Filme velho; final novo
A recente divulgação das contas nacionais até março de 2008 é um bom ponto de partida para a reflexão acerca do que vem acontecendo no balanço de pagamentos. Nos últimos quatro trimestres tivemos a seguinte composição do PIB: consumo privado, 61%; consumo do governo 20%; investimento, 18%; exportações, 13%; e importações, 12%, implicando um superávit externo (exceto juros e dividendos) de 1% do PIB.
Ao final de 2004 o superávit era de 4% do PIB, o mais alto dos últimos anos, revelando uma redução equivalente a 3% do PIB desde então. Comparando as contas nacionais para o final daquele ano com os dados acima descobrimos que o consumo privado aumentou em 1% do PIB, enquanto o consumo do governo se manteve em 20% do PIB (ou seja, a poupança se reduziu em 1% do PIB), e o investimento aumentou em 2% do PIB.Tais números devem esclarecer boa parte dos mistérios acerca do desenvolvimento das contas externas.
O país passa por um processo importante de elevação do investimento, que se traduz em elevação gradual de sua capacidade de crescimento. No entanto, se o investimento cresce como proporção do produto, os demais componentes da demanda têm que ceder, isto é, ou o consumo privado cai, ou o consumo público diminui, ou ainda o saldo em contas externas se reduz.Dadas nossas opções de política fiscal é claro que o consumo do governo não é encarado como variável de ajuste, e, já que ninguém quer reduzir o consumo privado, o que sobra para financiar o investimento é o saldo em conta corrente. Isto, diga-se, não é ortodoxia; é apenas aritmética. Considerando ainda que o investimento deva continuar subindo (assim como o consumo) em ritmo superior ao do PIB, não é difícil prever que – na ausência de um ajuste fiscal digno deste nome – as contas externas continuarão sendo a válvula de escape do processo. Não é por outro motivo que esperamos déficits crescentes à frente.
Isto dito, a história recente não associa boas lembranças a déficits externos. Déficits elevados na segunda metade dos anos 70 e 90 passaram por correções bruscas nos anos subseqüentes, levando à crise da dívida externa no início dos anos 80 e crises fiscal e financeira na virada do milênio. Será que veremos de novo o mesmo filme?
Acredito que não. A começar porque, ao contrário dos episódios anteriores, não vivemos hoje sob uma taxa de câmbio administrada. Em tais casos, o ajuste do câmbio é geralmente postergado até o limite do desastre. Sob câmbio flexível, porém, caso haja perspectiva de evolução insustentável do déficit, o mercado se encarregará da correção da taxa de câmbio, cabendo ao Banco Central apenas garantir que esta não se traduza em aumento equivalente da inflação, por meio de controle da demanda doméstica.
Além disso, não há mais o grande problema que caracterizou as crises mais recentes: uma elevada dívida em moeda estrangeira. Naquela situação a mesma variável que trabalhava pelo ajuste das contas externas (o câmbio), implicava forte deterioração das condições fiscais (pelo aumento da dívida pública) e financeiras (pelo seu efeito no endividamento das empresas). Nas circunstâncias atuais, pelo contrário, caso a moeda precise depreciar o governo ganharia (1% do PIB a cada 10% de desvalorização), assim como o setor privado, de modo que um eventual ajuste de contas externas não deverá causar os problemas do passado, para decepção daqueles que apostam o velho filme terá o mesmo final.
(Publicado 25/Jun/2008)
uma pergunta, você é a favor da intervenção do BC com aumento da compra de dólares?
Todo mundo do governo defende a ação do BC para comprar dolares pois previne o Brasil “contra ataques especulativos”.não estamos mais em 97-99 O real é uma moeda com considerável risco político mas que oferece grandes ganhos para carry-traders. O ‘ataque’ é exatamente ao contrário. A ação do BC incentiva esses especuladores, pois em caso de desvalorização do real eles vão estar protegidos pelos estoques do BC.
Se o governo não tivesse interferido tanto no cambio ele poderia se valorizar mais contribuindo para o controle da alta inflação no Brasil que mesmo em 4,5% é conssiderada alta.
olá alex!
otimo comentário, os jornais já divulgam nuvens carregadas no horizonte, será que muitos querem acabar com a festa? creio que seria de bom tom perguntar, a quem esta pela primeira vez participando do evento, se ele gostaria de sair no melhor da festa!!
[ ]’s
joão carlos
Que presuncao, Alex!
Voce acha que sabe mais economia que o Bresser? que o Sicsu? que o Nassif?
Jacob:
Meu argumento em favor da acumulação de reservas é exatamente o que mostrei no artigo: evita que a correção seja ampliada pela estrutura de dívida, como ocorreu em 99, 01 e 02.
Por outro lado, não evita que o câmbio desvalorize; apenas que não haja exageros. Neste sentido tira um tanto do risco cambial, mas não elimina, portanto não geratanto incentivos para o “ataque especulativo” às avessas.
Por fim, como toda intervenção cambial é esterilizada, as chances dela afetar a trajetória do câmbio são muito baixas.
Abs
Alex
Anônimo:
Aí também é sacanagem…
Abs
Alex
Inglatera se deu mau intervindo no cambio em 92 que incentivou a ação de Soros( nada contra) que promoveu uma bela de uma estrategia,quanto a acumular dolar não acho vantagem estamos trocando divida cara por dolares que além disso essa não intervanção poderia ter deixado o dolar se desvalorizar mais ajudando na inflação (junto com uma polotica monetária mais conservadora),com o anuncio do FED o dolar ta 1,59 e aí o BC vai continuar acumulando reservas para evitar uma queda maior?
Quanto a política do FED de “Salvar o mercado” você acha ela correta? visto que inflação se combate com juros eles fazem o inverso.
Ótimo artigo Alex!
Para acabar com os argumentos dos quermesseiros de uma vez por todas agora só falta aquele artigo explicando o porque da Selic real ser tão alta no Brasil.
Sds,
Ed
Quanto a SELIC ser alta ou nao, acho que esse assunto vai perder a relevancia, porque o mundo inteiro esta em processo de aumentar as selics…
Alex,
Só uma perguntinha não relacionada ao assunto: O que você acha da chamada escola austríaca?
Há algum tempo leio os livros de Hayek, Mises, etc, além de frequentar os blogs do pessoal da George Mason, principalmente o do Tyler Cowen. Acredito que a maioria dos economistas é mais utilitarianista (não sei se esse termo é o correto), já que parecem aceitar maiores funções para o Estado desde que isso se traduza em melhoria do bem-estar geral. Há também uma maior preocupação com a desigualdade social (os tais índices de gini), algo que seria completamente rechaçado pelos liberais austríacos. Em qual corrente de pensamento você se enquadraria?
abraços
Alex estudo na eesp e perguntei a Nakano e Bresser porque o Brasil cresce pouco e temos um juros altos e inflação alta também.Eles me falaram que o Brasil cresce pouco em relação a China e Índia porque temos uma taxa de juros alta que favoreçe a entrada de capitais especulativos valorizando o cambio,o dolar valorizado impede as exportações brasileiras além de que causa problema nas contas externas.
A solução deles foi o Brasil cortar juros para aumentar o superavit fiscal e estimular a produção cortes nos gastos do governo cambio administrado para garantir as exportações e manutenção nas contas externas,é pura demagogia do BC aumentar o juros pois a inflação é importada se o Brasil baixasse o juros poderiamos ter um maior controle da inflação porque a produção aumentaria.
Coluna do Clóvis Rossi hj na FSP:
“Sou dos que acreditam, como uma meia dúzia de economistas não ortodoxos, que bom tamanho (crescimento) para o Brasil é 7%, por aí. (…)”
Eu sou dos que acreditam, como muitos ortodoxos, que o bom para o Brasil é 10%, ou 15%, ou 25%… por quê não?
Se é pra escolher um número, fechar o olho e assoprar a velinha pelo menos pense grande.
Marcelo
P.S. O pior de tudo é o “por aí” depois dos 7%…. precisão matemática de quermesseiro é punk.
Alexandre,
Seu post me fez lembrar de uma reportagem na Folha de ontem, (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2606200802.htm) que diz que o governo tentará aumentar seu superavit primário também pelas estatais.
Essa medida é mais uma decisão infeliz do governo, tentando cortar gastos públicos da maneira mais cômoda para o executivo
ou é uma forma válida de tentar diminuir a demanda agregada e segurar a inflação?
Outra pergunta é a seguinte. Se o hiato do produto fica cada vez menor há a pressão inflacionária, certo? Uma saída seria aumentar o produto potencial e a oferta de bens disponíveis. Mas essa tentativa de aumento da capacidade produtiva também não seria uma pressão adicional na demanda já aquecida, trazendo mais inflação? Essa dinâmica acontece de fato ou é coisa de livro texto?
Abs,
AL
anonimo:
Não vou comentar sobre a opinião do Nakano e do Bresser sobre política econômica porque o Alex já tratou (muito bem) desse assunto num post a uns três meses atrás, é só procurar.
O que mais me espanta desse seu comentário é o argumento que a inflação brasileira é “importada”.
Ora, qquer economista razoavelmente bem informado (professores universitários deveriam pertencer a esse conjunto) sabe que apesar de haver inflação nos produtos importados pelo Brasil, a variação cambial mais do que compensou esse efeito, ou seja, podemos estar até “importando” deflação ao invés de inflação.
ED
Marcelo:
100% de concordância (aliás, se for para usar a matemática quermesseira, 120% está bom…).
Luiza:
Tenho a impressão que é a forma mais cômoda mesmo (é onde há mais flexibilidade), mas preferiria que fosse nos gastos correntes do governo federal.
Quanto à história de aumentar o investimento para aumentar a oferta e reduzir a inflação há uma inconsistência básica, que exploro no post acima deste. De fato, o investimento tem efeito maior sobre a demanda que sobre a oferta (isto para não mencionar a defasagem entre o investimento e a ampliação da oferta).
Ed:
De fato a história da inflação “importada” está fazendo mais estrago do que deveria. Imaginei que tivesse liquidado este assunto (ao menos para os vistantes deste blog http://maovisivel.blogspot.com/2008/06/inflao-contagiosa.html), mas aparentemente não.
Abs
Alex
“Há algum tempo leio os livros de Hayek, Mises, etc, além de frequentar os blogs do pessoal da George Mason, principalmente o do Tyler Cowen. Acredito que a maioria dos economistas é mais utilitarianista (não sei se esse termo é o correto), já que parecem aceitar maiores funções para o Estado desde que isso se traduza em melhoria do bem-estar geral. “
Os austriacos tem em comum com os nossos u-efe-erre-jotas a ojeriza a argumentos formais e matematica, e uma tendencia ao dogmatismo. A unica diferenca eh que sao de direita.
Trabalhando em uma instituicao financeira internacional, uma das maiores barbeiragens que vi um economista fazer veio de um “austriaco” que uma vez foi a um pais com metas de inflacao, e queria dizer para as autoridades que se eles perderam a meta ano passado, esse ano eles deveriam compensar…