Do lado certo
Reproduzo abaixo o artigo do Elio Gaspari sobre o Ipea (depois de ter a atenção chamada para o assunto por um dos leitores do blog). Em geral o Gaspari está do lado errado. Desta vez não.
O comissariado está destruindo o Ipea
O COMISSARIADO petista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, está destruindo uma instituição sacrossanta surgida em 1964 e respeitada até mesmo pelas bruxas da ditadura. Fazem isso com a grosseria dos bolcheviques e os instintos manipuladores dos economistas de Néstor Kirchner. O último golpe da moçada foi a alteração da periodicidade da divulgação de projeções pela Carta de Conjuntura, uma publicação trimestral do instituto, criada em 1986.
Mais: embargaram a divulgação de projeções macroeconômicas que já haviam sido mandadas para a próxima publicação. Pior: mantiveram um cenário de previsão do aumento do consumo entre 3,3% e 5%, quando cálculos já fechados indicam que a expansão poderá ficar entre 6% e 8%. Esse texto foi reescrito por pessoas que se julgam detentoras da visão genial do problema. Isso tudo acontece sob o guarda-chuva do ministro Mangabeira Unger, que até bem pouco tempo trabalhava em Harvard, e do professor Márcio Pochmann, vindo da Unicamp.Segundo o companheiro Miguel Bruno, que dirige a Carta, “o Ipea não quer alimentar especulações do mercado”. Falso, o negócio é não provocar expectativas ruins na sociedade.
Felizmente Bruno nunca operou no mercado, pois teria quebrado se esperasse dados do Ipea para fechar seus negócios. A turma do papelório dos bancos lida com projeções diárias muito mais refinadas. Além disso, o Banco Central produz e divulga análises de boa qualidade. O que o comissariado quer é brincar de felicidade.
Desse jeito, acabarão querendo orientar as pesquisas do IBGE. O mercado, ao contrário da roubalheira e do aparelhamento do Estado, é uma coisa essencialmente boa. Os países que seguiram sua dinâmica prosperaram. Os que tiveram idéia melhor, arruinaram-se.
Bruno foi além e disse que, “antes, o Ipea atuava em dobradinha com o mercado financeiro”. O comissário precisa definir “antes”, “Ipea” , “atuava” e “dobradinha”. Até lá, fica no ar a desprimorosa suspeita de que o instituto esteve dominado por uma cáfila de especuladores.
Havendo “antes”, há de haver “quem”. Está acontecendo no Ipea algo mais grave e primitivo do que o velho e bom disfarce das notícias ruins. Estão encostados ex-diretores recentes e pesquisadores de renome internacional, como Ricardo Paes de Barros. Foi ele quem fez as contas que puseram de pé o Bolsa Família.
PB, como é conhecido, continua no Ipea por amor à camisa da Seleção, pois teve vários convites para saltar. Um deles, da Universidade de Yale. Num astucioso episódio, o economista Fábio Giambiagi foi defenestrado e devolvido ao BNDES. O Grupo de Conjuntura, onde se discutem tendências da economia, foi expurgado. Isso no campo do patrulhamento intelectual.
Há também patrulhas funcionais. Já ocorreu caso de transferência, pelo telefone, de um economista que tinha mais de 20 anos de experiência num setor. O diretor de estudos macroeconômicos, doutor João Sicsu, jamais pôs os pés num seminário (exceção para uma homenagem a Maria da Conceição Tavares). Ele pode estar certo ao não usar o sistema de mensagens eletrônicas do instituto, mas isso não ajuda o bom andamento dos trabalhos.
Com 300 economistas, o Ipea tornou-se uma instituição desorganizada, convertida em orquestra e platéia do egocentrismo de seu presidente que, do pódio, oferece refogados de pesquisas velhas com farofas novas, ao gosto do Planalto. Falta aos comissários a generosidade profissional de chefes recentes, como Roberto Martins, que contribuiu para o reconhecimento de Paes de Barros. Caso o doutor Pochmann queira seguir um exemplo, pode prestar atenção na conduta do presidente do IBGE, Eduardo Nunes.
Se as práticas do comissariado petista estivessem em vigor ao tempo da ditadura, teriam sido afogadas as carreiras de economistas como Pedro Malan, Edmar Bacha, Regis Bonelli e Claudio Moura Castro. Foi graças a eles que os futuros petistas aprenderam (se é que aprenderam) de onde viria a crise da economia do Milagre Brasileiro.
Eu já estive numa defesa de doutorado na Unicamp, em na banca estavam Carlos Lessa, e Pochman. Ambos não demonstraram nada além de desprezo pela compilação dos dados do Ipea. E mostraram desprezo pelo IPEA.
Isso em 2006.