Um modelo para discussão
O modelo abaixo é muito estilizado, mas, acredito ajuda a esclarecer alguns pontos da nossa discussão (e precisa ser estendido se formos tratar de outros pontos).
Uma suposição que poderia levantar suspeita se refere à ausência de produção no modelo e trata-se, de fato, de uma questão mais delicada. Não no sentido mais óbvio: se introduzirmos produção da forma habitual, as conclusões do modelo permanecerão: a oferta reage com sinal oposto à demanda e veríamos apenas movimentos menos pronunciados dos preços e mais fortes das quantidades.
Todavia, se, de fato, houver alguma externalidade associada à indústria, a ausência de modelagem da produção impede que tratemos do assunto. Como já expus minhas dúvidas sobre simplesmente supormos externalidades sem uma discussão mais rigorosa do que elas significam, não voltarei a este ponto.
Noto que o controle de capitais (neste modelo o equivalente a retornar as economias ao estado autárquico) pode desvalorizar o câmbio, mas certamente não melhora o bem-estar, pelo menos não no contexto do modelo como exposto. Fica aqui a sugestão para alterações que possam justificar o controle de capitais (vale externalidade, com as restrições já mencionadas).
Abs
Alex
* * *
Considere uma economia fechada com dois bens (comercializável, T, e não-comercializável, N), e seja e=pT/pN o preço relativo entre comercializáveis e não-comercializáveis. Por convenção medimos todas as variáveis em termos de comercializáveis. Definimos então o consumo agregado nesta economia como:
Supomos que esta economia receba uma dotação inicial de bens (perecíveis) comercializáveis (yT) e não-comercializáveis(yN), tal que o produto total seja:
Do lado das preferências, supomos que a função utilidade tenha a seguinte forma:
Como a função utilidade é Cobb-Douglas, sabemos que o consumidor irá alocar proporções constantes do seu consumo entre o bem comercializável e o não-comercializável, i.e.:
Em equilíbrio, como os bens são perecíveis, o consumo de não-comercializáveis precisa ser igual ao produto de não-comercializáveis e o consumo agregado precisa ser igual ao produto agregado. Portanto:
Usando (4) e (2) chegamos ao preço de equilíbrio entre bens comercializáveis e não-comercializáveis para uma economia fechada (não chamamos ainda este preço de equilíbrio de taxa real de câmbio, o que faremos quando permitirmos comércio internacional de bens e capital). O preço que equilibra o mercado é dado por:
O resultado é intuitivo: quanto maior a preferência por comercializáveis, mais elevado será o preço de equilíbrio; quanto maior a oferta de comercializáveis, mais baixo o preço de equilíbrio.
Usando (6) definimos o valor do produto em equilíbrio:
Considere agora que esta economia existe por dois períodos, de modo que o agente representativo tem que escolher sua trajetória de consumo nos períodos t e t+1. Usando os resultados em (4) podemos reescrever a função utilidade instantânea como:
O problema do consumidor é, portanto, maximizar:
sujeito a:
A solução deste problema implica a seguinte trajetória para o consumo agregado:
Esta equação é muito semelhante à equação de Euler a que estamos acostumados no caso de uma economia com um único bem, agora ampliada para o efeito da alteração esperada no preço de equilíbrio entre os períodos t e t+1. Em particular, no caso de uma expectativa de aumento deste preço (um encarecimento do bem comercializável), o consumo futuro (medido em comercializáveis) se eleva com relação ao consumo presente. Usando (6) chegamos aos determinantes da evolução do preço de equilíbrio:
Vale dizer, se a oferta de bens não-comercializáveis crescer mais rápido que a de bens comercializáveis no segundo período, o preço de equilíbrio também aumentará. Isto dito, no que se segue supomos (para simplificar) que as dotações crescem no mesmo ritmo, de modo que não há alteração do preço relativo entre os períodos t e t+1.
Como os bens são perecíveis, o equilíbrio requer que demanda e oferta se igualem a cada período. A taxa de juros que gera este equilíbrio (ou seja, a taxa de juros de uma economia fechada) é dada por:
Assim, quanto mais impaciente for o consumidor, ou quanto menor for a dotação inicial com relação à final, tanto maior será a taxa de juros.
Consideremos agora um segundo país, cuja economia tem a mesma estrutura que acabamos de descrever. Neste caso, seu preço de equilíbrio e sua taxa de juros em autarquia são dados por:
e
Para isolar o tema, suponha que estas economias são idênticas, com exceção do que se refere à sua taxa de desconto do futuro. Supomos em particular que o país-sede é mais impaciente que o país estrangeiro, de modo que sua taxa de juros em autarquia é superior à do país estrangeiro em autarquia.
Se permitirmos que estas economias comerciem, abrimos duas possibilidades intimamente relacionadas: (a) no caso do bem comercializável uma economia pode consumir mais que sua dotação (no caso do não-comercializáveis permanece a restrição sobre consumo doméstico ser igual à dotação); (b) o consumo agregado pode diferir do PIB. Vale dizer, estas economias podem agora registrar déficits ou superávits em conta corrente.
Se, para simplificar, supusermos que a elasticidade de substituição intertemporal seja unitária, a taxa mundial de juros, que equilibra demanda e oferta mundiais será uma média ponderada das taxas de autarquia do país-sede e do país estrangeiro:
onde
Neste caso, a taxa mundial é mais baixa que a que prevaleceria no país-sede em autarquia e mais alta do que a que equilibraria demanda e oferta para o país estrangeiro. Neste caso, o consumo agregado no país-sede tem que ser menor do que seria no caso da economia fechada.
No entanto, no caso dos bens não-comercializáveis, ainda vale a condição que o consumo tem que ser igual à dotação (já que o não-comercializável não pode, por definição, ser comercializado internacionalmente), i.e.:
Usando (4) chegamos à taxa real de câmbio no país sede, que equilibra a demanda e oferta por bens não-comercializáveis:
Usando (6) podemos comparar a taxa de câmbio de equilíbrio com a que prevaleceria no caso da economia fechada.
Dado que o consumo agregado em economia aberta é maior que seria no caso da economia fechada, mas, ambos os casos o consumo de não-comercializáveis é igual, para consumir além do seu produto o país-sede precisa consumir mais bens comercializáveis do que tem. Sua taxa de câmbio deve ser, portanto, mais apreciada em equilíbrio de economia aberta relativamente ao caso autárquico.
Vale dizer, o país mais paciente (o que apresenta taxas de poupança mais elevadas) tem também o câmbio mais depreciado. De forma consistente com isto, o país-sede registra um déficit em conta corrente no período t, enquanto o país estrangeiro registra um superávit em conta corrente no mesmo período, invertendo suas posições no período (t+1).
Obviamente, o país estrangeiro observa seu consumo e produto agregados mais altos no segundo período, em contraste com o país-sede, fato que poderia sugerir que o crescimento mais elevado estaria associado à taxa de câmbio mais depreciada, mas reflete apenas as preferências intertemporais de cada país. A notar que ambos os países melhoram em termos de bem-estar relativamente à situação de autarquia.
Tecnocratas…
O que seriamos sem vocês?
Adoro Tecnocratas…
Não sei o que seria do mundo sem vocês.
Um lugar pior, com certeza…
Seriam mais ignorantes…
Para um filme sobre o mundo sem tecnocratas, vide http://imdb.com/title/tt0387808/
“O” Anonimo
Alguns dias sem entrar no blog e perdi o bonde…
Alexandre, acho que vale dar ainda mais ênfase à implicação do modelo sobre bem-estar: ao abrir para o comércio, AMBOS OS PAÍSES MELHORAM – independente de iniciar com déficit/câmbio apreciado (por ser mais impaciente, ou mesmo por motivos não contemplados nesse modelo) ou com superávit/câmbio depreciado.
A Miriam Leitão publicou ontem no blog dela um elogio às medidas anunciadas pelo Mantega para estimular exportações e frear a depreciação do dólar (“Medidas anunciadas pelo ministro vão na direção correta”). Explicitamente: “As importações estão crescendo mais rapidamente que as exportações. Isso significa que no médio prazo poderemos ter problemas sérios de déficit na balança comercial.”
Desde quado déficit na balança comercial é “problema sério”? Adam Smith e Ricardo devem estar se revirando em suas tumbas; ainda estamos vivendo entre os fisiocratas, para quem a economia internacional é uma guerra – o sucesso de uns depende do fracasso de outros…
Me parece claro que superávit em conta-corrente, e não só na balança comercial, é um seguro contra turbulências externas, além de uma forma de adquirir ativos dos outros (lembra dos japoneses comprando toda a costa oeste americana?). No caso de um país com baixa poupança privada e poupança pública negativa, trata-se de um seguro muito caro.
De forma pedante: ninguém entende que I=S(famílias)+S(pública)+S(externa) e que S(externa em determinado ano)= – conta corrente.
Dessa incompreensão, ficamos a um passo da defesa das exportações, da restrições às importações, da defesa do saldo comercial, da política industrial, do cambio desvalorizado, bla bla bla.
Abs.
É Pedro. Muita gente (no Brasil e em outras lugares) ainda vê o BP como o equivalente da demonstração de resultados do país. Se negativo é porque estamos dando prejuízo.
O cretinão do Nassif não escreveu há pouco que não entendia (I-S) = (M-X)? Os comentários dele – estão no blog do Leonardo Monastério – são muito engraçados e reveladores de uma ignorância sobre o bê-a-bá econômico que assola boa parte da população e, de forma mais grave, pessoas que acabam tendo algum poder de decisão.