O último coronel do sertão. Por Aylê-Salassié F. Quintão*

O ÚLTIMO CORONEL DO SERTÃO

Aylê-Salassié F. Quintão*

…O sertão era tomado pelos coronéis.  Donos de terras extensas, eles tinham o monopólio do poder econômico, e exercia a sua hegemonia de maneira rançosa e violenta.  Só afilhados eram eleitos.  Em Pedra Branca esse papel cabia ao coronel Sabino…

SABINO CAVALCANTE – APROX. 1920

Tempos de eleição. Expectativas de retrocesso ou de modernização.  Em 2018 vive-se um tempo novo, de angústia, devido a falta de opção para a escolha de um candidato. Eles pipocam de todos os lados, tentando confundir, já que ninguém tem nada, de fato, a oferecer. No Nordeste da metade do século passado, isso sempre foi mais fácil. Sabino Cavalcante, o último coronel do sertão, reunia os cabos eleitorais da sua região, falava vagamente sobre o futuro e distribuía os envelopes fechados com as cédulas já marcadas.

Certo  dia, surpreendeu-se com alguém abrindo um envelope no fundo da sala. “O fulano você num sabe que o voto é secreto”.  As urnas de Pedra Branca eram as últimas a serem abertas. O coronel Sabino decidia, praticamente, o destino dos candidatos locais, estaduais e até federais.

Aproximei-me da família por meio de um companheiro de ativismo político,  cujas atividades clandestinas durante a luta armada registrei em um livro: “Codinome Beija-Flor”. Quando o fazia, lembrei-me de outro colega,  Albérico Cordeiro, ex-colega de jornal que se arriscou ser candidato a deputado federal. Era indignado com essa história de eleição no Nordeste, e resolveu fazer um teste, ele mesmo.

Vinha de Alagoas, mas no Ceará funcionava da mesma forma. Com visibilidade pública como jornalista,  conseguiu um sacrificado empréstimo no banco e, no interior, por onde passava, distribuía uma nota de R$10,00 entre os eleitores como garantia do voto. Ao retornar para conferir não encontrou mais seus eleitores. Um chefe político regional havia passado por ali distribuindo notas de R$100,00, algumas só pela metade. O restante viria depois do pleito, se ganhasse.  Resultado, Cordeiro foi preterido.

… Sabino era filiado ao Partido Social Progressista, de Ademar de Barros, mas não tinha – e não precisava – qualquer  contato com o diretório central. Também não o incomodavam. “Eram favas contadas”, assegurava Ademar…

O sertão era tomado pelos coronéis.  Donos de terras extensas, eles tinham o monopólio do poder econômico, e exercia a sua hegemonia de maneira rançosa e violenta.  Só afilhados eram eleitos.  Em Pedra Branca esse papel cabia ao coronel Sabino. E assim, ele elegia a si mesmo e aos parentes prefeitos, vereadores e deputados.  O padre, o delegado, o gerente do banco e  representantes de órgãos públicos  eram todos escolhidos por ele. As ruas e prédios públicos da cidade tinham o nome da família. Pedra Branca fica no alto da Serra, parece que na boca de um vulcão. Pois foi ali que a família se instalara cem anos antes. De cima podia ver longe quem atravessava o sertão.

Gabinete de Sabino – 1959

… Nem o padre Cícero, em Juazeiro do Norte, mais abaixo, se envolvia com Sabino Cavalcante. Mas recebia de Sabino todo apoio, por meio da associação às mobilizações dos coronéis contra a bandidagem. Certa vez, fizeram uma frente contra o grupo do Lampião.

Os partidos de então não se incomodavam com a forma de fazer política na região. Sabino era filiado ao Partido Social Progressista, de Ademar de Barros, mas não tinha – e não precisava – qualquer  contato com o diretório central. Também não o incomodavam. “Eram favas contadas”, assegurava Ademar. Quando encontrava alguma resistência ele, grande empresário em São Paulo, debilitava a resistência com a compra explícita do apoio. Às vezes não dava certo, mas as leis eleitorais eram muito frágeis.

Nem o padre Cícero, em Juazeiro do Norte, mais abaixo, se envolvia com Sabino Cavalcante. Mas recebia de Sabino todo apoio, por meio da associação às mobilizações dos coronéis contra a bandidagem. Certa vez, fizeram uma frente contra o grupo do Lampião. Os Cavalcante estavam lá. No combate à Marcha de Prestes, os Cavalcante de Pedra Branca não faltaram. Para administrar o sertão, no governo Vargas, o general Juarez Távora, não abria mão dessa frente.

Os Cavalcante, do Ceará, localizados no coração do estado, em pleno sertão entre  Tauá, Boa Viagem, Mombaça, Quixaramobim, Quixadá, Senador Pompeu, Acopiara, não eram os mesmos de Pernambuco, mas da mesma linhagem. Só mudavam o “ï” para “e “ no final do sobrenome Cavalcanti. Na Bahia, localizado em Lençoes, Horácio de Matos é tido como o último coronel do sertão. No Ceará foi Sabino Cavalcante.

Embora se diga que essa  estirpe tenha se acabado por lá, há também quem diga que o Sudene, Banco do Nordeste, o DNOCS e os próprios militares ao invés de modernizar o Nordeste deram-lhes sobrevida. Há quem diga que o maior golpe sofrido mesmo pelos coronéis no Nordeste teria sido o  Bolsa Família, que passou a concentrar o Poder no Palácio do Planalto.

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Aylê-Salassié F. Quintão*Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília.

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