A Petrobras e a relação com os consumidores . Por Rizzatto Nunes
A Petrobras e a relação com os consumidores
Por Rizzatto Nunes
Eu li, mais de uma vez, que o “mercado” (ah, o mercado, sempre ele…), o “mercado” elogiava muito a condução do ex-presidente da Petrobras que estabeleceu aumentos diários do preço dos combustíveis e, também, por meses em percentuais altíssimos. E são elogios que estão por todo lado. Não só o “mercado”, mas também muitos “especialistas” gostaram…
Já que nos últimos dias falou-se à exaustão da Petrobras e sua política de preços, resolvi meter minha colher no assunto para lembrar alguns pontos que, penso, são relevantes.
Inicialmente, lembro que a Petrobras não é uma empresa privada, que está no mercado para agir livremente obtendo o maior lucro possível a qualquer custo e independentemente das consequências de seus atos e estratégias. Não! Ela é uma empresa pública: uma sociedade de economia mista. E como tal, tem outros deveres, outras funções muito diversas, das que têm as empresas privadas.
A sociedade de economia mista (SEM), como se sabe, integra a Administração Pública Indireta. Apesar disso, é, por força de lei, pessoa jurídica do direito privado sob a forma de Sociedade Anônima, regulada e estabelecida, pois, pela Lei das S.A.
A SEM pode tanto explorar atividade econômica tipicamente privada de produção ou comercialização de produtos, como pode prestar serviços públicos. Mas isso não quer dizer que uma SEM — a Petrobras, por exemplo — deva atuar no mercado como uma mera empresa privada, visando exclusivamente ao lucro, utilizando de métodos capitalistas tradicionais (e, muitas vezes, altamente reprováveis) apenas e tão somente por estar estabelecida como S.A. Seus limites estão estabelecidos no próprio texto constitucional.
Com efeito, o caput do artigo 173 estabelece o imperativo de segurança nacional e de interesse coletivo:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”
O § 1º do mesmo artigo, por sua vez, permite, como acima referi, a exploração da atividade privada e a da prestação de serviços públicos:
“§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:…”
Também como afirmei, a SEM tem características de pessoa jurídica de direito privado, o que está firmado no inciso II desse mesmo § 1º:
“II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;”
Todavia, a SEM mantém características próprias das pessoas jurídicas de direito público, tais como a fiscalização pelo Estado e pela sociedade, além da exigência de licitação para contratação de obras, serviços, compras e alienações de bens, conforme fixado nos incisos I e III do mesmo §:
“I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; “
Além disso, ela deve se valer de concursos públicos para contratação de seus empregados (art. 37, incisos I e II da CF).
Muito bem.
Eu li, mais de uma vez, que o “mercado” (ah, o mercado, sempre ele…), o “mercado” elogiava muito a condução do ex-presidente da Petrobras que estabeleceu aumentos diários do preço dos combustíveis e, também, por meses em percentuais altíssimos. E são elogios que estão por todo lado. Não só o “mercado”, mas também muitos “especialistas” gostaram…
Deu no que deu!
É preciso admitir que algo tão importante como o preço dos combustíveis deve ser estabelecido não apenas com os problemas enfrentados no momento presente, mas também levando-se em consideração as consequências futuras. Não parece um equilíbrio fácil de se obter, mas que deve ser buscado de algum modo.
Naturalmente, não estou dizendo que a SEM pode ser usada para fins diversos daqueles para os quais foi criada. Ao contrário, quando isso ocorre, trata-se de abuso de direito. Esse abuso é caracterizado, por exemplo, quando o acionista controlador, valendo-se de sua posição privilegiada, busca atingir objetivo estranho ao do objetivo legal estabelecido na empresa. Nesse caso, há desvio de finalidade.
Há também abuso no exercício do poder, quando são ultrapassados os limites impostos por seu fim econômico ou social ou mesmo quando há violação ao princípio da boa-fé objetiva e até aos bons costumes.
Mas, veja-se bem. Se, de um lado, há desvio ilegal quando o acionista controlador esquece que a SEM é uma empresa privada com fins econômicos específicos e somente age em função do bem comum ou social, de outro, a busca apenas do lucro como se fosse uma empresa privada comum é também um desvio ilegal.
É do equilíbrio entre essas duas situações, legalmente estabelecidas, que se pode identificar uma boa e correta administração de uma SEM.
Esse deve ser o objetivo da administração de uma Sociedade de Economia Mista: estabelecer de forma clara e equilibrada a relação entre o interesse público e o privado.
Aliás, se é para agir como se a SEM fosse uma empresa privada comum, ter-se-ia que, antes, alterar o texto constitucional. Quem diz que uma empresa como a Petrobras pode agir sem esse freio legal, desconhece ou desconsidera as normas existentes.
Sei, claro, que não é fácil obter esse equilíbrio entre o interesse público e o privado, mas pergunto: não é por isso que os dirigentes dessas empresas ganham vultosos salários? Para fazer jus aos polpudos vencimentos, não devem, eles, cumprir os comandos legais?
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* Rizzatto Nunes – Desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.