Enquanto Roma arde. Por Alexandre Schwartsman

Enquanto Roma arde

Por Alexandre Schwartsman

… O problema nunca foi falta de dinheiro, mas a definição de prioridades para seu uso. Preferimos gastar R$ 112 bilhões a mais com a remuneração de empregados e R$ 294 bilhões a mais com benefícios sociais…

Publicado originalmente na Folha de S.Paulo,
Coluna do autor, edição de 5 de setembro de 2018

Tudo bem, a hipocrisia pode ser mesmo a homenagem que o vício presta à virtude, mas há limites ao que o estômago humano pode suportar nesta área. O festival de oportunismo que surgiu das cinzas do Museu Nacional é de causar engulhos a qualquer um que tenha um mínimo de honestidade intelectual, qualidade cada vez mais rara no país. Sobraram políticos (e, lamento dizer, economistas – se bem que caberia aí mais de uma qualificação) que não hesitaram em inverter as leis da Física, para não falar da história, com o objetivo de ganhar um trocado fácil no jogo eleitoral.

De maneira geral buscou-se associar o desastre à austeridade fiscal, principalmente no que se refere ao teto de gastos públicos. Ignora-se, intencionalmente, que o teto de gastos começou a vigorar em 2017, enquanto os relatos acerca do péssimo estado do museu datam de vários anos antes.

Em 2004, por exemplo, o então secretário estadual de Energia, Indústria Naval e Petróleo, Wagner Viter, afirmava: “o museu vai pegar fogo. São fiações expostas, mal conservadas, alas com infiltrações, uma situação de total irresponsabilidade com o patrimônio histórico”.

Já em 2015 o museu foi fechado por falta de verbas. Um esforço mínimo de pesquisa revela problemas ao longo dos últimos 20 anos, pelo menos.

A rigor a possibilidade de eventos presentes afetarem de alguma forma o passado, contrariando as leis da Física, não é um argumento novo: não faltam economistas que atribuam a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 à política econômica de Joaquim Levy, que assumiu o cargo de ministro da Fazenda no começo de 2015. De que vale, porém, a lógica face à “narrativa”?

Também não é verdade que tenha havido uma redução generalizada de gastos públicos, muito pelo contrário. Medida a preços de 2017 a despesa dos 3 níveis de governo subiu de R$ 2,7 trilhões em 2010 para R$ 3,1 trilhões em 2014 e R$ 3,2 trilhões no ano passado, aumento de R$ 520 bilhões. Já o investimento público caiu de R$ 180 bilhões em 2010 para R$ 175 bilhões em 2014 e meros R$ 80 bilhões em 2017.

O problema nunca foi falta de dinheiro, mas a definição de prioridades para seu uso. Preferimos gastar R$ 112 bilhões a mais com a remuneração de empregados e R$ 294 bilhões a mais com benefícios sociais (dos quais 38% representam aposentadorias e pensões de servidores públicos, 54% são gastos previdenciários do INSS e apenas 8% representam benefícios de assistência social).

…A verdade é que estão matando a galinha dos ovos de ouro. Na busca insaciável para extrair renda do resto da sociedade os grupos de interesse, sobretudo do funcionalismo, estão nos levando a uma situação falimentar.

Apesar disso, os que hoje rasgam as vestes em público pela tragédia do museu são os primeiros na fila para manter o estado das coisas, seja se opondo à reforma da previdência, seja no apoio a medidas como elevação de salários no setor público, seja, por fim, deixando claro em seu programa de governo – em direta contradição com a realidade – que o remédio para o país consiste em… gastar mais!

A verdade é que estão matando a galinha dos ovos de ouro. Na busca insaciável para extrair renda do resto da sociedade os grupos de interesse, sobretudo do funcionalismo, estão nos levando a uma situação falimentar.

A defesa de novos impostos para acalmar sua fome já se mostrou equivocada: a história dos últimos 20 anos de gastos federais mostra que quanto mais se arrecada mais se gasta e mais se gasta mal.

Se não mudarmos esta história o desastre do domingo passado será apenas o alerta dos outros tantos que ainda haveremos de enfrentar.

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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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