O seguro de saúde é o problema, não a solução. Por Meraldo Zisman
O seguro de saúde é o problema, não a solução
MERALDO ZISMAN
… os planos de saúde tentam e – do jeito que vai, vão conseguir – livrarem-se desse grupo etário, tal qual lixo eletrônico, sem serventia. Ultrapassados.
São os planos de saúde quem criam o problema da inflação de preços dos serviços médicos. Aproveitando o véu da Copa na Rússia, o nosso desgoverno permitiu um aumento de 10% nas mensalidades – já estratosféricas – dos Planos da Saúde.
Aumentaram, em surdina, as mensalidades dos planos de saúde, apesar de a primeira instância da Justiça ter negado aumentos maiores do que a inflação oficial.
Assim, os brasileiros que contrataram planos de saúde individuais (cerca de 9 milhões de segurados, em sua maioria idosos) sofrem na pele o castigo por viverem mais. Com isso, os planos de saúde tentam e – do jeito que vai, vão conseguir – livrarem-se desse grupo etário, tal qual lixo eletrônico, sem serventia. Ultrapassados.
… Do ano 2000 a 2017, os planos de saúde ficaram 374,1 % mais caros.
O mais interessante é que as empresas de saúde tentam explicar tais aumentos dizendo que eles decorrem do fato de o perfil nosológico (parte da medicina que se dedica ao estudo e classificação das doenças) da população brasileira ter se alterado; que as doenças infectocontagiosas estão sobre controle, a mortalidade infantil foi diminuída e a população está envelhecendo em maior número, ou que a tecnologia médica está muito avançada e dispendiosa, ou ainda que tenham sido incluídos novos procedimentos médicos antes não cobertos pelos planos.
Eu diria que, graças a Deus, o brasileiro médio (da classe média urbana), melhorou da saúde apesar dos abismos da classe menos afluente em um país onde falta saneamento básico para metade da população.
Criam tabelas altíssimas com o intuito de aumentar a mensalidade. Do ano 2000 a 2017, os planos de saúde ficaram 374,1 % mais caros. O que é um absurdo e aponto as causas:
Primeiro: lembrem-se de que nenhuma companhia de seguros paga os preços de tabela, por elas próprias estipulados.
Segundo: quanto mais cara a lista de preços dos cuidados médicos, mais as pessoas se sentem compelidas a obter o seguro para protegê-las.
Terceiro: os altos preços dos cuidados médicos levam certos políticos, em sua infinita capacidade de tomar atitudes contrárias à Constituição (‘a saúde e a educação são deveres do estado e direitos do cidadão’), a forçarem as pessoas a adquirirem “seguros de saúde”, fazendo de conta que desconhecem os maiores responsáveis pela hiperinflação dos procedimentos médicos-hospitalares.
As três partes dessa transação: o médico (o provedor), o paciente (cliente) e a companhia de seguros (terceiro pagador) ou não são informados ou omitem os preços de tudo (da consulta ao internamento). Enquanto isso os administradores das clínicas e dos hospitais aceitam o convite e aumentam os preços da sua lista dos serviços. E ninguém batalha contra isso – nem os médicos, nem os pacientes. Os preços, e não os custos, dos cuidados médicos dispararam devido a esse sistema distorcido de financiamento de despesas médicas, conhecido como sistema “pagador de terceiros”, que na realidade é uma espiral de preços que se autoalimenta.
Nós, dos planos antigos, durante a juventude fazíamos uma poupança para que, quando alcançássemos a velhice e necessitássemos de maiores cuidados médicos, estivéssemos amparados.
… Não me venham dizer os CEOS desses planos de saúde que se o governo fornecer uma melhor estrutura regulatória, o mercado mais amplo assim criado poderá forçar a baixa dos preços.
Ficamos “ao Deus dará”.
Esquecem-se os proprietários dos Planos de Saúde de que já adiantamos o pagamento no passado, como se fosse um seguro para a velhice. Fizeram o quê com esse dinheiro arrecadado?
Os especialistas que têm em seus quadros aplicaram esse dinheiro, obtendo lucros, e agora tentam descartar os mais idosos, cujo tratamento de saúde é ‘mais caro’.
Não me venham dizer os CEOS desses planos de saúde que se o governo fornecer uma melhor estrutura regulatória, o mercado mais amplo assim criado poderá forçar a baixa dos preços.
O Mercado não resolve tudo e mesmo nos países liberais e adiantados a assistência médica é estatal. Os planos de saúde não são soluções para o atendimento e promoção da saúde de um país.
As companhias de seguro de saúde são o inimigo, odiadas pelos pacientes por cobrarem tão caro e se intrometerem nas decisões do médico, entre muitos outros aspectos negativos. Planos de saúde jamais resolveram o problema do atendimento médico-hospitalar de país nenhum.
Rever o SUS na perspectiva do interesse coletivo deveria ser prioridade máxima dos candidatos, nas próximas eleições.
A próxima campanha eleitoral abre aos partidos e candidatos a chance de enfrentar o problema com urgência, racionalidade e equilíbrio. Não lhes é permitido abstraírem-se da realidade: o sistema público de saúde é a única alternativa para o problema da saúde.
Não é por acaso que a saúde é a preocupação prioritária do povo. Repito: o direito à assistência médica está na Constituição de 1988. O SUS é a saída. Apesar de acreditar que respostas únicas não resolvem problemas complexos, essa é a exceção à regra.
Eu tenho certeza de que não é pelo aumento dos planos e soluções mercadológicas que iremos alcançar algum resultado nem retirar os problemas com a assistência de Saúde do primeiro lugar das preocupações do povo brasileiro — independente da classe econômica a que pertença cada cidadão brasileiro.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).