Casamento de Conveniência? Por Zeina Latif

Casamento de conveniência?

Zeina Latif

O que Paulo Guedes propõe não pode ser chamado de programa de governo, e tampouco caracterizado como ambicioso, pois estabelece metas sem considerar as várias dificuldades para sua execução

É notável a divergência entre os discursos de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. O que Guedes propõe não pode ser chamado de programa de governo, e tampouco caracterizado como ambicioso, pois estabelece metas sem considerar as várias dificuldades para sua execução. Não são críveis suas promessas de amplo programa de privatização e de venda de imóveis da União; eliminação do déficit orçamentário em 2019; e reforma da Previdência com implementação do regime de capitalização.

Há mérito em trazer esses temas para o debate. No entanto, o próprio Bolsonaro trata de atenuar e até negar pontos da agenda, por serem politicamente inviáveis. O candidato afirma que as privatizações serão apenas das empresas criadas pelo PT (este não deveria ser o critério) e a reforma da Previdência será gradual e com foco nos servidores públicos.

As propostas de Guedes são inviáveis também do ponto de vista econômico. Chegamos a um ponto em que as privatizações se tornaram essenciais para reduzir o risco fiscal e recuperar a capacidade de investimento. A Eletrobras é o caso mais visível.

No entanto, as 144 estatais têm realidades muito diferentes. A análise terá que ser caso a caso. Algumas empresas deveriam ser liquidadas, como foi a Indústria Carboquímica Catarinense em 2017; outras não são passíveis de privatização, por atuarem em áreas que não atraem o investimento privado, como a Embrapa; outras necessitam de engenharia para lá de engenhosa para atrair interessados, como os Correios; outras demandam tratamento anterior das empresas subsidiárias, como a Petrobras (38) e a Eletrobras (37), além de devido cuidado com os marcos regulatórios, o que também vale para Banco do Brasil e Caixa.

São várias as partes envolvidas que podem dificultar a agenda do presidente, mesmo no Executivo, como, por exemplo, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Há processos que dependem do Congresso e há muito espaço para judicialização, por conta de resistências corporativas. Um exemplo são as liminares contra o leilão de distribuidoras da Eletrobras. É preciso também considerar o Tribunal de Contas da União.

Não é uma agenda que se resolve rapidamente. E não há como chegar na marca de R$ 1 trilhão estimados. Vale citar que o valor de mercado das principais estatais listadas em bolsa estava em R$ 430 bilhões ao final de junho, sendo a participação da União em torno de R$140 bilhões.

Dificuldades da mesma natureza esbarram na meta de obter R$ 1 trilhão na venda de imóveis da União. Segundo o relatório da Instituição Fiscal Independente, o estoque de imóveis da União é de pouco mais de R$ 1 trilhão. Mesmo o valor sendo subestimado, monetizá-lo é outra história.

…As contas para zerar o déficit público em 2019 não fecham, e requerem medidas que dependem de aprovação do Congresso, sendo algumas constitucionais.

Primeiro, a cifra inclui imóveis que não seriam passíveis de venda, como os essenciais ao funcionamento da máquina pública, os parques, as reservas e as fazendas de uso educacional, para citar alguns.

Segundo, há várias etapas e muita burocracia envolvida para chegar ao que é possível vender e como fazê-lo. Terceiro, não é fácil encontrar compradores dispostos a enfrentar as dificuldades para adquirir e reformar imóveis tombados pelo patrimônio histórico. Um exemplo é o antigo edifício da Polícia Federal em São Paulo, que pegou fogo e desabou este ano. O governo federal tentou vendê-lo em 2015 por R$ 21 milhões. Não houve interessados.

As contas para zerar o déficit público em 2019 não fecham, e requerem medidas que dependem de aprovação do Congresso, sendo algumas constitucionais.

Quando questionado sobre as dificuldades para implementar suas propostas, Guedes defende um meio do caminho entre seu programa e o de Bolsonaro. Muito confuso.

Bolsonaro é o primeiro colocado nas pesquisas e, mesmo assim, é o candidato que menos se manifesta sobre política econômica. Quando o faz, expõe as divergências com seu guru e fiador. Será mesmo que Guedes será o ministro da Fazenda de Bolsonaro?

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Zeina Latif – Doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e economista-chefe da XP Investimentos. Trabalhou no Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro Real e HSBC. Escreve colunas semanais para o Broadcast da Agência Estado.

 

6 thoughts on “Casamento de Conveniência? Por Zeina Latif

  1. O Guedes só serve para alimentar a farsa de que Bolsonaro teria se convertido ao liberalismo. Ele não é obrigado a saber minúcias econômicas, mas sequer sabe dizer os pilares básicos que norteiam sua política econômica desejada.

    Numa analogia simples, o presidente e o ministro da economia devem funcionar como o dono de um terreno que quer construir um imóvel e seu engenheiro: o dono do terreno não precisa saber aspectos técnicos da construção, mas tem de dizer quais são os fundamentos da construção que deseja que o engenheiro projete. Bolsonaro age como se dissesse pro engenheiro “faz o que quer aí, só não usa madeira”, e o Paulo Guedes é o engenheiro que projeta uma torre de 500 metros. Daí, Bolsonaro vem e diz “talvez não dê pra construir uma torre assim nesse terreno”, mas não fala nada sobre o que realmente deseja, se é um prédio, um sobrado, um galpão ou uma torre.

    No fundo, Paulo Guedes parece ser apenas alguém pra acalmar o mercado e tirar a fama de estatista do Bolsonaro que vai contra parte do seu eleitorado. Mas aí vem o nível do eleitorado de Bolsonaro: está satisfeito com a resposta para todas as questões levantadas sobre o programa econômico dele ser “fala com meu posto Ipiranga”. Talvez estejam contando com o posto Ipiranga e vão receber um posto sem bandeira, sem loja de conveniência e combustível adulterado.

  2. HUMOR NEGRO, AMARELO, VERMELHO E AZUL

    A INGUINORÂNÇA É QUE ASTRAVANCA O PROGRÉSSIO!

    Hoje à tarde, depois da notícia que o candidato Bolsonaro supostamente teria sofrido um atentado, uma ouvinte acabou de perguntar no programa interativo da rádio comunitária, da cidadezinha onde resido: “É verdade que o Bolsonaro já está incomodando muitos, só porque tem muitas chances de ser eleito presidente do Brasil?”

    O locutor, viciadamente irônico e contrário ao lulopetismo, não demorou nem três segundos, e metralhou:

    “Sim, cara ouvinte. Ele incomoda muita gente. Incomoda a mídia contaminada por jornalistas esquerdistas formados e ideologitizados em faculs federais e estaduais.

    Sim, incomoda aos milhões de brasileiros crentes que o Lula é o salvador da pátria, e que pode existir tudo grátis, ou quase. Por exemplo,

    # Grátis: 5 refeições diárias, água e luz.

    # Quase grátis: casa própria mobiliada financiada modicamente em prestações mensais entre 25 e 40 reais; transporte público com o preço das passagens entre cinquenta centavos a um real, com direito a sorteios diários oferecendo prêmios entre 13 e 1.300 reais.

    # Saúde, Educação e Segurança: Pra quê? Povo feliz não fica doente, não precisa perder tempo com escola e nem viverá em pânico por causa da bandidagem sem colarinho branco.

    Ufa, minha cara ouvinte! Esqueci do programa bolsa família, embora Família já não esteja mais em moda, apenas uma coisa boba do passado.

    E tudo isso, minha cara ouvinte, sem precisar mais orar e fazer promessas pro Padim Ciço! Somente orações e uma dose da bondosa para o eterno salvador da pátria, Lula!

    Aos comerciais, antes que eu mesmo acredite no que falei… vai que o Lula seja mesmo milagroso…”

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    Dizem que o General De Gaulle teria falado que o Brasil não seria um país sério. Um bordão ainda repetido até hoje em um ou outro desabafo diante de escândalos e luzes se apagando nos finais dos túneis da nação em constante elevação da temperatura, enquanto nos refrigerados gabinetes, porões e cofres nada republicanos luzes são mantidas intensamente acesas.

    Para um povo chegadinho num populista, não importando se a ordem unida é “Esquerda, direita, ou direita esquerda… meia volta, volver!”. Governos passam, as mesmas marchas curtas e meia voltas. Estamos sempre volvendo e se preparando, unicamente através de discursos e entrevistas, para algum dia obedecermos à ordem, “Brasil, última chance de sobrevivência como nação soberana. Brasileiros, soberania ou morte! Avançar, o morro ou o mato!!”

    Pensando bem, é difícil acreditar que De Gaulle não tenha dito esse bordão nada elogioso…

    AHT
    06/09/2018

    .

    1. AHT: faça comentários curtos. Quer escrever bobagens prolixas peça uma coluna ao Brickmann…
      “É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do quer falar e acabar com a dúvida.” Abraham Lincoln

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