Inflação é contagiosa?

Em artigos anteriores mostrei que a aceleração da inflação não decorre de um aumento do preço de alimentos, mas sim de um grau crescente de utilização dos recursos (capital e trabalho), resultado de uma demanda que cresce a uma velocidade superior à que a produção local pode suprir. Neste artigo examino outro mito acerca do aumento da inflação: a noção de que este deriva da inflação mundial mais alta. Segundo esta hipótese, a maior inflação mundial teria “contaminado” os preços domésticos, sem qualquer responsabilidade local. O corolário desta tese (como curiosamente parece ser sempre o caso) é que o Banco Central não deveria reagir a isto, uma vez que a raiz do processo inflacionário se encontraria em solo estrangeiro.

Proponho duas maneiras de auferir a validade dessa suposição. A maneira mais simples consiste em estimar, a partir dos dados de preços de exportação e importação calculados pela Funcex, qual é a inflação dos bens de consumo importados e exportados pelo Brasil. Sabendo a inflação destes produtos em dólar, basta convertê-la para reais usando para isto a variação da taxa de câmbio contra o dólar.

A maneira mais trabalhosa requer o cálculo da inflação no atacado dos principais parceiros comerciais brasileiros[1], cada qual em sua moeda, depois convertida em moeda doméstica pela taxa de câmbio do real contra as moedas destes países/regiões. Os resultados dos dois procedimentos são mostrados no gráfico.

Ambas as medidas revelam que, apesar da inflação externa ter aumentado, sua contribuição para a inflação brasileira é negativa ou próxima a zero nos últimos 12 meses, precisamente durante o período em que a inflação doméstica (e suas medidas de núcleo) aceleraram cerca de 2 pontos percentuais.

Isto ocorre porque o aumento da inflação internacional foi contrabalançado pelo comportamento do câmbio, resultando numa modesta contribuição no sentido de reduzir a inflação local. E, se é verdade que preços de alimentos subiram, a contribuição de outros preços foi no sentido oposto, como a inflação de bens duráveis, que ficou em apenas 0,5% nos 12 meses até maio.

Fica, portanto, difícil conciliar evidência acima com a hipótese de “contaminação” dos preços locais pela inflação internacional. Nem o Brasil pegou inflação da piscina do clube, nem se trata de caso contra o qual nenhuma medida doméstica possa fazer efeito. Pelo contrário, os dados sugerem que a aceleração da inflação tem raízes firmemente fincadas em solo pátrio e que, portanto, tanto taxas de juros quanto o controle de gastos públicos podem afetá-la.

No entanto, dado que a decisão de manter o superávit primário em 4,3% do PIB (onde se encontra desde janeiro de 2007) não implica contração fiscal adicional, parece claro que, mais uma vez, o fardo de ajuste recairá sobre os ombros do Banco Central.

[1] Zona do Euro, EUA, Argentina, China, Japão, México, Chile, Reino Unido, Coréia do Sul, Canadá, Venezuela, Taiwan e Índia. Estes países representaram 74% do comércio internacional brasileiro em 2007.

P.S Perdão pelo atraso, mas em viagem fica dificil.

(Publicado Jun/11/2008)

28 thoughts on “Inflação é contagiosa?

  1. Em ano eleitoral os gastos do governo costumam aumentar muito.
    Pode ser que no próximo ano o governo aperte o cinto para compensar os gastos de 2008.
    Demagogia é assim…

  2. boa alex…
    afirmações com comprovação sempre são oportunas, só quero ver a turma do contra com que argumentos vão rebater.
    [ ]’s

    joão carlos

  3. Alex… você viu a coluna do Delfim de ontem (11/06) na FSP?

    Primeiro ele elogia Marshall – que realmente era brilhante – depois critica o prduto potencial e a nairu. Gostaria de saber a sua opinião sobre esses tópicos.

    Parabéns pelas aulas desse blog!

    Marcelo

  4. Joao:

    Eu tambem gostaria de ver, mas acho que nao vai acontecer. Simplesmente sera ignorado.

    Abs

    Alex

    Marcelo:

    Nao, nao vi. Estou fora do pais (volto hoje, sexta) e nao tenho seguido os jornais. Depois escrevo com mais calma sobre estes assuntos. Apareca sempre.

    Abs

    Alex

  5. “Estou fora do pais (volto hoje, sexta) e nao tenho seguido os jornais.”

    Deve ser a viagem para receber as ordens do Zionismo internacional e dos bufunfeiros basco-judeus

  6. “importações não ajudaria a segurar a inflação?”

    Ia segurar a inflacao e o povo brasileiro no subdesenvolvimento cronico e miseria generalizada… Portas abertas? Bah! Livre mercado? Bah! Jah tentou exportar para os EUA? Eles nunca deixariam entrar produtos industrializados vindos do terceiro mundo… Nao sao bobos esses americanos, tarifas acima de 100%!!

  7. Anônimo:

    Tarifa de 100% sobre exportações de manufaturados de países de Terceiro Mundo nos EUA?

    Acho que não…

    Obviamente os lobbies de lá não são menos exploradores do que os lobbies daqui (é, os mesmos que te convenceram desta historinha de miséria e subdesenvolvimento crônico – se bem que seu comentário até que revela subdesenvolvimento crônico, mas em Economia).

    Quanto ao ponto do Jacob, não, importações não resolvem o problema da inflação (é só ver o que tem acontecido recentemente).

    Em primeiro lugar, há bens que não podem ser importados (ou exportados), os quais – diga-se – representam a maior parte da economia brasileira.

    Por outro lado, mesmo que este não fosse o problema, a demanda doméstica crescendo persistentemente acima do PIB pode ser mitigada pelas importações até certo ponto. Quando o desequilíbrio externo passa do sustentável, é a moeda quem apita e a inflação vem atrás.

    Nada contra importar mais, mas não é panacéia contra inflação.

    Abs

    Alex

  8. OA = DA

    Y + M = C + I + G + X.

    entretanto, o produto remunera Y, remunera os fatores de produção, convertendo-se assim em renda das famílias daí que toda a renda destinar-se-á a consumo, poupança privada (Sp) ou tributos T.

    Y = C + Sp + T

    assim, (C + Sp + T) + M = C + I + G + X, fazendo todos os algebrismos chegamos há

    (-X+M) = (I-Sp) + (G-T) ou

    (X-M) = (Sp-I) + (T-G)

    OU MESMO

    I = (M-X) + Sp + T-G

    assim se não errei pelo caminho

    I = Sext + Spriv + Spúb.

    Veja que Sext, poupança externa é o inverso do saldo da balança de exportação de não fatores – importação de não fatores, assim…

    dado que o governo é perdulário Spúb é quase negativa, Spriv. não sei como andam os dados, mas deve ter diminuido dado o aquecimento do consumo, daí para manter o nível de investimento a contabilidade nacional aponta que necessário é ter recursos externos financiando ou seja, déficits em transações correntes.

    Pode ser ruim, pode ser bom, depende da medida, mesmo porque I = FBKF + Var. Estoques.

  9. Perfeito Jacob: o aumento recente da taxa de investimento no Brasil tem sido financiada com uma redução do superávit em CC.

    Obviamente isto implica aumento do produto potencial, mas quanto? Se minhas contas estão certas, cada 1% aa a mais de crescimento potencial requer entre 4-5% do PIB a mais de investimento, e a capacidade adicional não se materializa instantaneamente.

    Em outras palavras, não há como sair desta situação pelo aumento do investimento, mesmo na margem financiado pela CC.

    Abs

    Alex

  10. “vc viu o documento lançado recentemente por uma comissão que participam, entre outros, Solow, Spence e o Bacha, defendendo uma maior presença do estado na economia?”

    Vi e eh uma desinformacao que tal documento “defende maior presenca do estado na economia”.

    “O”

  11. Alex,

    Entendo que a importação pode ajudar a inflação de várias formas: via competição de produtos importados destinados ao consumo das famílias, via aquisição de insumos mais baratos que serão incorporados a produção e pela aquisição de maquinas e equipamentos (tecnologia) que terão impacto sobre a produtividade da economia, sendo este último item importante elemento para explicar o aumento das importações quando estamos em crescimento.

    Vc coloca que o déficit em conta corrente é um constrangimento para que este efeito seja duradouro.

    Como vc vê a possibilidade de financiar este déficit através dos investimentos diretos da Conta de Capital? Estes investimentos sinalizariam uma queda da dependência por importações de maquinas e equipamentos no futuro?

    Abç.

    M.

  12. Olá Alex, muito obrigado pela explicação.

    Duas perguntinhas.

    Você tem ideía de qual a proporção entre bens comercializáveis e não-comercializáveis na economia brasileira?

    Há um tempo vc falou um pouco sobre a diferença de efeito entre a taxa de juros e o depósito compusório (mira laser e bazuca do rambo hehehe). Poderia falar um pouco sobre a diferença de efeito entre a taxa de juros e a diminuição dos gastos públicos na inflação?

    Abs!

    P.S O Chiang ta fazendo uma diferença na minha vida, hehehehe

    Valew

  13. Alex você não acha que estar sendo conservador quanto a importação?Economistas mais liberais como Paulo Guedes defendem abertura das importações que ajudariam a conter os preços.O comércio internacional no Brasil representa 25% do PIB quanto no méxico proximo a 50% do pib china proximo a 60% do pib.

    Tem um artigo que saiu no estadão “modelo asiático”
    Para seguir o ”modelo asiático” o Brasil precisaria poupar muito mais do que hoje poupa, e isso dependeria principalmente do governo. Não basta adotar o rótulo, como fez o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao anunciar medidas – todas de eficácia muito duvidosa – para conter a valorização cambial. A observação foi feita pelos economistas Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti, em artigo publicado segunda-feira no jornal Valor. Sem cumprir a condição apontada pelos dois economistas, a opção anunciada pelo ministro nunca será mais que uma fantasia: não haverá como evitar a valorização do real, de tempos em tempos, nem como garantir a manutenção de superávit nas transações correntes do balanço de pagamentos.

    O artigo recorda algumas noções básicas de economia, de vez em quando esquecidas em Brasília. Quando a soma dos gastos do governo, do consumo privado e do investimento privado supera a oferta interna de bens e serviços, ou quando o investimento é maior que a poupança interna, as transações correntes entram em déficit.

    A evolução das contas correntes nos últimos 60 anos, como recordam os dois economistas, é uma clara confirmação desse dado. Nas fases de crescimento acelerado, o Brasil tradicionalmente dependeu da poupança externa para obter o investimento necessário. Durante boa parte do tempo, o País manteve superávit na conta de mercadorias, mas o déficit em serviços foi sempre bastante grande para deixar as transações correntes no vermelho. Um déficit em conta corrente, poderiam ter lembrado os dois analisas, não é necessariamente um mal. Ao contrário: pode ser bem-vindo, se for mantido sob controle, se a corrente de comércio for muito maior do que tem sido tradicionalmente no Brasil e se forem preservadas condições de equilíbrio de longo prazo.

    Essas condições não existiram muitas vezes, no Brasil, e isso explica a freqüência e a gravidade das crises nas contas externas. As contas de governo foram geralmente o ponto fraco da política – ou o mais fraco, porque os governos brasileiros quase nunca se contentam com a violação de uma única boa norma econômica.

    No caso do ”modelo asiático”, o persistente superávit em transações correntes tem sido possível porque a poupança é sempre maior que o volume de investimentos. Para seguir esse modelo o governo brasileiro terá de aumentar a poupança do setor público. Em termos práticos, isso implicará um severo controle dos gastos públicos de consumo. Será preciso conter a expansão dos gastos correntes com uma administração muito mais severa do enorme volume de recursos captado anualmente pelo poder público.

    As despesas de custeio têm crescido muito mais que o PIB e essa tendência é confirmada em cada nova divulgação das contas do Tesouro. O superávit primário – resultado das contas públicas antes do pagamento de juros – só tem sido possível por causa da elevação contínua da carga tributária. Seja qual for o modelo preferido pelas autoridades federais – asiático, mexicano ou qualquer outro -, um dado é incontestável: nenhuma política de crescimento econômico será sustentável por muito tempo, se o governo continuar tomando para si parcelas cada vez maiores da renda produzida pelos trabalhadores e pelas empresas. Essa carga não é apenas pesada. É desastrosa, porque a maior parte desse dinheiro é usada para pagar despesas.

    Se escolher o caminho da seriedade fiscal, o governo contribuirá de várias formas para fortalecer as contas externas. Promoverá o aumento da poupança interna, eliminará um importante fator inflacionário e abrirá espaço para a redução dos juros, favorecendo um ajuste saudável do câmbio real. Ao mesmo tempo, tornará o País menos dependente do capital externo para financiar a expansão do investimento. Esse capital, no entanto, continuará a fluir – como ocorre na China – mesmo com transações correntes superavitárias.

    Se o governo arrumar suas contas, será muito mais fácil compatibilizar o aumento do consumo privado – com a conseqüente melhora do padrão de vida de milhões de brasileiros – com a necessária expansão do investimento. O ajuste da conta se dará pela contenção do consumo governamental. Não há segredo nem novidade. Só falta a disposição necessária para a adoção das políticas corretas.

  14. Jacob:

    Não tenho nada contra importar mais, mas acho que a experiência recente já mostrou as falhas deste argumento que, no ano passado, foi muito invocado para acelerar o corte de juros do BC, com resultados agora sobejamente conhecidos.

    No que se refere à questão fiscal, minha concordância é 100%.

    Abs

    Alex

  15. Lasse:

    Uma redução do gasto público ajuda, à medida que implica um menor crescimento da demanda doméstica.

    Num mundo 100% tradable isto não faria muita diferença para a demanda agregada, pois implicaria aumento idêntico da demanda externa (num mundo Mundell-Fleming sem restrições á movimentação de capitais).

    Num mundo com non-tradables, porém, ajuda e no Brasil há muito non-tradable. Para lembrar, serviços são 56% do PIB, aos quais somamos 3% das utilities e 5% da construção civil. Grosso modo, falamos de 64% do PIB de non-tradables.

    Pelo IPCA, cerca de 35% do índice (metade dos preços livres é de tradables). Há alguma medida extra entre os administrados (combustíveis principalmente, cujo preço não é determinado pelo mercado, mas podem ser transacionados internacionalmente). Isto dá algo como 60-65% de non-tradables, bem próximo ao cálculo anterior.

    Vale dizer, a política fiscal pode ajudar bastante, mas eu não tenho boas estimativas para uma resposta acerca do quanto.

    Abs

    Alex

  16. Alex as importações ajudaram muito a conter os preços ano passado,quanto importar mais é bom lembre-se que quando importamos mais estamos tirando real de circulação diminuindo sua ofeta.

    Cambio flutuante ele mesmo corrige o défcit,o problema nas importações foi termos sustentado cambio fixo além de ter mantido uma poítica fiscal frouxa.Mesmo com a desvalorização cambial durante a era FHC tivemos défcit’s na balança só a partir do governo Lula que os preços das commodities tivemos aumentos nos superavit’s comerciais.

    Se o Brasil fosse competitivo estariamos exportando produtos de valor agregado o que não estar aconteçendo,o que sustenta o superavit na balança comercial são as commodities se o FED começar a subir o juros para niveis de 7% as commodities teriam uma queda brusa de valor aumentando défcit na balança comercial.

    Quanto a inflação acho o corte poderia ter sido menor,mais o maior “pecado” foi o BC intervir na valorização do Real impedindo uma maior valorização da moeda que poderia estar em uma cotação mais baixa podendo ajudar no controle da inflação,sem contar que essas compras de dolares elevaram os custos fiscais das reservas porque o Brasil dava titulos em reais em troca de dolares.

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