O dólar e a viagem a Portugal. Por Alexandre Schwartsman
O dólar e a viagem a Portugal
Por Alexandre Schwartsman
…O dólar costuma ser visto como um porto seguro para aplicações, mesmo quando os EUA estão no centro da turbulência, seja ela política, como hoje, seja econômica…
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, coluna do autor, edição de 16 de maio de 2018
Por que o dólar subiu tanto? Fácil: porque passei 10 dias no exterior (Portugal, participei de prova de ciclismo no Douro, incrível, obrigado por perguntar) e sempre que viajo para fora o dólar dá um jeito de subir, pelo menos até que pague a fatura do cartão do crédito…
Entendo, porém, que nem todo mundo compartilhe minha opinião. Neste caso, o melhor é olhar o que está acontecendo globalmente com o dólar, que tem se valorizado face às demais moedas mundiais, embora, é claro, não na mesma proporção. Um euro, por exemplo, comprava cerca de US$ 1,24 há cerca de um mês; hoje compra menos do que US$ 1,20.
Parte do fortalecimento da moeda norte-americana se deve às tensões geopolíticas. O dólar costuma ser visto como um porto seguro para aplicações, mesmo quando os EUA estão no centro da turbulência, seja ela política, como hoje, seja econômica, como, por exemplo, durante a crise financeira no final de 2008.
Outra parte da história se deve à percepção que a inflação americana, ainda que permaneça em patamares relativamente baixos, finalmente começou a se mover.
Assim, o IPC, deduzidos alimentos e combustíveis, ultrapassou a marca de 2% nos últimos 12 meses pela primeira vez desde fevereiro do ano passado. A medida favorita do Federal Reserve, o deflator do consumo (também livre de alimentos e combustíveis) segue um pouco abaixo disto (1,9% nos 12 meses até março), mas a tendência de elevação é também visível.
Obviamente não se trata de aceleração descontrolada, longe disto, mas tais números se traduzem em probabilidades mais elevadas de aumentos da taxa de juros americana além do que era esperado no começo do ano. Assim, a taxa de juros de 10 anos do Tesouro americano, que embute as perspectivas de alterações das taxas de juros mais curtas, veio de 2,5% aa para 3,0% aa do começo do ano para cá.
Aos poucos, portanto, as condições financeiras vão finalmente se normalizando, 10 anos depois da crise de 2008. Isto significa que a enorme liquidez mundial que caracterizou este período deve declinar gradualmente, processo liderado pela economia cuja recuperação foi mais longe, os EUA, o que, naturalmente, implica dólar mais forte.
A reação de cada moeda, contudo, não deve ser, a princípio, a mesma, muito embora o impulso original o seja. Características específicas de cada país, como a extensão do seu desequilíbrio externo (portanto a necessidade de recorrer a capitais internacionais), ou problemas fiscais, modulam a resposta das moedas à mudança internacional.
…o quadro político não colabora para a solução dos desequilíbrios nas contas públicas. Pelo contrário, o que se vê é o predomínio da hostilidade ao processo reformista e, portanto, a desvalorização da moeda…
Assim, moedas de países com elevados desequilíbrios externos, como a lira turca, sofreram forte desvalorização.
Já no caso do Brasil o problema é, como de praxe, fiscal. A dívida governamental já ultrapassou 75% do PIB e o déficit operacional recorrente do setor público permanece na casa de 5% do PIB.
Mais relevante, porém, do que os números é a noção que o quadro político não colabora para a solução dos desequilíbrios nas contas públicas. Pelo contrário, o que se vê é o predomínio da hostilidade ao processo reformista e, portanto, a desvalorização da moeda.
Prevalece, apesar disto, o fato do país ser credor em moeda estrangeira, fenômeno que limita a realimentação da fraqueza do real para os balanços dos setores público e privado. Isto não soluciona a questão fiscal, mas ganha tempo para o país decidir se irá (ou não) tomar o rumo correto.
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