Desafiando a compreensão neste histórico 6 de abril de 2018. Por Sheila Maria Reis Ribeiro
Desafiando a compreensão neste histórico 6 de abril de 2018
Sheila Maria Reis Ribeiro
…Para quem concebe a política como mero jogo, vale tudo; mas para quem concebe a política como meio de transformar as instituições, é necessário redefinir as regras do jogo democrático…
Decretada a prisão de Lula após negativa de concessão de HC no julgamento apertado com seis votos contra cinco, no último dia 4 de abril, fica a pergunta: e agora, o que pode acontecer? O cidadão comum, que não frequenta os grandes saraus do debate e que não tem o hábito de refletir sobre as notícias, pode se beneficiar da sua posição de “ignorância” para tomar partido e firmar sua convicção sobre a validade da decisão do STF. Aliás, todos somos ignorantes e convictos a medida que, desprezando a capacidade de refletir, tomamos partido. O que passa é que a discussão sobre a prisão de Lula desafia a nossa razão a buscar para além da pessoa do ex-presidente, retirante e líder sindical, possíveis justificativas para ação.
Cresci num Brasil em que o pobre não tem chance de esperar o devido processo legal para ser condenado e preso. Num país em que só o rico é protegido pela presunção da inocência, porque pode pagar advogado para dilatar a decisão da justiça, cujas regras do sistema favorecem a multiplicação de recursos até o limite da prescrição. Exatamente por isso o Poder Judiciário não gozava até bem pouco tempo de prestígio. Somente dos anos 1990 para cá a Justiça vem dando sinais de que é possível refazer sua trajetória institucional.
Se considero que essas são evidências históricas, ou acredito que a posição do Supremo favorece a democratização da instituição, uma vez que, ao assentir a prisão em segunda instância, está sedimentando o caminho para acabar com a impunidade e, consequentemente, fazendo valer o preceito fundamental de que todos são iguais perante a lei; ou, saindo do contexto e adotando postura supostamente formal, ressalto os “riscos” de insegurança jurídica, que de fato existem, simplificando o entendimento de que a decisão fere o princípio da presunção de inocência, e, deste modo, favorecendo os que hoje, vergonhosamente, gozam do privilégio do foro privilegiado e jogam politicamente com a credibilidade da instituição Justiça.
Esse é o contexto que elejo para entender o voto da Ministra Rosa Weber que, ao meu juízo, não desqualifica a decisão do STF. Ao contrário, aquela Corte reafirmou a supremacia do Estado Democrático de Direito, pois soube dar o devido contorno da presunção de inocência dentro do arranjo institucional vigente. No meu entendimento, a decisão indicou que, no cenário atual, afirmar a Jurisprudência significa dar eficácia à Lei Maior. A argumentação da citada Ministra levou-me, ainda, à conclusão de que a questão não se esgota aí. É preciso reformar a Constituição.
Não surpreende que muitos prefiram reduzir a importância da decisão do STF, usando da racionalidade política instrumental para sugerir que beneficia o jogo político eleitoral. Lamentavelmente, os desdobramentos indicam que o jogo pode continuar e ainda comprometer a esperança dos que não jogam, mas tão somente agem em favor da transformação institucional rumo à construção da Justiça democrática.
Para quem concebe a política como mero jogo, vale tudo; mas para quem concebe a política como meio de transformar as instituições, é necessário redefinir as regras do jogo democrático.
*Sheila Maria Reis Ribeiro é Mestre em Sociologia Política, graduada em Filosofia e em Serviço Social pela Universidade de Brasília.