Uma pergunta difícil e o esboço de uma resposta

Recebi este comentário do Júlio (está no post sobre o Fundo Soberano – em inglês BS Fund). Ele faz uma boa pergunta. Não sei se tenho a resposta, mas vejam abaixo.

* * *

Logo acima, notei vocês estavam discutindo sobre a taxa real de juros brasileira e você fez uma menção à teoria do Pérsio, e gostaria, se possível, de saber sua opinião a respeito. As únicas críticas que eu vi a respeito deste debate vinham do pessoal da Unicamp e de várias universidades federais, e na verdade, me pareceram no mínimo estranhas, já que o Belluzzo e cia. advogavam que a conversibilidade plena da moeda não eliminaria as fraquezas “genético-estruturais” do real, dentre outras idéias similares.

Como você deve saber, o Arida – também o Bacha e Lara Resende, se não me engano – argumentavam que, em regimes de conversibilidade restrita, no processo de arbitragem entre juros internos e juros externos, o risco de imposição, por via administrativa, de restrições à liberdade de capitais teria como resultado taxas de juros em reais mais altas do que se poderia ter realmente (ou então provocando maior depreciação da moeda doméstica, ou os dois fatores juntos). Isto se deveria “ao risco da espada de Dâmocles” do Banco Central ser posta em uso, nas palavras do Pérsio, que teria como impacto maior taxa de juros em dólares requerida pelo credor (e com ela as taxas de juros em reais) em função de uma possível suspensão geral ou seletiva dos pagamentos ao exterior, racionando desta forma, as divisas por esta via de controles ainda disponíveis.

Por outro lado, a manutenção de regimes de conversibilidade restrita mesmo com taxas de câmbio flutuantes implicaria em maior prêmio de risco exigido (na formação das taxas de juros internas), uma vez que tal procedimento sinaliza ao mercado (desnecessariamente), segundo estes autores, desconfiança na moeda como reserva de valor. Ou seja, seria um reflexo da própria percepção do Banco Central quanto à (menor) qualidade do padrão monetário doméstico e da jurisdição brasileira, já que o estado de confiança nos mercados financeiros depende, em parte, da interpretação das políticas anunciadas pela autoridade monetária.

Logo, eu gostaria de saber sua opinião, se de fato, após quase quinze anos de estabilidade de preços, que certamente deve ter contribuído para uma maior credibilidade da moeda nacional e do Banco Central, a maior conversibilidade do real a ser implementada gradualmente, associado a um programa de melhoria jurisdicional (dentre os quais a independência efetiva do Bacen), se poderia reduzir em algum grau o patamar dos juros internos. É claro que também temos que considerar outros fatores importantes que sobrecarregam a política monetária, como por exemplo, o que já se sabe, o tamanho do gasto público, assim como as questões relacionadas à TJLP e crédito direcionado, como você mesmo expôs acima.

Então, você não acha que somado às políticas hoje consolidadas – câmbio flutuante, meta inflacionária, superávit fiscal primário – um programa gradual de erradicação dos controles no mercado de câmbio não poderia contribuir nesse sentido?

* * *
Júlio:

O Pérsio, junto com o Bacha e o André Lara Rezende, propôs a hipótese acerca das deficiências da jurisdição local (o que eles chamam de “incerteza jurisdicional”) estarem por trás das altas taxas de juros no Brasil. O Pérsio (sozinho) explorou um aspecto específico deste problema no que diz respeito à questão cambial, propondo a conversibilidade plena do real como maneira de reduzir a taxa local de juros.

Admirador confesso do trio não acho que o busílis esteja aí. Para começar, o Brasil não tem o monopólio da incerteza jurisdicional. Não preciso ir muito longe, só umas três horas de vôo ao Sul para achar uma jurisdição pelo menos tão ruim quanto a nossa e taxas de juros de equilíbrio consideravelmente menores. Aliás, um passeio pela região vai mostrar jurisdições piores com juros menores, o que me faz desconfiar da hipótese.

Há um trabalho do meu amigo (e brilhante economista) Andrei Spacov – salvo engano um dos papers da sua tese em Berkeley – no qual ele e mais dois colegas (Fernando Gonçalves e Marcio Holland http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/viewPDFInterstitial/1015/211) testam empiricamente a hipótese da incerteza jurisdicional e a rejeitam. Obviamente não é a palavra final sobre o assunto, mas eu diria que não se trata de resultado muito auspicioso para a hipótese.

Isto dito, no que se refere à conversibilidade, eu chamo a atenção para a mudança dramática da regulamentação cambial no país. Culminando (por enquanto) um processo de anos, a resolução 3265/2005 permite qualquer transação cambial, exceto aquelas que sejam explicitamente proibidas por lei (poucos casos, p.ex.. remessa de dividendos ou juros sem contrapartida de ingresso anterior de capital).

É verdade que se trata de mera resolução do CMN, podendo ser mudada a qualquer momento. É também verdade que tanto a Lei 4131 quanto a Lei 4565 prevêem que o CMN possa, por resolução, fechar completamente o país a ingressos de capitais. Mas, mesmo assim, acho que há um problema com esta abordagem.

De alguma forma ela se ancora na noção da comparação da taxa real de juros no Brasil com taxas no exterior, i.e., na paridade de taxas reais. Esta é uma condição de equilíbrio externo; não me diz nada sobre crescimento da demanda relativamente à oferta, expectativas e todo o mais que cerca a questão do equilíbrio interno.

Por este motivo eu acho que caminhos mais promissores para explicar o mistério dos juros altos no Brasil passam pela segmentação do mercado de crédito e pela política fiscal, em particular pela expansão fiscal extraordinária dos últimos 14 anos (um aumento de 8% do PIB no gasto primário, correspondendo a cerca de 50% do PIB marginal do período).

P.S. Falar em “fraquezas ‘genético-estruturais’ do real” como faz este pessoal sem especificar quais estas são é uma tremenda não-resposta. Palavreado bonito, analogias aparentemente inteligentes, mas vazias, vazias. Lembra o “Fashionable Nonsense” de Sokal & Bricmont.

15 thoughts on “Uma pergunta difícil e o esboço de uma resposta

  1. PENSO ASSIM:
    As taxas de juros (como o câmbio) respeitam o princípio da trindade: SEGURANÇA (o meu capital); LIQUIDEZ (o mercado dá liquidez ao título? ele é negociado com facilidade?); RENTABILIDADE (a taxa de juro).
    Se um devedor sozinho deve perto de 48% do PIB (com vencimentos de 1 a 24 meses), claro que tem que recorrer ao mercado sistematicamente. Acrescente o déficit fiscal nominal (girando entre 1,5% a 4% do PIB). Acrescente mais ainda: o vice presidente, o MF, POSSÍVEIS ASSESSORES NÃO OFICIAIS DO PRESIDENTE, príncipes do PT, vivem dando declarações que passam INSEGURANÇA ao mercado (só falam asneiras, prece até que são apostadores da BM&F). O G representa perto de 43% do PIB. A qualidade do G é das piores. Sobram 57% do PIB para que a iniciativa privada faça a economia rodar e poupe pera financiar a dívida pública. Acrescente mais ainda: dos 43% do PIB que representam o G (consomem mas não produzem), parte insignificante representa investimentos (aumentariam a oferta no futuro ou a infra-estrutura). É por aí (sem mágica, só com bom senso).
    UMA PERGUNTA: para quanto iria a taxa de mercado se o BC fosse entregue a um MÁGICO (Mantega ou outro qualquer da UNICAMP, FGV-SP).
    UM ECONOMISTA LIBERAL MONTARISTA.

  2. Alexandre,

    gostaria que você comentasse o artigo escrito hoje (ontem, na verdade, pois já é madrugada) pelo Clóvis Rossi na Folha.

    Segundo o jornalista, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo teria, há algum tempo, colocado “em perspectiva os méritos do Plano Real na derrota da inflação ao lembrar que o dragão fora abatido no mundo inteiro. O Brasil, portanto, apenas surfara na onda.”

    Surfistas ou montanhistas, o que somos?

    Abs.

  3. Alex,

    Acho que a defesa que o Persio e Cia. fazem da incerteza jurisdicional é pouco fundamentada. Como vc bem mencionou, existem países mais “complicados” e com taxas de juros reais mais baixas. Acho que a formação da taxa real de juros passa, dentre outros fatores, pelo tamanho e perfil da dívida pública, pela estrutura bancária e sua relação com a autoridade monetária, pela situação das contas do governo , pelo histórico de calotes do país, pelo grau de abertura da economia e seu impacto nos preços e pela estrutura de oferta da economia frente a demanda agregada.
    O que acha?
    Abç.

    M.

  4. O BELLUZZO NÃO É ECONOMISTA. É ADVOGADO. O TÍTULO DE ECONOMISTA É PRIVATIVO DOS BACHARÉIS EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS. PARA ADQUIRIR O TÍTULO TEM QUE PASTAR EM MATEMÁTICA E MUITO MAIS (ATÉ RESISTIR A PROFESSORES MÁGICOS). A SALVAÇÃO É QUE EXISTEM BONS LIVROS.
    NADA CONTRA NÃO SER ECONOMISTA E ENTENDER DE ECONOMIA, EXISTEM MUITOS E ÓTIMOS (MAS UTIZAR O TÍTULO É ANTIÉTICO). MÁGICO UTILIZAR JÁ É DEMAIS.

  5. (1) Temos que primeiro separar as questoes. Os juros cobrados do setor privado sao altos por varios fatores sobre os quais existe pouca discordia: alto compulsorio, emprestimos direcionados (directed lending), cunha fiscal, falta de competicao entre os bancos (vide paper do Joao Manoel da PUC) e o ALTO NIVEL DA TAXA BASICA.

    (2) O alto nivel da taxa basica se deve a varios fatores, entre os quais, o conservadorismo do Bacen, a prociclicalidade da politica fiscal, o alto nivel e perfil curto da divida publica e a incerteza inerente a um pais que vem de hiperinflacao e calotes e AINDA NAO equacionou seus problemas fiscais.

    (3) Finalmente, eu discordo do Alex quanto a taxa de equilibrio, pode ser que seja uns 4-6% mesmo, isto eh, nao ha nada que me sugira que a taxa real de equilibrio em nosso vizinho do sul ou na Venezuela nao seja 4-6%. Vide o que estah acontecendo com a inflacao deles como consequencia de taxas reais extremamente baixas ou negativas.

    “O”

  6. Quanto aaquilo que o Belluzzo disse, nao estah certo (como usual!).

    De todos os sul-americanos, a Venezuela foi aquela que menos fez reformas “neoliberais” e nao conseguiu reduzir sua inflacao durante os anos 90…

    O Equador foi o outro “aluno mal comportado” e acabou quebrando e tendo que dolarizar sua economia.

  7. E existe algum advogado no mundo que entenda de economia? Ou algum político? Ou alguém na Unicamp ou na FGV-SP que possa ser levado a sério em termos de teoria econômica? Tive aulas com o Mantega na FGV-SP e tenho muito medo do que poderá acontecer quando o Meirelles sair. Boas apostas na BM&F!

    Sou obrigado a concordar com o pensamento simplista do nosso primeiro poster anônimo.

  8. Acho que um dos principais fatores para explicar a elevada taxa de juros real de equilíbrio brasileira no passado era a elevada incerteza inflacionária. Isso pode ser visto de maneira bastante clara comparando os juros reais ex-ante e ex-post (de preferência uma taxa de mercado, como o swap 360). Pode-se notar que até meados de 2005 o juro real ex-post quase sempre se situava abaixo do ex-ante (a diferença média entre eles entre 2000 e 2005 foi de 2,2 pontos percentuais!!!). Essa “frustraçâo” de juros reais esteve em grande parte associada a depreciações agudas e repentinas da taxa de câmbio. Nesse sentido, a establização do Plano Real na minha visão foi incompleta, pois reduziu (com sucesso) a inflação corrente mas não diminuiu na mesma proporção a incerteza inflacionária associada à vulnerabilidade externa. Esse ponto parece estar sendo superado (não é à toa que recebemos o investment-grade). Além disso, outro fator importante para explicar o juro real elevado (este ainda presente, embora venha melhorando), que também não foi atacado nos 3 anos pós Real foi a questão fiscal. De um lado, a evolução do gasto público (com destaque para as políticas de transferência) que pressionou a demanda agregada. Do outro lado (e refletindo em grande parte a lassidão fiscal de 1995-1998), a dívida pública, que por ser elevada, relativamente curta e com peso de papéis pós-fixados ainda elevado, cria uma necessidade bruta (déficit nominal + rolagem) de financiamento bastante elevada, gerando um efeito de crowding-out no mercado de fundos emprestáveis. A hipótese da incerteza jurisdicional realmente me parece fraca para explicar o juro real elevado.

  9. A taxa mais negociada da curva de juros do mercado (em volume), é a mais próxima do equilíbrio (é a aceita pelos agentes interessados e que têm valor em jogo). No Brasil tem sido o DI 360 (ontem foi a de jan./2010). Taxa básica menor do que a mais negociada da curva longa, associada com juros negativos (critério: CDI – IRF – IGPM), e índices de preços ascendentes há mais de 6 meses (sendo que mais de 65% dos ítens subindo)é início de processo inflacionário (se não combatido adequadamente fica difícil de reverter). Sempre que a básica fica menor do que a taxa mais negociada da curva, os juros ficam negativos e a inflação sobe (acompanho isto há vários anos). É claro que a taxa de mercado responde rapidamente à melhoria da conjuntura e principalmente da confiança passada pelas instituições (incluído aí uma equipe econômica afinada e com suporte presidencial e da mídia). BC independente ajudaria muito.
    Liberal-Monetarista

  10. Uma outra possibilidade eh que o BNDES, por oferecer credito subsidiado, consegue ser o financiador dos melhores creditos brasileiros (e.g. Vale), assim reduzindo a qualidade media dos creditos que recorrem ao setor financeiro privado, criando um problema de limoes.

    “O”

    P.S. Entretanto a diretoria do BNDES recentemente tem tentado resolver esse problema. Ao financiar a aquisicao do Swift pelo JBS provavelmente a qualidade media dos creditos recorrendo ao sistema financeiro privado aumentou 🙂

  11. “Por este motivo eu acho que caminhos mais promissores para explicar o mistério dos juros altos no Brasil passam pela segmentação do mercado de crédito e pela política fiscal, em particular pela expansão fiscal extraordinária dos últimos 14 anos (um aumento de 8% do PIB no gasto primário, correspondendo a cerca de 50% do PIB marginal do período).” trecho do ALEX.
    A vontade de expressar uma idéia nos faz esquecer de elogiar e agradecer ao Alex SUA AULAS GRATUITAS.
    LIBERAL-MONETARISTA

  12. Alexandre, eu lembro de ter te enchido o saco mais de uma vez sobre o duplo equilíbrio das taxas de juros, uma suposição que você nunca refutou ou confirmou. Alguma nova opinião a respeito?

  13. Motumbo:

    Minha conclusão (já vem de 2002 quando escrevi o “How Tough Should You Be?”) é que o duplo equilíbrio não é uma explicação para as altas taxas de juros.

    Primeiro o equilíbrio com juro alto não é estável, i.e., qualquer perturbação te jogaria para juro infinito (não é o caso) ou juro mais baixo (este sim estável).

    Segundo, as propriedades do equilíbrio instável são todas esquisitas e incongruentes com os dados. Por exemplo, um aumento do esforço fiscal AUMENTARIA a taxa de juros, um óbvio absurdo.

    Se quiser, me passe seu e-mail (pode ser no alexandre.schwartsman@hotmail.com.br) e eu te mando o paper.

    Abs

    Alex

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