As lágrimas e os demônios de Walter Casagrande Jr. Coluna Mário Marinho
As lágrimas e os demônios de Walter Casagrande Jr.
COLUNA MÁRIO MARINHO
Foi surpreendente e emocionante o desabafo de Casagrande na tevê Globo, após a conquista da Copa do Mundo pela França.
Ele confessou que a Copa havia sido muito importante para ele pois ele havia chegado à Copa sóbrio e estava voltando para casa sóbrio.
Sóbrio quer dizer sem uso de drogas.
O Casão foi às lágrimas. Foi emocionante.
Mais do que emocionante, foi uma demonstração de coragem. Pois é preciso muita coragem, muita força, para expor fraquezas.
Casagrande fez sua estreia profissional no Corinthians em 1980, aos 17 anos.
Um ano depois, desentendeu-se com o técnico Osvaldo Brandão e foi emprestado à Caldense, da cidade de Poços de Caldas.
Voltou ao Corinthians, passou pelo São Paulo, Porto, Flamengo, Seleção Brasileira na Copa de 1986.
Há cerca de oito anos, quando estávamos vivendo a expectativa da Copa do Mundo da África do Sul, eu fui convidado pela empresária Silvana Mattos para participar de um evento.
Silvana tinha uma agência de promoção de eventos e fora contratada por uma empresa que iria realizar um workshop para seu grupo de funcionários.
Era ano de Copa e a Silvana colocou na programação a palestra de jogadores ou técnicos de futebol. E me contratou para tomar conta do assunto.
Resolvi, em acordo com ela, levar dois jogadores: Vladimir e Casagrande.
Vladimir por sua presença, liderança no movimento Democracia Corintiana e por sua vida pós jogador de futebol, sempre ocupando postos de liderança.
Casagrande como exemplo de superação.
Dois anos antes do evento, o mundo tomou conhecimento, após sério acidente de carro, de que Casão era dependente de cocaína e heroína.
Depois do acidente, ele foi internado em uma clínica de recuperação. Passou lá quase dois anos e estava voltando à vida normal e à televisão.
Quando fiz contato com ele e falei sobre a palestra, ele se assustou. O comentarista de tevê, sempre cheio de certezas, mostrou dúvidas que não acabavam mais. Disse-me ele:
– Marinho, eu não sei se vou dar conta. Não sei se consigo falar durante uma hora. Nunca falei em público sobre os meus problemas. Não sei se o pessoal vai se interessar. Olha, não sei se é uma boa.
Eu disse a ele que essa quantidade de dúvidas faria da palestra dele uma grande palestra.
– Não, não sei. Eu poso me perder no meio da palestra, esquecer o que vou dizer. Não sei.
Durante muitos anos, eu trabalhei na tevê Gazeta, de São Paulo, onde apresentei programas esportivos e até mesmo a Mesa Redonda que era líder de audiência na época. O Casagrande se lembrava da época inclusive por ter participado de alguns programas.
– Casão, disse eu, vamos fazer uma mesa redonda. A diferença é que participaremos só eu e você. Eu faço a abertura, apresento você e vou fazendo perguntas.
– Assim, acho que dá, admitiu ele.
E assim foi.
A plateia era composta de cerca de 100 executivos de uma empresa forte.
Casão chegou acompanhado de uma psicóloga que era o seu anjo da guarda: estava sempre ao seu lado, passando segurança.
Ele estava tenso.
Para descontrair, falei do começo de sua carreira, passagem pela Caldense, onde foi artilheiro, fui fazendo perguntas.
– E a briga com o Osvaldo Brandão?
– Foi uma bobagem. Seu Brandão era gente muito fina, mas eu era desmiolado.
Uns 15 minutos de conversas amenas e entrei no problema da droga.
Ele já estava solto e começou a falar sobre o problema.
Contou as primeiras experiências com droga ainda bem jovem. Contou a prisão que sofreu quando despontava como artilheiro do Corinthians.
– Aprontaram pra mim. Acharam maconha no meu carro, mas eu não usava maconha. Mas, garotão, cabeludo, ficando famoso eu era um prato cheio.
Quando eu sentia que a voz dele titubeava, entrava com alguma pergunta para dar-lhe tempo de recuperar, de respirar.
Ele falou sobre os demônios que atormentavam a sua vida.
– Tinha dia que eu corria para as drogas, pois, achava que não iria sobreviver. Havia alguém alguma coisa tentando me matar. Viva cercado de fantasmas, de demônios.
A plateia ouvia em tamanho silêncio que parecia que ninguém naquela sala respirava.
A palestra, que deveria ter entre 45 a 60 minutos, acabou durando hora e meia.
Ele falou, falou e falou.
Em alguns momentos, parava para respirar e enxugar alguma lágrima que teimava em sair dos olhos.
Foi bonito. Foi muito bonito.
Ao final, aplaudido de pé, alegre, feliz, sorridente virou-se para mim e disse:
– Consegui! Você viu?
Conseguiu sim, Casagrande. Conseguiu cm brilhantismo.
A sua luta continua, Casão.
Essa doença, a doença do vício, é muito perigosa. Ela vai e volta. É preciso estar sempre atento, não se pode vacilar.
Que Deus continue a lhe dar forças para vencer esses poderosos demônios.
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– Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS
NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
Ótimo artigo, pela forma e conteúdo. Gosto do Casão, independente de ser “vai curíntia” desde a tenra idade. O cara tem que surfar num tsunami todo dia e não se afogar. Vc fez certo, dar corda e apoio pra ele. Ao contrário daquele fdp do pai do Neymar que, em defesa do Peter Pan, seu filhinho birrento que não admite o mais tênuo comentário contendo corretivo profissional, saiu detonando o Casão mexendo nesse nervo exposto. Só sendo muito canalha e mau caráter pra fazer isso. E o filho vai pro mesmo caminho, o que me leva a concluir que quero que os dois se phodam redondamente. Eu e o Casão e milhões de pessoas não ficaremos tristes em ver a vida ensinar alguma coisa ao pai e filho papa-bíblia biliardário (que até agora o Neymar não sacou que já tem 26 anos, no calendário de atleta, é um tiozão. Jovem, garotão e divertido é o Mbappé, o menino-prodígio que agora faz o Neymar se unhar todo em autoflagelaçãoi pois será ele o protagonista do PSG não o pop star da Praia Grande).
A história do Casa Grande é incrível.
Gostei de saber que você tem feito a sua parte
(com este texto que me enviou hoje, por exemplo)
para ajudar o ex-jogador e seguir na
resistência à droga.
Muito boa, Marinho.
Reginaldo Leme
Marinho:
Acho que foi a crônica mais emocionante que já li de você!
Um abraço.
Toinho
MMarinho. O palco é sempre o mesmo. Mas nos bastidores, onde a cortina separa os atores da plateia, só quem está lá dentro vê o espetáculo da forma diferente como a vemos. Do lado de cá, me parece que a Globo tem muita responsabilidade nesse ato de recuperação do Casão. Não vj nenhuma citação a esse respeito. Trata-se de uma retaguarda muito…muito valiosa. Mas como disse, passa-se do lado de lá do palco e não vemos esse espetáculo.