A Chave de Ouro ou O Capeta Encarnado. Por Josué Machado
A CHAVE DE OURO ou O CAPETA ENCARNADO
Por Josué Machado
… Segundo a AIE, o número de pessoas que dizem estar possuídas triplicou para 500 mil nos últimos doze meses, e, na Irlanda, os padres informam que a quantidade de pedidos de exorcismo tem crescido exponencialmente…
O Vaticano vai organizar de 16 a 21 deste mês de abril um curso de exorcismo para que novos padres atuem na “crescente onda de possessões demoníacas”.
Isso por considerar o alerta de “emergência pastoral” anunciado pela Associação Internacional de Exorcistas (AIE); essa entidade é reconhecida pelo Vaticano e representa mais de 200 religiosos católicos, anglicanos e ortodoxos.
Foi o que anunciou o respeitado jornal inglês “The Guardian”.
Segundo a AIE, o número de pessoas que dizem estar possuídas triplicou para 500 mil nos últimos doze meses, e, na Irlanda, os padres informam que a quantidade de pedidos de exorcismo tem crescido exponencialmente.
(Ah, se o pessoal da AIE examinasse com cuidado os palácios das classe dirigentes brasileiras… Quantos capetas encontraria!)
O fato é que a notícia da efervescência antidemoníaca traz à lembrança outra, tenebrosa, dada pela correspondente na Itália de emissora de rádio paulista há algum tempo:
“Parentes de um bebê na região de Reggio di Calabria o espancaram até a morte na tentativa de espantar o demônio que havia dentro dele.”
Depois da notícia terrível, a correspondente fez a pergunta retórica aos ouvintes, por certo horrorizados:
“Práticas medievais de volta à Europa?”
E concluiu o relato com o comentário luminoso:
“O Vaticano condena tais práticas.”
Não é bom saber que “o Vaticano condena tais práticas”?
Não é consolador saber que o Vaticano condena o espancamento de bebês até a morte?
A primeira parte da notícia provavelmente foi traduzida. Notícia concisa que narra o essencial do barbarismo. Mas já com grave distração embutida:
“Parentes de um bebê na região de Reggio di Calabria o espancaram até a morte, na tentativa de espantar o demônio que havia dentro dele.”
Será que havia de fato um Gilmar Beiçola Mendes, isto é, um capeta dentro da criança? A correspondente estava admitindo isso com seu texto:
“…na tentativa de espantar o DEMÔNIO QUE HAVIA DENTRO DELE.”
“Havia”? O redator ou redatora sabe que “havia”? “Havia” mesmo?
Teria dito melhor, se não estivesse papando uma hóstia à sombra do Vaticano:
“… para espantar o DEMÔNIO QUE SUPUNHAM HAVER dentro dele.”
Muito bonita, no entanto, é a revelação perspicaz, de uma candura
irresistível, o fecho de ouro comovente, como num soneto de Camões, a que ela não resistiu:
“O Vaticano condena tais práticas.”
Alguém mal-humorado exclamaria diante da tola evidência: “Maravilha de repórter! É a manifestação da estupidez em estado puro!”.
Melhor não. Melhor ver com humor o truísmo uivante e atribuí-lo a certa inocência da responsável pelo texto:
“O Vaticano condena tais práticas.”
Não é surpreendente?
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade