Um incêndio, um desabamento. Por Nelson Merlin
Um incêndio, um desabamento
POR NELSON MERLIN
E vai ficar tudo por isso mesmo, alguém duvida? E quanto menos fizerem, melhor para o negócio da ocupação!
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO PORTAL YEZZ.NEWS, JORNAL NOZZ.HJ, 2 DE MAIO
O desabamento do prédio que foi da Polícia Federal no centro de São Paulo é uma tragédia anunciada. Sobram erros por todo lado e nenhum é de agora. Começa pelo descaso da União em dar um destino ao edifício depois da mudança da PF para a Lapa, que aconteceu anos atrás. Largou pra lá. Mas isso foi só o começo.
Irresponsáveis manipuladores da desgraça alheia logo entraram em cena e promoveram a ocupação do edifício, cobrando, ao que se sabe, de R$ 150,00 a R$ 400,00 por barraco, dependendo do seu tamanho. Quanto maior, mais caro. Como havia 132 barracos nos 26 andares do prédio, uma continha rápida revela um faturamento médio mensal de R$ 36.300,00. Limpinhos, sem impostos federais, taxas municipais, sem nada, direto no bolso.
A Prefeitura e o governo do Estado nem fizeram beicinho. Deixaram pra lá.
…Enquanto os bitcoins sobem e descem loucamente e o mercado de ações exige um conhecimento fora do comum para não entrar em frias, o negócio das ocupações é absolutamente estável, seguro e sem nenhum risco para o, digamos, empreendedor…
Com dez ocupações dessas no centro paulistano, onde há 70 prédios ocupados nas mesmíssimas condições, segundo informa a Prefeitura, o grupo “assistencial” dos sem teto pode estar faturando a bagatela de R$ 363.000,00 mensais. Se tiver 20, o dobro. Mas não quero exagerar. Há muitos grupos atuando e a concorrência deve ser feroz.
Eu estava pensando onde aplicar meus cobres, se em bitcoins ou ações na Bolsa, e deparo com esse baita negócio. Enquanto os bitcoins sobem e descem loucamente e o mercado de ações exige um conhecimento fora do comum para não entrar em frias, o negócio das ocupações é absolutamente estável, seguro e sem nenhum risco para o, digamos, empreendedor.
Para não dizer que o risco é zero, pode acontecer um calote de vez em quando, mas imediatamente o “inquilino” é posto na rua e já vem outro ocupar o lugar. A fila é grande, interminável.
… Minha ocupação vai ter luz elétrica e água encanada, a primeira num gato do semáforo em frente e a outra num gato do relógio do vizinho. Eu pago a conta dele, para não me incomodar, que dinheiro não vai faltar.
Resolvi, então, abrir uma ONG. Ainda não sei o nome, e não quero aparecer. Por isso vou contratar alguém para tocar o negócio. Será o meu CEO. Vou contratar também uma assistente social ou psicóloga que se disponha a conversar com a turma, para manter o astral lá em cima e resolver pendengas, que um amontoado desses não deve ser fácil. Será a minha chefe de RH. Por fim, vou contratar um tesoureiro, que uma dinheirama dessas merece um tratamento vip.
Minha ocupação vai ter luz elétrica e água encanada, a primeira num gato do semáforo em frente e a outra num gato do relógio do vizinho. Eu pago a conta dele, para não me incomodar, que dinheiro não vai faltar. Também vou pôr chuveiros para o banho no primeiro andar, modelo quente e frio, que em Sampa faz frio até no verão, que dirá agora. Assim, poderei cobrar até mais pelo aluguel, sacando do bolso só o preço dos chuveiros.
Já pensei em tudo. O que não pensei é no que o prefeito da Cidade, o governador do Estado e o presidente da República vão fazer quando virem meu negócio de pé. Mas já vou avisando que não aceito ser vice de nenhum nas próximas eleições. Quero é ser cabeça-de-chapa.
Se o Meirelles pode, por que não eu?
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Nelson Merlin – Jornalista. Editor e diretor de Redação em jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná