Inteligência nanica
Nunca entendi porque a banana nanica tem este nome, já que quase todas as outras bananas são bem menores do que ela. Há pouco, porém, tive uma epifania. Segundo artigo publicado recentemente nesta Folha o estado brasileiro é nanico, o que me trouxe uma revelação inesperada: “nanico”, seguindo as regras do duplipensar orwelliano, deve ser exatamente o contrário do que nos informam os dicionários (pequeno, acanhado), resolvendo o mistério milenar que cercava tão saboroso fruto.
No artigo o autor apresentou um trabalho empírico sólido para caracterizar a pequenez do Estado nacional: enquanto a Bélgica e a Holanda apresentam respectivamente 310 e 227 fiscais de impostos por 1.000 km2, o Brasil tem apenas 0,9. Por este raciocínio, o país deveria ter entre 1,9 e 2,6 milhões de fiscais de impostos, alguns dos quais responsáveis pelas áreas densamente povoadas da Reserva Raposa do Sol, garantindo que se respeite o sagrado direito dos ianomâmis pagarem impostos (mesmo porque os fiscais terão que ser pagos, não?).
Trata-se de uma revolução analítica: ao invés de normalizarmos as variáveis macroeconômicas (gasto, tributação, investimento) pelo PIB, passaremos agora a fazê-lo pela área. Graças a isto o Brasil, em vez de simplesmente ganhar o grau de investimento, passará direto à categoria AAA (mínimo risco) quando a dívida pública for medida com relação à extensão territorial.
Não mais teremos que explicar como o funcionalismo (federal, estadual e municipal) consome cerca de 15% do PIB, nem como um país com apenas 5% da população acima de 65 anos consegue gastar quase 14% do PIB em aposentadorias e pensões, o equivalente ao que gastam países com uma proporção de idosos três vezes superior à nossa. Outras comparações vexatórias, como o fato do consumo público (pela definição de contas nacionais) atingir 20% do PIB, contra uma média de 13% do PIB no caso dos demais países grandes da América Latina, também perderão o sentido. A fúria neoliberal terá que ser dirigida a Vanuatu, Singapura e ao Vaticano, com perdão do Santo Padre.
Também ignoraremos que os gastos primários do setor público, incluindo transferências a pessoas, aumentaram cerca de 8% do PIB entre 1994 e 2006 (de 23% para 31% do PIB), trazendo consigo a carga tributária, que subiu 7% do PIB (de 27% para 34% do PIB, apesar da aguda escassez de fiscais) no mesmo intervalo. Afinal, basta se espalhar um pouco mais pela Amazônia…
Mas não. Se levarmos este raciocínio às últimas conseqüências, o gasto com juros também terá que ser medido com relação à área, e aí ficará difícil criticar o Banco Central. O melhor mesmo é usar dois pesos e duas medidas, e, de preferência, ignorar que o gasto com juros tem caído em relação ao PIB, sem mencionar, é claro, que a trajetória de queda da inflação no período pode ter algo a ver com a política monetária. E, óbvio, nem pensar nas implicações de uma taxa baixa de inflação em termos de bem-estar, seja pela estabilidade de renda real, seja pelo renascimento do mercado de crédito de longo prazo.
Como última alternativa, poderíamos simplesmente aceitar o mistério da profunda conexão entre o estado nanico e a banana nanica, jamais apreendida sequer por mestre Aurélio Buarque de Holanda. Só é preciso desenvolver a inteligência nanica necessária para a digestão de uma balela nada nanica.
(Publicado 17/Out/2007)
Quanto à banana nanica, segundo minha mãe que nasceu em Minas numa família de agricultores, o nome vem da bananeira, que é a menor de todas. Uma arvorezinha pequena que dá um cacho daquele tamanho… É um outro mote para este artigo, de produtividade alta para uma área pequena 🙂
Quanto ao artigo, o equívoco estatístico é bastante comum, e não só na nossa imprensa. Existe um excelente livro, hoje um tanto datado (reli há alguns meses antes de dar pra minha filha) chamado ‘A Mathematician reads the newspaper’ do John Allen Paulos, não me lembro se é assim que se escreve o nome do autor, que fala justamente sobre isso: Equívocos matemáticos perpetrados por jornalistas e economistas que não devem ser levados em conta. Desde que li passei a prestar atenção nas matérias econômicas e opiniões em geral dos jornalistas, e descobri que pouquíssimas são dignas de crédito, numericamente falando.
O remédio é fazer o que estou tentando: Educar o senso crítico dos filhos. O mundo não vai mudar…
Obrigado pela dica sobre a banana nanica Severino. Quanto ao artigo, eu não acho que se trata de equívoco estatístico não. Trata-se de um caso clássico do que os gringos chamam de “data mining”, isto é, você tem uma tese e sai procurando nos dados alguma evidência que sua tese é correta, desprezando todas as demais evidências que sugerem o contrário. Pura desonestidade intelectual.
Abs
Alex
A banana é chamada de nanica porque o pé é baixinho em comparação aos outros tipos de bananeiras.
Ironicamente esta metáfora poderia se aplicar ao Brasil: país economicamente nanico com frutos potencialmente grandes.
Alex
Como alguem que lê você desde “Sem almoço grátis” em latim (o meu é curto demais para arriscar escrever aqui) e feliz participante de algumas reuniões dos seus tempos de sell side, fico contente que você publique aqui os seus textos. Infelizmente não estou mais na sua lista do ABN.
Você podia pedir pra eles e publicar o seu diário com uns dias de atraso.
Um grande abraço
Luiz:
Falha minha. Já vou corrigir e te colocar na lista. Quanto a publicar aqui o material do ABN, vou checar, mas não sei se será possível.
Abs
Alex
É difícil fazer com que um nanico se renda. Hoje ele volta a escrever bobagem na Folha de São Paulo, valendo-se, dessa vez, de um estudo do Unafisco Sindical.
Sou Auditor-Fiscal e posso dizer que até muito recentemente nosso sindicato era uma aparelho do pensamento de extrema esquerda; provavelmente o estudo a que ele se refere foi escrito nesse período.
Ao apoiar-se nele, o nanico engole descuidado uma premissa discutível: faz parte da ordem natural das coisas a Aduana e a Administração Tributária de um país estarem reunidas um único órgão. No Brasil é assim, na maioria dos países não. Trata-se de um objetivo sindical legítimo que o Nanico tomou como Verdade Revelada. Os exemplos apontados no artigo de hoje foram pinçados da área aduaneira: combate ao contrabando e vigilância das fronteiras remotas. Mesmo na Aduana há uma divisão de trabalho, expressa no próprio organismo das repartições da Receita, entre a atividade de vigilância/repressão e a de controle do comércio exterior.
A primeira atua nos portos e nas fronteiras, enquanto a segunda trabalha em escritórios refrigerados em uma vintena de localidades no país que concentram 99% de todo o fluxo comercial brasileiro. As operações mais notórias da primeira são as rotineiras apreensões de badulaques em Foz do Iguaçu; a segunda, discreta, opera o Siscomex e é ignorada pela mídia. Não atentar para essas distinções é próprio de um cérebro nanico. Um caminho para o controle das fronteiras – mal sucedido desde os tempos de D. Manuel – seria a criação de uma força policial especializada. Hoje, os Auditores-Fiscais são selecionados por meio de concursos onde são exigidas matérias júrídicas e contábeis, não precisam ter vocação ou formação de polícia repressiva, mas isso seria outra discussão. O nanico parece que ouviu o galo cantar e não sabe onde…
Sds
Anônimo.
PS Durante a gestão anterior do Unafisco, o sindicato tornou-se patrocinador do Le Monde Diplomatique no Brasil, mediante uma contribuição anual de R$ 200.000,00.
Excelente comentário.
De fato, o que o Sicsú tenta fazer o tempo todo é achar uma evidência (qualquer uma) para provar sua tese, mesmo que a relevância dela seja muito restrita. Fez assim na escolha de um dado muito particular (e, que ele mesmo reconhece, discutível – cito: “quando apresentei os dados já esperava que a crítica fosse feita”) e faz, de novo, quando elege a fiscalização de fronteira como prioridade relativamente à análise do Siscomex.
São sinais claros de desonestidade intelectual.
Abs
Alex
Pois é, Alexandre Sch…(não vou me arriscar a escrever seu sobrenome, senão você pode se valer sarcasticamente, digamos, da mesma artilharia pesada que usou recentemente contra o Luís A. de Oliveira Lima).
Por falar em “desenvolvimentistas”, linha de pensamento e ação com a qual (jurassicamente!) ainda me identifico, ao ler os argumentos (!)do artigo inicial do Sicsú fiquei com a seguinte dúvida: parafraseando e complementando o Paulo N. Batista Jr., outro “desenvolvimentista” midiático, pelo jeito ( e tristemente) o serviço público não apenas emburrece (ele utilizou essa expressão “carinhosa” em referência aos “economistas do mercado”), mas também atiça o lado masoquista das pessoas. Juro por todos os (seus) juros que não me lembro de ter visto alguém dar a cara para bater duas vezes (no artigo e na tréplica), de um modo tão primário, simplista e descuidado. Mereceu apanhar pesado…
Para salvar os “barnabés”, ao menos dispomos no seu blog do excelente,sensato e muito bem escrito comentário do meu “primo rico” da Receita (também sou fiscal tributário, mas no nível municipal). Efetivamente é a melhor crítica aos textos do Sicsú.
Abraços
Neste espaço você não ouvirá críticas ao funcionalismo. Passei dois anos e meio no BC convivendo com funcionários exemplares, gente com vocação para servir ao país, com quem dá orgulho trabalhar.
Isto não quer dizer que não haja distorções sérias no gasto público brasileiro que devem ser analisadas e, na medida do possível corrigidas.
O que não é possível é aceitar um artigo cretino como o do Sicsú. É um insulto ao leitor…
E concordo com você. A tréplica conseguiu ser ainda pior que o original. Mas disto o Marcos Lisboa (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2610200703.htm) tratou muito bem.
Quanto ao meu sobrenome, não se preocupe. Eu sei bem o que é ter 9 consoantes em 11 letras. Só que, hoje em dia, é tão fácil fazer “copiar” & “colar”…
Abs
Alex
Bom dia Sr Alex,
Gostaria de saber o que o Sr achou do rebaixamento do Corinthians?
Gosto muito dos seus comentarios alinhados com o outrso consultores do mercado.
Saudacoes,
Anonimo
O rebaixamento (ainda) não aconteceu, mas, quando acontecer, será um dia feliz para o futebol mundial. Ficaremos livres da mediocriadade por, pelo menos, um ano.