Amanhã saberemos o desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre de 2009, cujo crescimento provavelmente será próximo a 2% sobre o segundo trimestre deste ano, ecoando a expansão da produção industrial superior a 4% no mesmo período. Não é à-toa, pois, que o Brasil é visto como uma história de sucesso, ainda mais considerando que a economia global ainda vive sob os efeitos da pior crise em mais de 70 anos. À luz, porém, de nossa nada lisonjeira história, cabe perguntar o que teria mudado para que, desta vez, nosso destaque fosse positivo.Quem pesquisar a questão a fundo deve concluir que foram as condições iniciais da economia brasileira no momento de deflagração da crise que possibilitaram a recuperação rápida do país. Estas condições foram: (a) um sistema financeiro sólido e capitalizado; (b) uma dívida pública bastante reduzida com relação à observada há alguns anos; (c) um balanço público em que os ativos em moeda estrangeira superavam os passivos; (d) expectativas de inflação sob controle; e (e) câmbio flutuante.De fato, ao contrário de boa parte do mundo, o sistema financeiro local – a despeito do impacto inicial do corte de linhas internacionais e do fechamento de mercado de capitais – não apresentou problemas de solvência que poderiam levar a um aprofundamento da crise local, como observado na Argentina em 2002, ou nos países asiáticos em 1997.Adicionalmente, a redução da dívida pública para 40% do PIB às vésperas da crise, bem como a mudança de sua composição (refletindo a posição do setor público credora em moeda estrangeira) possibilitaram que, em oposição a episódios anteriores, a política fiscal pudesse ser expansionista sem gerar uma preocupação com a solvência do governo. É verdade que esta política pouco teve de contracíclica, pois seu impulso (acrescido de outros tantos) irá perdurar mesmo com a economia em plena recuperação, mas não poderia sequer ter sido conjecturada não fosse a queda da dívida e a alteração no seu perfil.A política monetária também pôde desempenhar um papel anticíclico, à medida que expectativas inflacionárias se mantiveram ancoradas, apesar da massiva desvalorização da moeda observada no final do ano passado.Por fim, a depreciação da moeda, num contexto de colapso de preços de commodities e parada súbita de fluxos de capitais, mitigou consideravelmente o impacto negativo do choque externo. Por exemplo, permitiu um ajuste muito rápido do balanço de pagamentos (em larga medida pela redução da remessa de dividendos), sem impor um custo ainda maior em termos de retração da demanda doméstica.Foram, assim, as políticas ditas “neoliberais” que – em conjunto com a regulação e supervisão bancárias, bem como a acumulação de reservas – geraram as condições para que a economia brasileira pudesse absorver, com dano mínimo, o choque externo. Tivéssemos dado ouvidos àqueles que atacavam (e ainda atacam) tais políticas, o Brasil estaria agora em condições similares aos países que adotaram medidas bastante diversas e agora sofrem para se recuperar da crise internacional.No entanto, por incrível pareça, apesar do papel central desempenhado na superação da crise, observamos não só o gradual desmonte dessas políticas e das instituições que as suportam, como também a continuidade das críticas, presságio de mais problemas à frente. Aparentemente o sucesso da estabilidade não é suficiente para vencer a soberba dos que se consideram mais capacitados que instituições construídas com enorme sacrifício.(Publicado 9/Dez/2009)

44 thoughts on “Húbris

  1. Como esta tragédia grega que se anuncia acontece no Brasil, o desfecho será diferente. Não serão os próprios soberbos que sofrerão com a Nemesis.

    Os soberbos aqui sempre conseguem alguma consultoria ou cargo publico. Sempre estarão numa sala com ar condicionado.

    As vitimas serão mais uma vez a população e o futuro do país.

  2. Revitalizando o tema – Dutch Disease – saiu na NBER: http://papers.nber.org/papers/w15550.pdf) com a seguinte conclusão:

    "We summarize our findings as follows. Offshore oil has no appreciable market linkages with the
    local economy: it does not use local factors of production, either directly or indirectly through
    purchases of locally-produced goods and services. As a result, local non-oil GDP is unaffected
    by the existence of offshore oil operations. Onshore oil triggers some reallocation of local factors
    of production from manufacturing activities to services, presumably through the direct demand
    for services by oil workers and firms. The net effect on aggregate non-oil GDP, however, is once
    again nil. There is therefore little evidence for traditional models of Dutch Disease, particularly
    those operating through a wealth effect."

    Alex, vc já comentou sobre a esperança brasileira (governo e outros naives) no petróleo?

    Martins

  3. Professor, vc poderia mais detalhadamente me explicar como a manutenção das expectativas inflacionarias sob controle permitiu ajudar na superação da crise?

    Abraço.

  4. olha o ato falho…

    "A política monetária também pôde desempenhar um papel anticíclico, à medida que expectativas inflacionárias se mantiveram ancoradas, apesar da massiva desvalorização da moeda observada no final do ano passado."

    TAMBÉM?

  5. "TAMBÉM?"

    Também, claro. Estamos falando de possibilidades (por este motivo o verbo "poder"). A política fiscal poderia ser anticíclica (não foi, nem é, mas poderia). Citando o artigo: "a redução da dívida pública para 40% do PIB às vésperas da crise, bem como a mudança de sua composição (…) possibilitaram que (…) a política fiscal pudesse ser expansionista sem gerar uma preocupação com a solvência do governo. É verdade que esta política pouco teve de contracíclica (…)"

    Já a política monetária poderia ser anticíclica (e parece ter sido).

  6. Alexandre,

    Como sempre uma análise focada e objetiva.
    Sem questionar o contexto do Brasil…local…..eu duvido da sustentabilidade da economia em um período projetado de 7 anos…….e é simples……não há políticas de INVESTIMENTO SUSTENTADO….obras públicas BOAS…..investimento PRIVADO FIRME……formação de GRADUADOS com capacidade de leitura e interpretação…..e sólida base MATEMÁTICA………..
    A classe média (não a classe média do governo que ganha hahahahahaha 1,5mil por mes…..mas a antiga classe média que ganharia hoje SE HOUVESSE INVESTIMENTOS ALGO MÉDIO 5 MIL POR MES…….teríamos outro país PRÓSPERO……lamentavelmente O PAÍS EMPURRA A CLASSE MÉDIA PARA O CRIME ORGANIZADO…tema complexo para outra postagem……
    Vou visitar o blog regularmente.
    Abraço
    Celso Chini
    WMF FUND
    South America

  7. Anonimo disse "saiu na NBER: http://papers.nber.org/papers/w15550.pdf". Do abstract do paper citado:
    "To explain why oil windfalls contribute little to local living standards, we use data from the Brazilian media and federal police to document that very large oil output increases alleged instances of illegal activities associated with mayors."
    Ou seja, ainda não era nem pré-sal mas aumentou a corrupção. No ano que vem que é ano eleitoral, e a política anti-cíclica vai virar padrão, e até o Meirelles será candidato, para onde irão as expectativas inflacionárias? Esperemos que não ocorra o W na economia dos EUA/Europa!

  8. Acho que seria uma bela justica poetica se os chimpanzes resolverem fazer macacada no Bacen, as expectativas de inflacao descolarem da meta e a Dona macaca-mor perder a eleicao.

    Alias eu sou um sujeito tao falho que eu me pego torcendo por um cenario desses…

  9. Será que o Caio ficou com um frio na espinha depois desse PIBinho de hoje? É, quero ver se a promessa vai ser mesmo cumprida se fechar no negativo… E agora há quase certeza de que vai… Abraço!

  10. "Será que o Caio ficou com um frio na espinha depois desse PIBinho de hoje?"

    Podia ter feito como a Luiza, que só vai me pagar um almoço no Giraffa's (se desse positivo eu pagava no Rubayat). Mas, para ser honesto, a revisão da série (não só o dessazonalizado, mas os dados originais) "matou" muita gente. Sem a revisão, provavelmente daria positivo.

  11. Calma caros, ainda é possível que o PIB seja um pouco positivo em 2009.

    Mas como bem lembrou o Alex, a revisão de toda a série pegou a todos de surpresa. O pior é que a maior fonte de revisão adveio da variação de estoques (na verdade uma medida de erros e omissões). Excluindo esse componente, o PIB foi até ligeiramente revisto para cima. Sem a variação de estoques, o PIB cresceu 2,1% no segundo trimestre e 2,3% no terceiro.

    É isso. Ainda tenho fé de que minha ferramenta de trabalho ficará intacta.

    Com atraso, envio os parabéns ao Cristiano pela conclusão do doutorado. O Celso ainda está me devendo a tese, mas continuo curioso para ler mais uma evidência contrária à doença holandesa no Brasil.

    Abs
    Caio Machado

  12. "acho que a reporter errou as contas!"

    Ela está certa. É verdade que, para dar zero este ano, o PIB do quarto tri teria que crescer (dessazonalizado), algo como 3,6% (15% anualizado). Ela, porém, se refere à comparação com o quarto tri de 2008 e, de fato, um crescimento de 3,6% no quarto tri de 2009 sobre o terceiro de 2009 corresponderia a uma expansão de 5% sobre 4T08.

    De qualquer forma, está difícil, a menos de nova revisão da série. Com um crescimento na casa de 1,5% (sobre 3T09), fecharíamos o ano em torno de -0,5% e carry-over próximo a 2% para 2010.

  13. Errado carequinha,para o crescimento desse ano ser zero.O PIB do 4T09 deveria ser de 2,1%.

    A queda do 4T08 e 1TO9 foi de 4,4%,como o crescimento do 2 e 3 trimestre foi de 2,3% para zero faltaria 2,1.

    "Conta de balcão de padaria"

    Lucrécio

  14. "A queda do 4T08 e 1TO9 foi de 4,4%,como o crescimento do 2 e 3 trimestre foi de 2,3% para zero faltaria 2,1.

    "Conta de balcão de padaria""

    Pessoal, parece que na padaria do zoológico estão dando troco a mais…

  15. E por falar em ANPEC, no encontro apareceram alguns trabalhos interessantes.

    Um deles diz o seguinte:

    1. estimações apontam uma relação entre poupança e taxa de cambio (e a relação encontrada é de que cambio desvalorizado reduz o nivel de poupança)

    2. no modelo teorico, o cambio valorizado reduz a margem de lucro dos setores de bens comercializaveis. E esta redução nas margens implicaria uma queda significativa do nivel de poupança domestica.

    3 . então, o cambio valorizado reduz margens no setor de bens comercializaveis e isto reduziria o nivel de poupança interna.

    Pelo que eu já entendi da discussão neste blog, a relação entre cambio desvalorizado e poupança interna é factivel. E o artigo do Cavalcanti e Fragelli, mostra que uma elevada taxa de poupança interna permite a politica monetaria fazer intervenções no cambio para desvalorizá-lo.

    Seria esta uma discussão como a do ovo e da galinha? Cambio desvalorizado eleva a poupança interna ou a poupança interna permite desvalorizar o cambio?

    Mas se, por exemplo, o setor exportador representa 20% do PIB, o impacto de uma redução dos lucros neste setor explicaria a nossa baixa poupança?

  16. Há uma interessante entrevista de Armínio Fraga hoje na Folha de São Paulo. Talvez com um pouco mais de papas na língua, ele deixa o mesmo tipo de alerta que você e alguns outros tem feito em relação à questão fiscal.

    Conversando com investidores – no Brasil e no exterior – percebo já um certo desconforto com a situação atual. Parece que as eleições no ano que vem já não servem tanto como alento e há preocupação sobre que tipo de legado esse governo, com um índice de popularidade que beira a unanimidade, irá deixar.

    Amigo

  17. Caro Rogerio, se o trabalho que voce mencionou for aquele que estou pensando, eh lixo sub-academico. Alias, vamos jogar esse jogo: voce diz para mim que estudo que eh, e eu desanco os infelizes.

    Tio "O"

  18. Tio "O",

    aí está o trabalho:

    Real exchange rates, domestic and foreign savings: the missing link
    Paulo Gala; Marcos Rocha

    Sirva-se.

    Mas se não for este que você estava pensando, diga para mim, pois na ANPEC deste ano a produção foi boa. E temos muitos artigos bons para você sentar a espora.

  19. "1. estimações apontam uma relação entre poupança e taxa de cambio (e a relação encontrada é de que cambio desvalorizado reduz o nivel de poupança)"
    "3 . então, o cambio valorizado reduz margens no setor de bens comercializaveis e isto reduziria o nivel de poupança interna."

    Então, concluindo, o câmbio sempre reduz a poupança. Mto bom burrinho! Entendeu td!

  20. Caro Rogério,

    É um pouco difícil até julgar o paper que você sugeriu. Em minha opinião, o paper não chega nem a ser errado.

    Vou tentar ser breve e cordato, provavelmente fracassarei no segundo item, como de hábito.

    Os autores tentam demonstrar que um câmbio real depreciado aumenta a poupanca doméstica. Para isso, apresentam um modelo e uma secão empírica. Ambos não passam qualquer controle mínimo de qualidade, pelos motivos que explico abaixo.

    Como disse, os autores se propõem a escrever um modelo que explique a poupança doméstica. Mas, bizarramente, eles apresentaram um modelo em que: (1) a decisão de poupar não é modelada, mas sim gerada por uma premissa de que a poupanca é uma proporção fixa da renda dos capitalistas; e (2) não existe um sistema de precos para bens ou fatores, portanto a renda dos capitalistas é determinada por um único fator (a taxa real de câmbio). Para completar a estranheza, eles concluem o modelo com a afirmação que "overvalued real exchange rates may result in consumer-led growth paths with current account deficits and lower saving levels" apesar do modelo não ter nada a dizer sobre a conta-corrente, e sua única previsão sobre os níveis da poupança é que esta aumenta quando o lucro dos capitalistas aumenta.

    Mas essa é a parte apenas esquisita, e também a melhor parte do artigo.

    A secão empírica, oh a secão empírica…

    Nesta seção, os autores tentam dialogar com o artigo de Servén e Montiel (SM).

    O primeiro elemento da comédia é que os autores não notaram que a Figura 1 de seu artigo é teoricamente a mesma figura que a Figura 2 do artigo de SM. Isto é, regredir a taxa de poupança na taxa real de câmbio e no nível de renda (SM) é a mesma coisa que regredir a taxa de poupança no resíduo de uma regressão da taxa real de câmbio no nível de renda (os autores).

    O segundo ato salta aos olhos na Figura 1 dos autores: como que eles chegaram a essa linha de regressão que aparentemente não tem nada a ver com a dispersão dos dados? Deve ser um daqueles pontos em que a ciência encontra sua intersecção com a arte.

    Mas o creme no topo do pudim só é revelado ao final: uma regressão da taxa de poupança doméstica em um montão de variáver… inclusive a conta corrente, que por construção é igual a diferença entre a taxa de poupanca e a taxa de investimento; e uma bacia cheia de outras variáveis endógenas. O que eu posso dizer disso? Não é surpresa alguma que os autores cheguem a um resultado diferente de SM. Seria surpreendente e uma demonstração que econometria correta é supérflua se o oposto acontecesse!

    Finalmente, a conclusão é de fazer macambúzio o coração de qualquer econonomista procurando uma discussão séria e inteligente. Os autores montam um espantalho "some authors have argued that the Asian model cannot be implemented in Latin America … low private savings levels… culturalist explanations" que não se parece com nenhum argumento que eu já li ou ouvi sobre o fenômeno das altas taxas de poupança na Ásia (aliás, SM tem uma resenha bem decente de explicações alternativas). Existe uma rica literatura que tenta explicar as altas taxas de poupanca na Ásia, que oferece várias explicações (dinâmica demográfica, hábitos no consumo, motivo precaucional, ausência de sistemas nacionais de saúde ou de aposentadoria etc), mas os autores simplesmente fecham os olhos e fingem que não existe. Assim, todos pimpões, eles podem concluir que, sim, entre o espantalho que é "culturalista" e a explicação que eles propõem baseados em econometria crassa, fiquemos com a econometria crassa!

    Mas pelo menos algum crédito os autores merecem: o inglês está quase perfeito! O artigo parece-me bem ajustado para um Cambridge Journal of Economics ou JPKE 🙂

    Tio "O"

  21. E para quem ficou perdido, e para aqueles que acharem que meus comentários não são construtivos, recomendo o artigo do Montiel e Serven. A diferenca é gritante na qualidade da econometria e da discussão teórica, além da discussão de SM ser mais eclética e apresentar muito mais idéias.

    Um parênteses biográfico: SM são dois macroeconomistas da velha guarda, o primeiro, Servén, um dos maiores especialistas no mundo inteiro em poupança (se não me engano ele foi o coordenador de um projeto no Banco Mundial sobre poupança que durou vários anos e produziu o banco de dados que é o padrão-ouro na pesquisa sobre poupanca em países); o segundo, Montiel, co-autor de um famoso manual de macroeconomia focado em países em desenvolvimento e dezenas de artigos. Mas por que estou descrevendo os autores supra-citados? É apenas para expor o tamanho do ridículo que os autores que provavelmente cozinharam um artigo rapidinho tentando atacar uma outra peça bem melhor escrita e que provavelmente foi resultado de pelo menos uns 15 anos de pesquisa sobre poupança. Em outras palavras, tenha bala na agulha, seja um gênio ou então faça que nem o "O" fez um dia e aprenda suas limitações e trabalhar duro. No começo dói um pouco, mas depois cria um calo e a gente acostuma.

    Tio "O"

  22. Tio "O"

    Muito obrigado pela excelente analise.

    Quando você diz que Servén e Montiel são dois macroeconomistas da velha guarda, quer dizer que eles são de certa forma meio antigos na forma de fazer macro?

  23. Aliás, estava lendo ontem o paper deles e não há nada de "old fashioned". Pelo contrário, tudo microfundamentado, com otimização intertemporal, etc.

    Prova que dá para fazer, mas precisa – como lembrado pelo "O" – um tantgo de trabalho a sério antes.

  24. "Achei interessante a sugestão do mestrado. Acho que vou me inscrever para a UnB ou a FGV/SP."

    Boa sorte. Eu recomendaria ir para a PUC ou EPGE/FGV.

    "O"

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