria mostram uma aceleração do nível de emprego industrial, cujo crescimento no primeiro trimestre de 2007 atinge 3,5%, a segunda maior taxa de expansão para o período desde o início da série, perdendo apenas para o primeiro trimestre de 2005. Já os dados de criação de novos empregos do CAGED mostram cerca de 290 mil novas vagas industriais nos últimos 12 meses, 50% maior que nos 12 meses anteriores. Na mesma base de comparação a criação de novos empregos totais manteve-se praticamente inalterada, ao redor de 1,3 milhão, revelando a indústria mais dinâmica que a economia como um todo.
Por fim, os dados de investimento são também eloqüentes. Por exemplo, a produção de bens de capital para uso industrial cresceu 9% nos últimos 12 meses (16% no primeiro trimestre), contra 5,5% em 2006, mostrando aceleração do investimento. Em outras palavras, os próprios empresários não parecem acreditar muito na história de “desindustrialização” patrocinada por sua liderança.
Ainda que certos setores enfrentem condições cada vez mais difíceis, os dados mostram que nada parecido com “desindustrialização” tem ocorrido. Há, sim, uma mudança em curso, da qual emergirão novos vencedores e segmentos em declínio. E o estridente cacarejar à distância…
(Publicado 16/Mai/2007)